O Bum do Bumbum: Glau Tavares

Dimas Henkes
Bumbum
Published in
5 min readAug 20, 2020

Glau é sinônimo de força lésbica carioca

Diretamente do Rio de Janeiro, Glau Tavares tem o passaporte carimbado pelas melhores pistas do Brasil e do mundo! Atuando como DJ há 5 anos, ela toca na Batekoo, Velcro, Mariwô e é uma das fundadoras e produtora da festa Isoporzinho das Sapatão. Também já passou pelo Boiler Room de Londres e mais cinco capitais europeias. E no Brasil fez até a cantora norte-americana Lizzo rebolar o bumbum com seu set frenético.

Sua pesquisa remete suas raízes: funk e hip-hop são marcas registradas em seus sets. Hoje, sua pesquisa se expande para uma variada seleção de ritmos afrodiaspóricos, periféricos e urbanos nas vertentes da música eletrônica. Seus sets são elogiados por ter uma força poderosa e quente.

Para o set do programa Bumbum na rádio Veneno, você começa a tremer o bumbum no primeiro segundo do set. E só para de rebolar quando o set acaba. O funk é o astro desse mix — e é com maestria que a DJ carioca traz ritmos mais quebrados para compor os 60 minutos de pura energia. África e América Latina fazem festa nessa pesquisa envolvente.

Além do set gravado, Glau Tavares bateu um papo comigo sobre funk e música eletrônica, desafios de ser lésbica e álbuns da quarentena. Confira:

Sua pesquisa musical é muito potente. Como foram os primeiros passos da sua carreira?
Meus primeiros passos começaram a partir da minha familia, venho de uma família de sambistas, meu avô era compositor de samba, meus tios se envolveram com música em algum momento da vida e convivi com isso desde cedo. Meu pai também trabalhava em Angola e eu conheci o afrobeat através dos discos que ele trazia e colocava pra ouvir aos domingos em casa. Ainda criança, ele (meu pai) me deu um rádio com toca fitas e eu gravava músicas das rádios nessas fitas, daí repassava pra outras fitas e organizava uma espécie de playlist temática. Pra mim esse momento eu já tava começando meu processo de pesquisa e curadoria inconscientemente. Mas de forma mais direta, tudo começou em 2009 quando tive contato a discotecagem através de um amigo que tava montando um projeto de trance, na época não deu muito certo por falta de espaço, acessos e por não ver possibilidade de me manter num meio, tão branco e elitizado. Mas em 2015 passei a me envolver em projetos LGBT’s e pretos, como o Isoporzinho das Sapatão e a Velcro, e arrisquei voltar a tocar com essas festas, acreditei nessa nova chance e comecei a tocar sozinha, desenvolvendo algo próprio.

Quais os principais obstáculos de uma mulher lésbica na cena de DJs brasileira?
Acho que um dos principais é o fato de vc não se ver representada e nem ter exemplos próximos pra se inspirar. Isso foi um obstáculo que tive em 2009 no meu primeiro contato, creio que se tivesse acreditado que era possível naquela época poderia ter avançado ao longo dos anos em várias áreas, mas me sentia muito só e sem referências, de qualquer forma isso faz parte do meu processo. Além disso, a cena é bastante fechada para mulheres djs, ainda mais sendo lésbica e não performando um estilo de feminilidade padrão que é esperada e é potencializado sendo negra. São muitos desafios, desde o pouco acesso a também perpassando oportunidades que chegam mas sem valorizar de fato o nosso trabalho, como a situação de mulheres ganharem um cachê menor do que homens, tocarem em horários de menor “destaque” em um lineup etc.

Avançamos bastante, mas existe sim uma resistência e uma galera que não quer abrir espaço e perder privilégios…

Qual drink você indica para beber enquanto escuto seu set?
Eu indicaria um drink refrescante e cítrico como Aperol Spritz ou algum que envolva laranjas rs, como montei esse set numa pegada latina e afro, acho que combinaria com um drink nessa refrescante e leve.

Qual a relação do funk e da música eletrônica?
O funk em sua história surge da influência de música eletrônica. Nos primórdios o miami bass (vertente do hip hop com música eletrônica e produzido em miami na déc de 80), foi a grande base para que produtores cariocas se inspirassem a fazer algo nacional. Os bailes de charme e bailes da z.norte(RJ) era a vertente que fazia sucesso e lembro e ouvir muito na infância com meus tios, a partir daí fizeram versões em português, acrescentaram batidas eletronicas diferentes e surgiu o funk, ou seja, algo 100% eletrônico. No entanto, sinto que quando se trata de música eletrônica produzida por pretos, com a linguagem da periferia e voltadas pro público da periferia, a cena de música eletrônica convencional tem resistência a reconhecer e dividir espaço com essas vertentes, mas independente do que é pensado por eles o funk segue sendo a manifestação mais genuína de música eletrônica brasileira

Quais álbuns você tem mais escutado ultimamente?
Na última semana ouvi o EP da Dai Burguer e achei foda, além disso Black is King esteve no repeat por um tempo rs. Da cena nacional, tenho ouvido muuito rap de todas as vertentes e épocas. O ultimo EP do Rico Dalasam me marcou bastante e tem o da Jup do Bairro que tem uma pegada clubber genial. Além disso tem rolado descobertas como Santuspê, Afrodara, Ebony, Febem, Nill e as produções e collabs dos djs que eu acompanho como Mu540, Evehive, Badsista, JLZ…

Seu passaporte tem o carimbo das melhores pistas do mundo. Qual a diferença da pista do Rio e do resto do Brasil? E do mundo?
Como sou do RJ e o funk é uma influência, meu set sempre perpassa o funk e as vezes é ali que se encontra o ápice, essa turnê me expandiu para reconhecer vários outros estilos e possibilidades “altamente dançantes” que ainda não tinha testado. No Rio, com a cultura do baile, somos muito influenciados por isso mas sinto que as pessoas aos poucos vão se abrindo a novas tendências sobretudo quando envolve um swing. Já em SP a galera se mostra um pouco mais antenada a outras vertentes e curto demais tocar aí. No geral, pra mim o Brasil segue incomparável no calor e na intensidade nas festas, tive momentos incríveis na turnê, mas a forma como nós brasileiros nos jogamos na pista e vivenciamos um dj set é realmente intensa e incomparável.

Algo que você quer que todo mundo saiba sobre você:
To vivendo o returno de saturno com a virada pros 30 em plena pandemia e tá sendo uma descoberta muito louca e um pouco dolorida de quem eu sou, do que quero ser e construir. Sinto que to num processo de refinamento pessoal, dando muita cabeçada e tentando acertar, mas isso tb me leva pra outros lugares e sonoridades e isso vai aparecer no meu som e posturas.

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Dimas Henkes
Bumbum
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Curador cultural, estrategista de conteúdo e conector de projetos e pessoas. Diretor do programa Bumbum na rádio Veneno.