A política e a economia em meio a cobertura factual

Andressa Schütz
Dinheiro e Poder
Published in
18 min readOct 11, 2019

O jornalista Eduardo Matos, da Rádio Gaúcha, fala sobre o trabalho do repórter de rádio e da preparação para transitar entre diversas editorias.

Matos denomina-se “generalista”, um repórter que cobre várias editorias. | Foto: Arquivo Pessoal

Eduardo Matos se formou em jornalismo na Unisinos no ano de 2004, e desde 2002 trabalha na Rádio Gaúcha, maior veículo do segmento no Rio Grande do Sul. Se define como um “generalista”, pois cobre diversos assuntos, mas suas verdadeiras paixões são a política e a área jurídica. Setorista da Lava Jato, é também responsável por toda a cobertura da prisão do ex-presidente Lula no veículo em que trabalha. Na entrevista, Matos discorre sobre as novas estratégias do jornalismo, coberturas que o marcaram e como se prepara para cobrir política e economia.

Como tu chegou até o jornalismo e como escolheu o rádio?

Eduardo Matos: Na verdade eu não “pensei” em fazer jornalismo, quando adolescente. Tem muitas pessoas que até quando são crianças já possuem uma visão de profissão. O que eu queria ser era, inicialmente, professor de educação física, porque eu sempre fiz esporte e fica naquela vinculação da educação física com o esporte. Depois, é até meio curioso ou engraçado, mas eu queria ser ator, ao mesmo tempo não queria fazer artes cênicas ou curso de teatro. Queria algo que me levasse à televisão, por isso pensei em me tornar ator. Mas aí o jornalismo me pareceu legal, ser repórter de TV, misturei um pouco as coisas. Resumindo, fiz vestibular para jornalismo, passei na Unisinos. Não lembro o ano exatamente, mas me formei no início de 2004 e já antes de formar, entrei na Rádio Gaúcha, em 20 de outubro de 2002. Comecei aqui na rádio como rádio-escuta e fui percorrendo os postos. Gostei da função.

Eu era escrevente, trabalhava como escrevente contratado em um cartório da 4ª vara cível, do Fórum Central aqui de Porto Alegre, e acho que foi isso que me fez seguir algumas linhas de pautas na reportagem, porque eu faço muitas matérias na área jurídica. Então comecei a trabalhar simultaneamente, fazia estágio aqui em um turno, trabalhava no Fórum em outro, até que chegou o momento que não consegui mais conciliar. Saí do meu trabalho, fiz estágio no Jornal do Comércio, também simultaneamente com o estágio aqui na Gaúcha, até que novamente não consegui conciliar e fiquei somente aqui em definitivo. Fiquei dois anos como estagiário, passando por todas as funções, na época existia a função de rádio-escuta e que hoje não existe mais, porque os grupos de WhatsApp solucionam tudo isso. O rádio-escuta nada mais é do que escutar as outras rádios, e hoje em dia a Gaúcha tem uma equipe tão forte, e tantos contatos, que não é que a gente não precise das informações de outras rádios e que sempre vamos dar primeiro, e seria até soberba da minha parte dizer isso. O que eu quero dizer é que a gente vai conseguir as informações, mesmo dando a notícia um pouco depois. Não há essa necessidade de ouvir o tempo todo. Eu ouço e assisto outros canais por opção pessoal, por vontade.

Então fiz a rádio-escuta; produção; redação, que é quem redige, até existe essa função aqui na rádio mas bem diminuída; edição, principalmente dos noticiários e aí fui para a reportagem e sou repórter até hoje, e eventualmente apresento alguns programas.

O rádio possui uma característica, principalmente para os repórteres, que é a transição entre diversos assuntos. Em um momento está produzindo uma matéria em profundidade e no outro cobrindo assuntos factuais. Como é essa preparação para transitar entre vários temas diferentes, principalmente para economia e política?

Eduardo Matos: Não é muito fácil. O que eu mais gosto no jornalismo de rádio são as matérias especiais. Talvez, se tu questionar outros repórteres, a maioria diga a mesma coisa, mas eu confesso que se eu pudesse ficar só com as matérias especiais eu ficaria. E elas poderiam ser feitas em menos tempo. Hoje, o que a gente faz é administrar — e com a gente eu digo os que fazem reportagens mais trabalhadas, lógico que eventualmente todos fazem, mas alguns mais e outros menos -, a gente acaba administrando o nosso tempo entre entrevistas para matérias especiais e matérias factuais.

Por exemplo, no dia dessa entrevista (1º de outubro de 2019), eu fiz duas matérias factuais, que foram a entrega das chaves dos dois novos prédios do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, uma obra importante, uma notícia que realmente merece ser exaltada e totalmente factual, e fiz uma outra notícia agora pouco sobre uma decisão da Justiça mantendo a extinção de cargos em universidades e institutos federais de educação, também um fato importante, já que as universidades precisam dos servidores para seguir com determinados serviços. Ao mesmo tempo eu fiz uma entrevista, por volta de 17:30h da tarde, quando terminou o Chamada Geral 2ª Edição, que vai entre 16:30h e 17:30h, uma entrevista com uma procuradora do trabalho lá de Brasília, que coordena um dos setores da Procuradoria-Geral do Trabalho, que trata do trabalho infantil, porque estou fazendo, junto com o Cid Martins, um dos colegas aqui da Rádio Gaúcha, uma matéria especial sobre trabalho infantil para discutirmos e apresentarmos no Dia da Criança. Aproveitando esse dia festivo também para tratar de um assunto que é importante ser abordado, apesar de difícil, que é o trabalho de crianças e adolescentes.

Então é assim, no jornalismo de rádio, diferente um pouco do jornalismo de revista, de TV, de jornal, que possui ainda, apesar de bem menos do que antes, jornalistas que trabalham praticamente só com notícias especiais. O rádio não. Eu não conheço no país, e olha que eu cubro bastante coisa em outros municípios e estados, alguém que se dedique só a matérias especiais em rádio. Então é assim que a gente faz: vai se dividindo, no dia a dia, gravando uma entrevista e outra, no outro dia você acerta com a sua chefia de reportagem para ficar de fora da pauta do factual para tocar as matérias especiais e eu, por hábito, costumo tocar mais de uma por dia. Agora estou fazendo essa do trabalho infantil, acabei a pouco uma que estava fazendo em simultâneo sobre previdência privada e outros seguros, que lida na área da economia, e a pouco terminei uma sobre a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), que vem se reerguendo, apesar das dificuldades, mas ainda sofre bastante com a falta de recursos; e também fechei duas especiais — tudo simultâneo — sobre cooperativas gaúchas que buscaram conhecimentos de novas tecnologias de inovação no Vale do Silício, nos Estados Unidos, e sobre o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), fiz uma matéria especial ouvindo estudantes, professores e o reitor, porque o Instituto foi destaque em um ranking mundial de universidades.

Você cobre alguns assuntos mais ‘densos’, tais como economia e política, que são temas que exigem uma boa preparação. Tu lê bastante, consome esses conteúdos?

Eduardo Matos: O que acontece é, nós, “generalistas” — eu gosto de usar esse termo, porque nós repórteres de geral falamos de tudo um pouco -, é verdade, talvez, que nós não tenhamos a mesma facilidade ou a velocidade de um setorista de economia. E não tem. Por exemplo, os setoristas de economia, se você der para eles um assunto da área, ele vai pegar e em meia ligação, ou em duas ligações, ele resolve a pauta que, no meu caso que sou repórter de geral, mas faço bastante matéria de economia, vou levar talvez duas horas.

O importante no jornalismo é isso: perguntar, não ficar com dúvidas. Não é vergonha perguntar. Aí, em uma pauta em que você está lá entre setoristas de economia, e mesmo que não atrapalhe os colegas que já estão lá, mas vai com a fonte, tira ela pro lado, tira todas as tuas dúvidas, que o importante é tu ter a informação correta. O importante é ter ela o mais apurada possível para ir pro ar. Quando você está ao vivo, você simplifica a informação.

Hoje, por exemplo, fui fazer uma matéria sobre a obra do [Hospital de] Clínicas como já havia dito. Eu não estava muito por dentro da obra, e pelo horário que cheguei na redação, li duas matérias anteriores só pra me inteirar mais ou menos, mas eu não sabia o que exatamente tinha melhorado no hospital e tal. O que eu fiz: abri o microfone ao vivo, entra com a informação que dois prédios foram entregues e já pedi para a presidente do Hospital — isso é uma estratégia que no rádio ao vivo dá pra fazer — explicar o que estava sendo feito. Terminou a entrada ao vivo, aí parei e peguei todos os detalhes. Na economia, a mesma coisa. Fiz um assunto ligado a economia agora, que foi a previdência privada. É uma notícia economia/política. Estamos em plena votação da reforma da previdência, inclusive hoje está sendo votada em primeiro turno no Senado Federal, e ao mesmo tempo eu sugeri essa pauta pra gente ampliar como estava a procura pela previdência privada, na medida que a aposentadoria pública vai ficar cada vez mais difícil, passando no Congresso, que é o que deve acontecer. Então eu me aprofundei na questão política — precisava saber como estava a tramitação no Congresso, na Câmara dos Deputados que já havia passado, no Senado como é que está — e ao mesmo tempo, ler e entender a previdência privada antes de começar a cobrir. Porque a previdência privada em si, eu não me lembro de ter feito matéria sobre isso. Então eu tive que primeiro entender a previdência privada. Ouvi nessa matéria especial, que foi feita com o colega Felipe Daroit, para quatro reportagens a gente ouviu umas vinte pessoas. É muita gente, para uma matéria de rádio.

A gente faz então uma matéria mais ampla, que vai para os programas da madrugada e para o site, em áudio, textos pro site e a gente faz uma coisa mais simplificada pro nosso factual do dia. Na economia eu costumo fazer isso, leio bastante sobre o assunto, quando é algo que eu não domino, aí sim me aprofundo com as fontes.

Agora com a redação da Gaúcha ZH integrada, as matérias cada vez mais transcendem um único meio, ou seja, quando uma matéria sai no rádio, posteriormente ela sai para o site e pode também figurar no impresso. Como tu avalia essa estratégia para a tua área?

Eduardo Matos: Eu vou ser sincero, eu não sei se é a melhor estratégia para a qualidade. Eu acho que não é. Qualidade jornalística, veja bem. Em termos de informação. É só a gente parar pra pensar: no momento que eu estou com o celular, entrando ao vivo, em outro celular fazendo uma live, ao mesmo tempo esse primeiro aparelho eu tenho que largar ele para pegar um outro pra entrar nas redes sociais, que eu estou pensando na foto, pensando na imagem, é claro que o conteúdo vai ser apresentado, mas não vai ter o aprofundamento que poderia ter, porque eu tenho que fazer um texto no formato rádio, ou seja, muitas vezes no improviso ao vivo, eu tenho que fazer um texto no formato rádio para entrar gravado em outros programas, eu tenho que editar sonoras, ou seja, as entrevistas, eu tenho que gravar tudo isso, eu tenho que fazer foto, vídeo, uma versão de texto para site, e muitas vezes o jornal quando precisa, o impresso, nos demanda algumas entrevistas que pro site e rádio nós não utilizaríamos. Ou seja, como a gente tem muitas funções, o conteúdo ele é apresentado mas não aprofundado como deveria.

Te respondendo objetivamente: é uma questão necessária, porque as redações estão sendo cada vez mais enxutas, cada vez mais as redações estão pegando profissionais com esse perfil, isso é fato. Se você não souber fazer rádio, jornal, internet e trabalhar bem as redes sociais, dificilmente você vai ter um grande destaque em uma redação. Pode entrar, sem nenhum problema, entrar e exercer as funções, mas talvez não pegue as melhores coberturas. Nas maiores coberturas vai quem está preparado para todos os veículos. Como é que eu vou mandar alguém pra cobertura, por exemplo, da prisão Lula, lá em Curitiba, se o que vai para lá não entra ao vivo no rádio? Como é que vai fazer? Aí tem que mandar dois, com gasto dobrado? A empresa está preparada pra isso? Muitas vezes não. Então essa questão fica para reflexão.

De todas as editorias pelas quais tu já passou, qual tu considera a mais desafiadora?

Eduardo Matos: No sentido de difícil, acredito que a economia. Na economia eu sempre tenho que trabalhar bem mais os assuntos, pra fechar uma matéria. Estudo bastante, quando tenho determinada pauta. Diferente, por exemplo, se você me falar sobre uma pauta jurídica, que já estou acostumado, flui bem porque já estou acostumado. Gosto muito dessa área de operações mais ligadas à Polícia Federal, Justiça Federal e Tribunais Superiores. Faço também do Tribunal de Justiça, Ministério Público Estadual, mas faço mais da área federal, que são crimes geralmente maiores, de colarinho branco. Sou praticamente, poderia dizer, um dos setoristas da Lava Jato aqui no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), mesmo não tendo essa nomenclatura aqui. Eu, basicamente, e o Fábio Schafner, que é o colega da Zero Hora. Assuntos relacionados ao Lula, vai um de nós dois ou os dois.

O que tem sido exigido, principalmente dos jovens repórteres que entram nas redações, se é o “saber um pouco de tudo”, ou ainda a especialização ainda possui espaço?

Eduardo Matos: Quem está entrando, dificilmente é muito bom em alguma coisa. Não que seja impossível, veja bem. Um estudante de uma universidade, por exemplo, pode ser que domine as redes sociais como poucos, assim. Tem um engajamento perfeito, beleza. Mas em termos de profissionais já no mercado, essa questão do profissional que faz uma coisa só, pelo menos na questão rádio, internet e jornal impresso, vai ficar mais complicado. Vão existir alguns, como temos aqui, tanto na rádio quanto no jornal. Você tem perfis assim: “Trouxemos um repórter que tem um texto de jornal fantástico, mas pra entrar no ar não dá, porque o cara não consegue fluir.” Nós temos um cara que no rádio é destruidor, tem um improviso bom, grava, posta bastante nas redes sociais, mas pro impresso, fazer um texto, é uma novela. Tem, mas cada vez menos. Ou seja, a dica que eu dou, se é uma dica que possa ser abordada é essa: o interessante é saber um pouquinho de tudo, e pra isso tem que praticar.

A respeito da tua série sobre a educação, percebe-se que é uma temática recorrente nas tuas reportagens. Sabemos que a educação não tem vivido o seu melhor momento no Brasil, então gostaria de saber as tuas impressões sobre essa situação e também qual o papel do jornalista frente a tudo isso.

Eduardo Matos: Duas respostas de imediato: primeiro, extremamente complicada a situação das universidades, e te digo isso porque converso com reitores pelo WhatsApp, com professores, e realmente esse corte de verba das universidades públicas tem prejudicado muito. A estadual aqui do Rio Grande do Sul, a Uergs, que não depende do governo federal, mas sim do estadual, também sofre porque o governo do Estado está em crise. Ambas estão em crise. E segundo, eu coloquei como meta, mas é uma questão muito pessoal, tentar buscar boas notícias. Poderia ter escolhido qualquer área, mas coloquei como área prioritária a educação. Eu acho que sem educação o país não vai avançar. É uma posição minha, eu poderia ter escolhido segurança, saúde, porque tem boas notícias em todas as áreas. Mas eu fiz questão de educação e ensino superior, que eu acho que temos cada vez mais valorizar.

Sempre temos metas objetivas na rádio, e para o meu primeiro semestre do ano o objetivo era, se não me engano, fazer duas reportagens especiais ou séries sobre educação no ensino superior. Até renderam três: Uergs e duas do Instituto Federal. Essa da Uergs foi inclusive premiada, recebemos o prêmio ABMES de Jornalismo na categoria regional. Recebi outros prêmios nacionais também na área de educação. Isso acaba te motivando também. Eu acho que a gente tem esse dever de buscar abordar esse assunto, por mais que, eu preciso reconhecer, não é o assunto preferido de muitos dos ouvintes. Se você olhar os acessos no site, a maioria é na área policial, esporte, declarações polêmicas e etc. Mas é nosso dever colocar isso [educação] na pauta. Você não é obrigado a escutar, mas você precisa escutar. É uma decisão sua, mas a rádio tem que ter, na minha avaliação. E acho que tenho sido bem recebido tanto na rádio quanto no jornal, tenho sido bem aberto pra fazer esse tipo de reportagem.

Vocês utilizaram, nessa série especial sobre a Uergs, a plataforma do SoundClound para postar o material na íntegra. As redações têm utilizado cada vez mais essa mídia, também com os podcasts. Como tu avalia essa nova ferramenta?

Eduardo Matos: Veio bem na hora. Seria muita pretensão da minha parte dizer que eu fui um dos pioneiros no Estado em relação a isso, mas o que eu sempre tentei fazer quando o site começou a ter bastante acesso e a gente começou a ter uma plataforma: no ar, como a nossa programação é bastante restrita, são espaços curtos, então eu não posso me estender muito no ar no dia a dia. Então a gente coloca versões maiores em programas que permitem, como na madrugada, mas eu não deixo de fazer uma versão estendida pro site. Tem repórteres que não fazem isso, que se limitam ao ar, fazem uma série de cinco reportagens de três minutos e tá bom. Eu acho que, se tu tens assunto pra fazer, não que seja obrigação, mas se render reportagens maiores, de 10, 15 ou até 20 minutos, se for um assunto muito importante de debate e vale colocar, tem que fazer. Você tem o material, trabalha pra isso, tem toda uma estrutura da empresa, porque não fazer? Se um estudante quer saber mais sobre a Uergs, se ele pegar a reportagem, vai ter uma noção melhor do que o cara que só ouviu na rádio de uma forma sintetizada.

Eu fiz um especial sobre o ex-presidente Lula, da condução coercitiva até os primeiros dias no cárcere, e a derrota do seu indicado para concorrer à presidência para o presidente Jair Bolsonaro. Fiz várias versões dela [a matéria], cinco capítulos para o site em versões de 10 a 15 minutos cada capítulo, mas fiz uma edição maior para quem realmente quiser ouvir de uma hora e meia. E é um material rico, porque eu acompanho esse caso desde o início. É desperdício não fazer, entende? Porque não fazer? Seria até preguiça da minha parte, eu considero. Eu valorizo muito isso. A Globo, por exemplo, pega uns assuntos pensados de determinados programas e já vende dizendo que o assunto está sendo ampliado em um podcast. É um chamariz, também é o que fazemos aqui. Entra com a reportagem, e diz “Quer ouvir uma versão ampliada, com mais detalhes? Vai lá em GaúchaZH.com”.

Tem alguma cobertura que, pessoalmente ou profissionalmente, tenha te marcado?

Eduardo Matos: Eu tenho algumas. Uma foi um acidente, em um carnaval, onde caiu um ônibus com gaúchos em uma ribanceira, matou 30 e poucas pessoas, no norte de Santa Catarina. Me ligaram, pediram que eu fosse para lá e eu fui. Cobri, via os corpos sendo retirados, e tal, mas estou calejado com isso. Aí, em um momento, entrei em um hospital onde os feridos estavam sendo levados, estava em um dos quartos, ao vivo com o [Antônio Carlos] Macedo em um dos programas e aí estava relatando: “Estou aqui em um quarto, com um menino, que está deitado e ferido…”, e o menino vira pra mim e pergunta assim: “Tio, onde é que está meu pai?”. E eu tive que segurar no ar, porque a gente tem isso de primeiro a profissão, depois o lado pessoal. Eu saí da sala, relatei isso no ar, devolvi pro Macedo e comecei a chorar. Não chorei ao vivo porque acho que atrapalharia a cobertura e tem que separar um pouquinho, mas isso me marca até hoje.

A outra foi o caso Bernardo [Boldrini], o menino que foi morto em Três Passos. Eu fui o primeiro a dar essa notícia, de um menino que foi encontrado morto em um município do noroeste do Estado, acompanhei desde o início e por incrível que pareça, apesar dos depoimentos incrivelmente fortes, cobri o caso até o julgamento lá em Três Passos, junto com outros colegas, mas fui na cidade várias vezes e tal. Eu consegui exclusiva com a mãe da Edelvânia, que é uma das rés, fui até o interior do município, falei também com a mãe do Leandro Boldrini, que ninguém conseguiu. Ela me recebeu na casa dela, em um domingo de Páscoa. O repórter tem que ser ousado, ele tem que tentar. O “não” tu já tens, tem que tentar senão você vai ser só mais um. Tem que tentar, ousar, arriscar, ir em busca do mais difícil, não do mais fácil. O fácil todo mundo vai ter. Mas voltando, por incrível que pareça a parte mais complicada foi redigir um texto em que ele [Bernardo] diz para o pai que queria um aquário, e o pai disse que daria na Páscoa. Eu encontrei a loja em Três Passos onde o menino tinha selecionado o aquário. Pra redigir o texto do aquário foi dolorido, porque eu lembrava do meu filho, que tinha a mesma idade.

Fiz também, e essa foi muito pesada, da tragédia com o avião da Chapecoense. Fui até Chapecó, mais de 50 corpos sendo velados na Arena Condá, e teve um adicional de dificuldade, porque no dia do velório a gente segurou uma programação durante a manhã e a tarde inteiras com chuva torrencial, então eu tinha que publicar nas redes sociais com um celular que ficava encharcado, eu tinha que falar ao vivo na rádio com microfone e depois gravar a matéria.

Bom, a do ex-presidente Lula foi uma das minhas principais coberturas, mas também fiz uma muito difícil que foi a cobertura da missão da ONU no Haiti. Lá eu presenciei a miséria elevada à milésima potência, as pessoas comendo biscoito de barro, areia, água, manteiga e sal porque não tinha o que comer. O que a gente acha que é miséria aqui, lá você multiplica por vinte, trinta. As pessoas andam nuas na rua, o esgoto correndo a céu aberto, muita gente tomando a água do esgoto. Fiz uma série especial na volta dessa viagem, não era uma obrigação minha, mas eu tinha tanto material que eu precisava fazer.

Outra que me marcou bastante, em termos de coberturas mais difíceis, foi a Copa do Mundo de 2014, no Brasil, em que eu fui à Natal e durante a cobertura, porque eu faço pouco jornalismo esportivo, quase nada na verdade, me convocaram pra ir até o Rio Grande do Norte, fiquei 15 dias acompanhando as seleções do Japão, da Grécia, Estados Unidos, México, e foi algo muito marcante, porque eu que não estou acostumado no dia a dia a lidar com tantas línguas e você tem que se virar. Você grava, pede pra um voluntário da Fifa te ajudar, um francês, um alemão, um grego. Tinha grego que não falava inglês. E aí? Tem que ter a informação. Está na zona mista, tem um cara falando grego, tu grava. Aí pede um voluntário, e ele ajudava e tudo mais. Eu convivi junto com a Copa, lá [em Natal] teve um deslizamento de terra, porque chovia muito no Rio Grande do Norte, então fiz essa cobertura em paralelo. Tem umas tantas outras que eu participei, mas essas são as que eu me lembro da cabeça.

Como tu usa o jornalismo guiado por dados nas tuas reportagens?

Eduardo Matos: Eu acho que o jornalismo de dados precisa sim ser estudado, precisa sim ser ampliado o conhecimento sobre ele, não acho que ele é um jornalismo que se torne… popular, não em um sentido pejorativo, mas no sentido que atraia as pessoas. Mas ao mesmo tempo, ele te traz informações muito interessantes e que a partir delas, você pode transformar em um assunto atrativo. Essa da previdência privada, eu trabalhei com jornalismo de dados através de tabelas, fiz crescimento e redução dos seguros, agora eu tô trabalhando com o jornalismo de dados, por exemplo, através do censo do INEP de educação superior, porque estou fazendo uma série especial sobre o ensino à distância. Preciso trabalhar dados do Rio Grande do Sul, dados do país, e isso rende muitas reportagens.

Eu acho que ele [o jornalismo de dados] é fundamental, mas aí não é o que mais gosto de fazer. Eu gosto de pegar algum dado, trabalhar e transformar em uma reportagem que não trabalhe só com dados, que humanize aqueles números. Eu gosto de contar histórias, seja ela triste ou feliz. “Ah, mas o Brasil tem 500 mil desempregados”. Tá, quem sabe então a gente vai na fila do Sine pra ouvir a “dona Maria” que tá há três anos lá buscando. Claro, o jornalismo de dados ele te dá esse subsídio pra ouvir a dona Maria, mas a partir dele você transforma em uma reportagem.

Bastidores

Desde o primeiro contato com Eduardo Matos, feito numa segunda-feira, o espírito do rádio e do imprevisível estava presente. A primeira resposta dele foi afirmativa, quando perguntei se ele estaria disposto a conceder a entrevista. Para marcar a data, o retorno foi “podemos fazer amanhã ou na quinta. Quarta impossível.”. Horário? Após as 19:00h, que é quando a redação estaria mais calma.

Na terça, confirmei com ele. Tudo certo. Pedi ao meu chefe para permanecer durante todo o dia no estágio, já que trabalho a uma quadra de distância da redação de Gaúcha ZH. As referências de Matos eram as melhores possíveis: segundo meu chefe, um dos melhores repórteres com quem havia trabalhado. Segundo meu irmão, que se formou junto com ele, um cara “muito querido e muito sério”. A expectativa crescia.

Lá pelas 17:00h, já com as perguntas preparadas e (quase) memorizadas, Eduardo me contacta, perguntando se haveria algum problema caso a entrevista acontecesse somente após as 20:00h, pois ele havia sido escalado de última hora para apresentar um programa transmitido no aplicativo de Gaúcha ZH, das 19:00h até às 20:00h. E não havia, para mim, nenhum problema. Mas rebati com outro pedido: se poderia esperar na redação, já que nesse horário o prédio onde trabalho já estaria fechado. Matos prontamente disse que é claro que eu podia.

Cheguei na redação às 18:40h. Eduardo desceu para me receber, e rapidamente me apresentou a redação e à Cris, sua produtora. A primeira coisa que notei foi que o cabelo azul dela era muito bonito. Esperei que ele apresentasse seu programa, enquanto vários jornalistas conhecidos passavam casualmente pela minha frente. A sensação de estar na redação é muito empolgante, e o frio na barriga não me deixava entediada nem por um segundo. Finalmente, ele terminou seu compromisso e fomos até uma sala mais reservada para a entrevista.

Muito educado, Eduardo respondeu todos os meus questionamentos (e até além), e me deixou muito a vontade. Apesar de já serem 21:00h, eu não sentia vontade de encerrar a conversa. O tipo de editorias que Matos cobre me interessam muito. Tudo que eu conseguia pensar era “Nossa, eu queria fazer exatamente ISSO no rádio.”

Ao fim do mais de uma hora de conversa e quase 40 minutos de áudio gravado, Eduardo me conduziu até a saída. Detalhe: esqueci meu crachá de visitante no sofá onde esperava por ele. Por sorte, uma das moças da limpeza o deixou na recepção.

Saí de lá com a vontade de querer voltar, e com a certeza dos assuntos que pretendo cobrir: política e segurança pública (principalmente envolvendo operações em âmbito federal).

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