Saskia está pronta para instaurar o caos
Em entrevista exclusiva, a cantora, produtora, compositora e DJ porto-alegrense Saskia fala sobre sua estreia desafiadora com o álbum “Pq” e sobre como sua personalidade ácida reflete na sua música.
Podem aumentar o volume: Saskia chegou! Praticando o caos, a cantora gaúcha de 23 anos veio para institucionalizar o seu lugar na cena musical brasileira. Nascida no bairro porto-alegrense de Guarujá, sua missão é questionar tudo ao seu redor — ela reflete sobre o futuro, canta sobre o presente e carrega fortemente suas pesadas raízes.
Saskia é uma cantora para o mundo inteiro ouvir. E ela não vem sozinha. O cantor paulista Edgar fez uma participação especial no forte carro-chefe do álbum, a música “Tô Duvidando”. O álbum, lançamento do selo carioca QTV, focado em música experimental e independente, também traz a participação especial da banda carioca Tantão e os Fita, e conta com os produtores gaúchos Leo Pianki e Mateus Tabu, entre outros grandes nomes.
Com muito barulho e acidez, Saskia trilha um caminho promissor com seu álbum de estreia. Tudo que você ouvir nesse trabalho é fruto da cabeça inventiva e criativa de uma nova artista brasileira atual e necessária.
O caminho que ela percorreu para chegar aqui foi longo e esse sentimento está presente nas batidas caóticas, nas letras profundas, nas rimas desconexas e na sua atitude inigualável. Tudo que ela precisa falar, você vai ouvir.
Igual a uma pulga atrás da orelha, sua música fará você se coçar até questionar tudo ao seu redor. Para compreender sua música, você precisa quebrar camadas. Suas letras subjetivas podem remeter a várias questões e, toda vez que você ouvir novamente, encontrará outras mil questões: é esse o poder da arte da Saskia. Saskia é o sal na sua salada.
Em entrevista, Saskia dividiu comigo um pouco do seu processo criativo, sua personalidade e sua promissora carreira.
Por que o nome do seu primeiro disco é “Pq”?
“São os quatro porquês do nosso brasilês resumidos em um só. O “Pq” está explicado em quem eu sou.”
Suas músicas soam caóticas na primeira audição. Percebi muitas camadas até compreendê-las, o que tornam todas as músicas ricas e mais profundas. Como foi o processo de construção das batidas com o seu flow para cantar?
“Cada música foi um processo diferente. Elas vieram todas embaralhadas e espalhadas pelo meu cérebro, e [os produtores] Tabu e Renato souberam organizar. Minha alma é caótica, e a música é subordinada da alma.”
Como foi o processo de encontrar a música na sua vida?
“Sei lá, eu nasci assim. [Risos] Não decidi tocar. Eu brincava até sair alguma coisa. Minha mãe diz que quando eu era bebê eu fazia sons com a boca antes de falar e barulhinhos nas coisas antes de me coordenar.
Teve um dia no sofá da sala, que me lembro de ali descobrir que eu conseguia controlar a voz. Depois disso eu fui tentando controlar as outras coisas que eu não sabia. Desde que me lembro de existir a música sempre tomou conta da minha vida.
Do violão ao PC fui mexendo em cada coisa que fazia barulho pra saber o que aquilo respondia. Juntei várias ferramentas até vir pra capital e ser convidada para capitalizar isso. Me sinto responsável pela música.
O porquê sempre existiu e tem que existir. Continuarei respondendo essa pergunta, assim como perguntando ela pra tudo que também faz barulho.”
Você saiu do bairro Guarujá, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. E vai lançar o álbum no dia que alguns gaúchos comemoram a rebelião da “Guerra dos Farrapos”. São muitos significados… Sendo uma artista negra, como foi encontrar seu espaço?
“Eu tenho orgulho de ser do sul. Se eu não fosse a única preta na maioria dos espaços que adentrei, talvez eu não tivesse essa força. O povo gaúcho tem orgulho de sua história, pois foi um estado que se voltou contra o Império. Até então a parcela negra andava ao lado dessa revolução.
Depois de alforriados, é claro que os grandes donos de terras não curtiram a falta de mão-de-obra escrava nas suas fazendas. Os Lanceiros Negros foram traídos em Porongos por causa dessa aliança. Com a facada nas costas, os negros do Sul foram separados da concentração cultural.
Mas as famílias europeias que ganharam terras no Brasil e os africanos que foram arrastados para trabalhar com essas famílias têm algo em comum: se proliferaram. Através da arte, eu cheguei até a população negra do Brasil, e com ela conheci os negros no Sul.
“Por muito tempo achava que meu trabalho era homologado apenas por ser eu mulher e negra. Mas entendi que meu trabalho vai além disso, e me sinto responsável por preencher a lacuna da arte negra na arte brasileira. Eu hoje quero que todos vejam que é possível ser real. Quero ver todas cores e não-cores e todos os gêneros e não-gêneros preenchendo a salada ácida que é o Brasil.”
Amo meu bairro, e faço uma homenagem a ele na última faixa do disco chamando o “Serraria 179”, único ônibus que leva para onde eu vim. Na Zona Sul de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, na América do Sul. Hoje o meu povo do sul comemora a independência de todos os povos dos seus supostos donos. Eu comemoro a minha independência existencial, consequência de mil fatores, que me orgulho de ter me levado a acreditar no que eu sou.”
Você não está sozinha nesse álbum. Como foi gravar e criar com outros artistas?
“Eu sempre trabalhei sozinha, porque foi assim que eu aprendi a fazer quase tudo. Mas começando a compartilhar e a dividir ideias, tudo muda em aonde dá pra chegar.
Todos me ajudaram a traduzir e organizar minhas ideias pra que elas realmente acontecessem. Além de me interpretar com outras ideias que eu não teria.
Me diverti e aprendi muito trabalhando com todo esse pessoal. Quase ninguém nesse projeto tinha trabalhado assim antes. No vídeo, no áudio, na produção, foi a primeira vez de muita gente.
Acho muito foda poder disponibilizar espaço dentro do meu mundo de exortação criativa, pra uma galera poder exortar sua mente também.
Aguentamos muita coisa, muita pressão, diferente do que esperávamos. Muita coisa mudou no caminho e o improviso coletivo nos salvou. Vou ter que soltar um FINALMENTE aí pra galera que, bah… O “Pq” não foi fácil pra ninguém, mas nasceu no dia da cesariana, saudável e pesado.”
Você é uma questionadora ácida. As suas letras são diretas e às vezes até debochadas. Como é o seu processo de criação para escrevê-las?
“As letras do álbum saíram enquanto esse projeto chegou no “Pq”. Disso tudo que estava escrito, eu recortei 1,1% e disse no disco. A composição nunca é a mesma e o “Pq” foi dito assim. Salguei a comida quente e adocei o café frio. Agora o “Pq” vem reclamar da gastrite. Ácido, mas acordado.”
Quais são os seus planos para o futuro?
“Já temos uns showzinhos marcados. Os próximos do projeto, lançamento oficial do “Pq”, são no dia 19/10 em Caxias do Sul (RS) e 08/11, finalmente, em Porto Alegre. Fora isso, vai rolar alguns no Nordeste lá por novembro e fui escolhida pros showcases da SIM SP em dezembro!”
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