O Bum do Bumbum: DJ Ruim

Dimas Henkes
Bumbum
Published in
6 min readJul 30, 2020

Conheça as inconformações e identificações da DJ na cena brasileira

Mariana Lacorte tem ascendência indígena, é lésbica e com 24 anos carrega uma pesquisa minuciosa de batidões irreverentes. Seu nomes artístico, DJ Ruim, vem da contradição, inconformação e a falta de representação da cena artística paulistana. Na contra-mão do som comercial, Marina e um amigo produtor decidiram criar a "Festa Ruim" para experimentarem novos sons e, de quebra, criticar o que tava rolando na cena — o evento acabou não rolando, mas ela decidiu adotar o nome.

Desde 2013 sua pesquisa já encontrou diversos gêneros, como Post-Dubstep, Trip-Hop, Rap, Cloud-Rap, House, Witch House e outras vertentes experimentais. Atualmente ela tem se aprofundando na "Quebradeira", termo que denomina gêneros musicais que engloba música fraturada, experimental e expressões da música eletrônica muitas vezes marginalizadas, como o Funk, o Reggaeton e Dancehall.

Para o set do programa Bumbum na rádio Veneno pode se preparar pra requebrar o seu bumbum. A pesquisa, que estava incorporada na DJ desde o início do ano, reverbera uma atitude intensa, promíscua e delicada. O Funk Paulista se envolve com Reggaeton e batidas experimentais se misturam com elementos populares. Quebradeira extrema.

Além do set gravado, DJ Ruim bateu um papo comigo sobre pertencimento, vivência e, claro, muita música. Confira:

Seus sets tem uma diversidade sonora impecável e você já transitou por diversas pesquisas desde quando começou a discotecar. O que a diversidade sonora da sua pesquisa te ensinou nessa trajetória?
eu aprendi que é muito mais fácil você “escolher” um gênero musical com que se identifica, transitar por ele pra ter mais coesão e fluir de um jeito mais bonito num set/numa apresentação ao vivo.

ao mesmo tempo eu não estou muito preocupada com isso, eu gosto do caos na música e eu consigo visualizá-lo de uma maneira prazerosa.

acredito na combinação do que não dá pra combinar.

só que como todas as coisas em que a gente se debruça, o que aprendi muito rápido é que tem que ser político. porque até com isso as pessoas sofrem, com a música que as representa, por não ser adequada, por ser marginalizada, por ser suja, então é necessário que a acessibilidade à música seja ainda mais universal.

hoje em dia a gente ainda lida com rolês em que você se preocupa se pode ou não tocar funk, com gente que se incomoda com as letras, com gente que vai te olhar estranho. e isso acontece em outros países colonizados em que a cultura sofreu higienização, um exemplo é a república dominicana que abomina o seu próprio reggaeton.

Você (re)contextualiza o funk brasileiro em seus sets. Qual a potência desse gênero e outros estilos marginalizados na música eletrônica?
a potência é gigantesca, as pessoas que produzem no Brasil são muito brilhantes e possuem técnica. o funk é rico e tem muitas vertentes.

os ritmos marginalizados já são difundidos, mas o que me irrita muito é essa lavagem que a música leva quando um produtor como o diplo, por exemplo, atualmente o skrillex também, renomeia um gênero musical “odiado” como eu disse anteriormente pra ser mais facilmente consumido/comercializado.

o ideal é que os próprios artistas que criam inseridos em determinada cultura ascendam em carreira e pra isso o trabalho deles tem que ser reconhecido e não saqueado.

vou citar mais a frente, mas hoje já temos pessoas brasileiras que fazem a vida lá fora como MC, cantores, artistas.

outro fator é que aqui no brasil é difícil. uma pessoa que é MC ou DJ de funk seria criticada se entrasse como headliner de um Lollapalooza por exemplo. mesmo em festas modernas/contemporâneas paulistanas se percebia gente que rejeitava o funk. fora das bolhas a discriminação também é difundida.

Qual drink você indica para beber enquanto escuto o seu set?
óbvio que teria que ser o red bull frutas tropicais, ou amarelo como eu chamo e bebo até quente. mas a cereja do bolo é o gelo de coco.

infelizmente não tenho patrocínio, embora já tenha chorado pra empresa, mas de verdade, desde a primeira vez que tomei esse energético foi uma saga pra eu descobrir qual sabor era porque eu estava numa festa, peguei do freezer e por conta das luzes não enxergava a cor; provei todos, odiei o cranberry e uma hora encontrei.

a cara do funk é tipicamente whisky e energético (vide Backdi e BioG3).

eu não faço uso de álcool mas fique à vontade pra fazer a sua mistura, não pode esquecer do copão ;^)

O nome “DJ Ruim” nasceu diante da contradição da cena musical de São Paulo. Mas eu quero saber as suas referências musicais e visuais de identificação na cena paulistana e brasileira em geral.
as referências vêm em si da rua mesmo, meu contato com rap e funk veio de jogar bola na rua, brincar na rua. eu me lembro de desenhar no caderno o logo do Espaço Rap na terceira e quarta séries.

a minha pesquisa hoje é bastante fundada nas mulheres, principalmente as que estão inseridas no LGBTQIA+, porque não só eu, mas no geral estão todas cansadas de não ter a nossa voz na música, seja sobre putaria, seja sobre consciência, precisamos dessa representatividade.

por isso, eu vou dizer que atualmente aposto todas as minhas fichas na DJ Yurley que no começo de Julho saiu na rolling stone. DJ Suellen, DJ Méury, DJ Th4ys, Iasmim Turbininha, apropriadamente, Baronnesa, MC Dricka (embora eu esteja brigada com ela), MC Danny, MC Sapinha (também uma aposta), MC Morena, MC Lalão do TdS (minha amiga há mais de 10 anos), Ciana, Slain.

preciso citar o MC Buzzz, MU540, vó1d (que inclusive incluí no set), SH1FT.

Pelas pistas e trabalhos que você já discotecou, como é ser lésbica e indígena em um ambiente tão cisgênero e heterocentrado?
eu preciso ressaltar que nunca tive vivência tribal e é uma saga a busca por essa ancestralidade.

não tem como ser fácil, já passei por vários hiatos, já saí de coletivo, já desisti, já fiz discotecagens importantes, só que eu tive que manter a música em outro plano porque profissionalmente sempre foi inviável. por mais que tenha tido contato com instrumentos desde a infância, não houve estímulo.

no meio eletrônico o pessoal vai descobrindo e aprendendo sozinho, um amigo me ensinou a usar algumas coisas. e só a partir de 2018 eu fui começar a aprender a produzir (também sozinha), ainda tenho muita dificuldade, nunca tive quaisquer equipamentos, conto com algumas dicas de parceiros e vou levando um dia de cada vez.

uma coisa que eu aprendi no meio de artistas/moda/música é que é preciso ter muita atenção às pessoas que se utilizam das narrativas das minorias pra se aproveitar

Me conta um pouco sobre os álbuns que você mais tem escutado em casa?
essa é bem difícil, eu tenho ouvido mais sets de rádio, música portuguesa e coisa solta do soundcloud, porém ouvi um pouco o “KiCk i”, da Arca, foi importante pra mim porque eu realmente acreditei que a artista fosse entrar pro mainstream e, enfim, a gente sabe o que acontece com a música industrializada, mas eu gostei que quebrou minhas pernas.

estou apaixonada por “SINTETICLUB”, o EP de EL PLVYBXY.

ouvi também “Roaches 2012–2019” de Dean Blunt e “Heaven To A Tortured Mind” de Yves Tumor.

Algo que você quer que todo mundo saiba sobre você:
eu adoro ser do contra, falo da maneira que faz sentido na minha cabeça (que pode ser totalmente desorganizada), ainda estou aprendendo a erguer minha voz, não passo pano pra ninguém. prefiro me resguardar, trato o meu corpo como um templo, sou religiosa, curto festa, mas não consigo suportar o caos energético delas; não bebo desde os 18 (nem uso nada), não gosto de escapismo, tenho muita paciência, demorei pra perder a fé no Brasil.

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Dimas Henkes
Bumbum
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Curador cultural, estrategista de conteúdo e conector de projetos e pessoas. Diretor do programa Bumbum na rádio Veneno.