O ensurdecedor silêncio da música brasileira e o estrondoso barulho da nova contra-cultura
Ou: escute um pouco melhor.
Depois de ler a matéria "Silêncio sobre Roberto Alvim reinou entre o pessoal do axé, do sertanejo e do pagode", de Anderson França, na Folha de São Paulo, comecei a questionar amigos e até a mim mesmo sobre o não-posicionamento de grandes artistas da cena musical brasileira.
O autor publicou, em sua coluna, uma ilustração de Maiara e Maraísa com uma braçadeira nazista. As duas processaram o autor, se manifestaram em repúdio ao ato, mas não falaram nada sobre o principal contexto, que envolve o discurso de ódio e censura do Governo em relação à classe artística. Perderam o último assento do trem da oportunidade de posicionamento democrático. Tchauzinho.
Graças à essa atitude da dupla e de ações a-políticas de vários outros artistas que o próprio autor aponta (Anitta, Thiaguinho, Whindersson Nunes, Kéfera e outros), muitas pessoas falam que vivemos em um Brasil com um "vazio cultural" ou que vivemos em uma cultura sem poder crítico.
E esse movimento de massa tão críticado, cria outro: o "não-movimento" — a contra-cultura, o underground, o pós-pós-tropicalismo.
Novas sensibilidades e marginalidades articulam-se ao experimentalismo e afrontam à política e cultura atual, criando atividades artísticas críticas ao sistema. E é assim que surgem as mais expressivas produções culturais do nosso país, igualzinho a primeira metade dos anos 1970 — onde estava instaurada uma ditadura militar no país.
Não vivemos em um país de vazio cultural, mas sim em um país repleto de outras significações culturais, artísticas e políticas com novas formas de subjetividades.
Após a criação do AI-5, tivemos o filme Terra em Transe, de Glauber Rocha; a encenação de O Rei da Vela pelo Teatro Oficina de José Celso Martinez Corrêa; o tropicalismo do grupo baiano; o livro PanAmérica, de José Agrippino de Paula.
Hoje, a resposta de uma suposta volta do AI-5 chega diferente, muito mais direta, principalmente na música. Já escutaram "Eu Vou No Gueto", do grupo Afrocidade? Ou "Eu Vou", da dupla mineira de rappers Hot e Oreia? Ou um show de Luedji Luna? Show do BaianaSystem? Ou já assistiu o tão comentado Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles?
O que tem em comum nessas obras criadas em dois momentos históricos diferentes, são os signos da complexa situação cultural — em que referências das culturas populares estão sendo criadas pela vanguarda e não pelas vozes que alcançam a massa. O vazio cultural dá espaço para o fervo criativo e da crítica social — muitas vezes aparece junto de dança, porque a dança, no Brasil, é um ato político.
A contracultura, uma vez que chega a superfície e absorvida pela massa, cria novas formas de expressão e sobrevivência.
Por isso, parem de exaltar quem já tem voz. Dê palco (e pague o ingresso) da nova contra-cultura brasileira. Vocês estão vivendo com os novos Tropicalistas e não sabem disso.