O Jornalismo na Economia e na Política: Uma visão pelos olhos de Sandra Bitencourt

Rafael Brito
Dinheiro e Poder
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29 min readOct 11, 2019
Foto: Andrea Alves/Sefaz

Jornalista, Professora Universitária e Assessora de Imprensa, Sandra Bitencourt nos apresenta um ponto de vista de quem se aventura nas três esferas

Rafael Brito de Sena

Com 25 anos de atividades profissionais, Sandra Bitencourt tem um currículo extenso e premiado. Trabalhou em veículos como TV Bandeirantes, RBS TV, Correio do Povo, TV Record além de assessorias em diversos órgãos como Departamento Municipal de Águas e Esgotos de Porto Alegre (DMAE), Fundação para o desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH) e Fundação de Economia e Estatística (FEE). Também deu aulas na Universidade Feevale, Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Centro Universitário Metodista, IPA, onde está atualmente.

Em uma conversa longa e construtiva sobre o papel do jornalista nos dias atuais, Sandra apresenta uma análise do que é ser jornalista nos dias de hoje, seu papel como mediador da informação, as dificuldades em áreas técnicas e sua experiência como jornalista e professora.

Como vê a cobertura econômica na mídia em relação as outras áreas, ela menor, com menos profissionais capacitados? A economia é vista como bicho de sete cabeças, pode ser uma porta de entrada para o mercado de trabalho?

O jornalismo econômico cresce e ganha espaço com a democratização e com os planos de estabilidade econômica. Então a economia passa a ser uma pauta importante, presente na vida das pessoas. Só que é uma área sempre vai estar entre dominar uma linguagem ou mesmo os números e transformar aqueles números indicadores em notícias, uma linguagem que tanto pode ser dirigida a um público mais especializado, que espera por um texto mais denso, algo que ele compreende quanto pode ser dirigido para um público de uma maneira geral. Esse exercício é bem difícil. Se você vai trabalhar em um jornal mais especializado, tem que ter um tipo de domínio, um tipo de linguagem. Se vai trabalhar em um jornal ou em uma coluna mais dirigida ao público em geral, tem que encontrar um equilíbrio, uma tradução sem prejuízo ao entendimento, pois existem coisas que não são simplificáveis.

Essa tentativa de traduzir o jornalismo econômico acaba simplificando ou trazendo um engano. Todas as finanças públicas, de uma maneira geral, necessariamente usam da dívida, se endividam para fazer frente aos seus compromissos. Às vezes é mais barato “comprar” uma dívida para fazer frente aos compromissos sociais que tem. Ao contrário do que muita gente pensa que o jornalismo econômico é puramente técnico, também não é verdade. Não existe técnica sem intencionalidade. Ou seja, sempre vai ter uma guia política, ideológica por trás de determinada concepção econômica. Se você é ortodoxo, liberal, enfim. “É preciso conter o déficit”, isso é uma visão de mundo. “É preciso investir em programas sociais” essa é outra visão de mundo e ela é guiada por isso, por ser uma visão. Então, o jornalista tem que estar preparado para isso. Quantas vezes vemos a notícia “o mercado não reagiu bem”, o que é o mercado? É o mercado onde circulam todas as relações de troca, certo? Eu vendo algo, tu compras algo, eu trabalho para ti e tu me paga. É desse mercado que estão falando? Eu, tu, o empresário, o administrador? Não é desse mercado que estão falando. O mercado com temperamento é o setor financeiro rentista, que tem um interesse específico, são os bancos, os grandes empresários. Se uso um termo “o mercado”, mas o mercado com temperamento, o que reage, desconfia, que confia, é um segmento específico.

Agora, o mercado como conceito econômico é outra coisa. Dominar tudo isso não é fácil, mas é um nicho interessante? Sim, ao mesmo tempo que você pode tanto atuar para empresas, pois repito, não se imagina qualquer organização, empresa, instituição que não tenha o seu plano de comunicação, hoje cada vez mais tudo se dá no campo simbólico, de discurso e contra discurso. Tem que estar presente, atento, produzir seus conteúdos. Cada vez mais as redações sendo enxugadas, mas se tu tiveres um bom release, tua chance de conseguir emplacar uma mídia é grande. Mas ele tem uma série de complexidades. Tem a linguagem técnica, especializada versus simplificação; de entender que jornalismo econômico nunca vai estar descolado da política e dos vários interesses dos diferentes grupos; saber quem é que remunera dentro do jornalismo econômico, quem é o patrocinador. É difícil que tenha uma visão de economia mais o progressista, mais popular e que tu consigas expressar hoje isso dentro dos moldes que temos, pois quem patrocina é mercado com temperamento. É um campo bem difícil, talvez até mais difícil do que o campo político, pois os políticos têm toda uma dinâmica de interesse mais imediato. No campo econômico é mais complicado para atuação. Tu não podes desagradar demais quem paga a conta.

Existe uma luz para a quitação ou a tendência é no pagamento ao longo prazo da dívida pública do Estado? Como vê o governo está trabalhando para isso?

Não há dúvida de que esse é o problema estrutural que se agravou por negociações que o governo responsável, no caso Antônio Britto (1995–1998), que mais tarde se revelou muito prejudicial, e que os governos seguintes não conseguiram uma solução estrutural para ela, pois é um problema estrutural. O Rio Grande do Sul lá atrás fez uma escolha de ter uma educação universal, que todos pudessem entrar na escola e fez uma escolha de qualidade em serviços públicos, como a segurança que já teve um contingente muito maior. O que isso pressiona? Por que nós temos uma dívida muito maior que o estado de Pernambuco? Por que somos gastadores? Não, porque na verdade agora tivemos uma escolha lá no passado. Por exemplo, um contingente enorme de pessoas que estão aposentadas, temos um contingente grande de servidores públicos, principalmente na área da educação e da segurança que pressiona toda a Previdência do Estado, somado com uma negociação que foi ruim, somado ao fato de que existem contas que talvez precisasse de fato uma auditoria pública, um tipo de indexador que já pagamos duas vezes a conta, e ela multiplicou por três ao invés de diminuir. Que dívida é essa?

Por outro lado, tem toda uma questão de reduzir o serviço público, não investir em áreas sociais, uma concepção de que o servidor público é o culpado porque ganha demais ou porque tem gente demais. Isso não é verdade, não tem gente demais no serviço público. Temos vários rankings que podem comprovar isso. Tem desequilíbrios sobre salários dentro do setor público? Isso tem e é inegável. Mas não foi isso que gerou o problema. O que se tem hoje de uma maneira muito imediata e eu acompanhando em função do meu trabalho aqui na Fazenda é que, se não houver uma rediscussão do pacto federativo, porque essa é uma dívida com a União, só aumenta a dificuldade de fazer uma negociação para que, se o Rio Grande do Sul tiver alguma benesse, os outros estados vão querer isso, o que causaria um desequilíbrio grande. A necessidade estrutural é de fazer um novo pacto federativo, mas agora em que bases seria feito? Por enquanto, o que existe é que vem aumentando a dívida porque não vem pagando nos últimos tempos porque não suporta pagar. Tanto é verdade que os salários estão atrasados. O que se tem no horizonte é uma medida emergencial desse regime de recuperação fiscal. Eu não tenho informação suficiente para julgar se isso é bom ou é ruim. Talvez mais a diante.

Assim como a gente olha para trás e pensa “será que aquela era a negociação possível?” “Que negociação foi essa, horrível”. Considerando o contexto imediato, era a única solução possível? Eu não sei, mas todas as tentativas foram infrutíferas. Temos que discutir Lei Kandir, se seria suficiente ou não. Eu defendo, como cidadania não como funcionária, uma auditoria social dessa dívida. Quanto, afinal de contas a gente deve? É isso que tenho que pagar? Por que sacrificar os servidores públicos, programas sociais para quem mais precisa, para pagar juros de uma dívida? É para isso que o Estado está posto? Adianta privatizar tudo, vender tudo? Vai resolver? Tem uma série de questões complexas que a sociedade deveria se apropriar e fazer uma discussão. Temos as condições políticas para isso? Não acredito. Acho que agora está em domínio uma visão de que o Estado é um mal, incompetente, o problema são os servidores públicos, tirar a estabilidade, tirar todo e qualquer benefício, tem que vender tudo… E eu não compartilho nem de longe dessa visão. O Estado tem que ser um indutor do desenvolvimento e o mediador das desigualdades sociais. Enquanto a gente viver num país com desigualdades tão profundas, não é possível que o Estado tenha só esse papel, que agora parece que se propaga com facilidade. Mas a dívida pública do Estado é um assunto muito grave que nos paralisa, que nos dificulta e eu não vejo condições políticas para resolver isso de maneira estrutural que seria importante e necessária.

Um dos motivos na dificuldade da negociação seria os mandatários nos governos anteriores estarem de lados diferentes da política?

Acho que nada é tão simples nem tão imediato. Tivemos governos Petistas, o “alinhamento das estrelas” e essa questão estrutural não foi resolvida. E não é só vontade política, são condições com espectros muito poderosos. Estamos falando do poderoso capital rentista que nunca quer perder. E com toda sorte de interesse dos outros estados, como isso ameaça ou não o equilíbrio das contas. Eu vejo que isso é menos uma condição de serem do mesmo espectro político do que um amadurecimento e uma força da sociedade. Primeiro, para se apropriar, entender o que realmente acontece. E nisso tem um papel muito ruim da imprensa, que muitas vezes não esclarece. Porque ela tem essa visão de uma redução do Estado e ela só vai mostrar esse ponto de vista. Tem um conjunto de segmentos da sociedade que diz que não é só isso, poderia ser pelo outro lado. Nós vemos que os colunistas compram esse discurso do déficit que precisa enxugar, tem que vender, que privatizar, que reduzir, tem que pagar essa conta. E que se ralem quem depende do Estado? Eu vejo as condições muito ruins pra fazer essa discussão. Tinha que estar fortalecido um debate público melhor informado, mais amplo, e uma discussão dentro do congresso, de um novo pacto federativo que efetivamente as forças desse congresso representassem a sociedade, a sua diversidade.

Há toda uma discussão da teoria democrática, do quanto a nossa democracia, o modelo representativo é falho. Mas a gente vai ver que não expressa a nossa sociedade, no número de mulheres que estão lá, no número de trabalhadores, no número de negros. Não dão a dimensão da nossa sociedade. Hoje temos a bancada da bala, bancada do boi, a bancada da bíblia, e isso é um segmento da sociedade. Bom, conseguimos com essa representação pensar num pacto responsável, que busque a diminuição das desigualdades, que reconheça o Estado como fator importante, principalmente de um país em desenvolvimento, que peite os grandes capitais rentistas, eu acho muito difícil. É um momento ruim, eu não vejo muita saída além dessas medidas mais paliativas. Só estamos tentando não falir, mas não está resolvendo.

A ideia do Governo Federal é realizar diversas privatizações. Essa é uma saída? Tirar das mãos dele e vender para a iniciativa privada?

Sou totalmente contrária. Tem área que, de fato, o Estado não necessariamente precisa atuar, mas se tu tens uma capacidade instalada, não é uma coisa a priori, “Sou contra ou sou a favor”. Tem que olhar. Eu tenho uma capacidade instalada, eu estando nessa área tenho poder regulador, eu preciso de uma autonomia, de uma independência nessa área. Isso tem que estar nas mãos do Estado. Privatizar por que? Com que vantagens? Vou vender esse patrimônio por quanto? Eu vou fiscalizar a iniciativa privada como? Tem um conjunto imenso de fatores que sim, algumas áreas podem ter parcerias público-privadas, mas não me parece que tem que ser um mantra “privatiza que resolve”. Porque não resolve. Nós já vemos que, inclusive em países da Europa tem a reestatização de coisas que não deram certo. Por exemplo, privatizar áreas estratégicas me parece um absurdo. Eu acho que tem que ficar no Estado a energia, a garantia da água e do saneamento para todos, porque a água é um bem imprescindível a vida. Eu vou privatizar? Porque tudo é mercado, quem tem dinheiro tem água no deserto.

Aqui no Rio Grande do Sul me parece um crime que nós vamos privatizar a fiscalização da sanidade animal? Tem áreas que são técnicas que precisam de autonomia, de independência, de proteção do Estado pra exercer bem o seu trabalho. Essas áreas não dão para privatizar. Vamos pegar como exemplo e FEE (Fundação de Economia e Estatística), eu posso chamar uma empresa privada pra produzir estatísticas públicas confiáveis? Ela é uma parte interessada. Eu não posso fazer isso. Eu não acredito nesse mantra. Aliás, se a gente olhar é um desastre completo, onde políticas nesse nível e dessa ordem foram implementadas. Eu preciso privatizar a saúde, em que condições? “Ah, o SUS é péssimo”, está bem, mas ele é universal. Se uma pessoa quebrou o pé e entra em uma emergência do SUS, será atendida. Se eu não tiver dinheiro mais adiante, se não se tiver um seguro, um vínculo de emprego? Mas essa é a minha concepção de desenvolvimento, de mundo, de justiça social, igualdade, de papel do estado. Eu não acredito nessa que está em voga. Esse neoliberalismo feroz.

Quando o então Governador José Ivo Sartori extinguiu a FEE, governo utilizou a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) para colher os dados do Estado. Isso seria um meio de economizar recursos, os dados estavam incompletos, dado o rompimento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Como vê essa questão de fechar a FEE como a questão do retrabalho com a pesquisa do PIB.

Eu vou dizer uma frase bem dura, eu acho que foi criminosa e irresponsável a iniciativa tomada em atacar Fundações de Cultura, Ciência e Tecnologia com argumentos pífios, sem estudos prévios, que redundou por exemplo nessa situação. “Vamos fechar a FEE”! Tem uma capacidade instalada, com pesquisadores do mais alto nível, referências líderes nas suas áreas de atuação, com produção de informação estatística pública que custa caro sim, mas é imprescindível para o planejamento e para distribuição gratuita para que toda a sociedade se beneficie. É um bem difuso para toda a sociedade. Então, primeiro tem o argumento da economia, que depois redundou falso, ou da modernização. Na verdade, nós retrocedemos aos anos 1950. E então se tentou buscar a iniciativa privada para fazer isso. Por que a FIPE não pode fazer isso? Ela foi contratada para entregar algo que jamais poderia entregar. Sendo uma fundação privada, ela é parte interessada. Ela não pode ter acesso a informações que são sigilosas, que precisam de fé público. Se ela não pode acessar, porque ela vai ter vantagens sobre todas as outras, a produção do PIB se exige que se acessem dados de todas as empresas, de tudo que é produzido. Portanto, foi contratado algo que não poderia ser entregue. Isso acabou sucessivamente gerando ações na justiça que ainda está sendo discutido e agora foi retomado por um departamento, mas houve uma interrupção. Nós ficamos num voo cego por um bom tempo no Rio Grande do Sul. Esse é apenas um exemplo.

No momento de maior catástrofe no mercado de trabalho, se extingue a pesquisa mais longeva, mais antiga de emprego e desemprego que havia no país, que era nossa PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego), durante 25 anos. E o que se interrompo em pesquisa, é irrecuperável. Em nome de que? “De economia”. Mas não foi gerado economia, tínhamos vínculo, os servidores permanecem, foram distribuídos aleatoriamente em diversos órgãos com claro desvio de função muitos deles. “Modernização”. Do quê? Eu não consigo mais medir? Antes eu conseguia medir a trajetória, as séries de negros, mulheres, idosos, jovens porque era uma pesquisa com significância, com mais de 2.000 entrevistados. Hoje o que a gente olha são os cadastros, quem foi demitido que foi admitido, que é o CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). Mas essa pesquisa com alto grau de relevância, com possibilidades de medir diferentes aspectos, essa se extinguiu e isso é uma perda muito forte, muito significativa. Houve ganho? O que a sociedade ganhou? Não ganhou nada. Houve economia? Nada. Zero, até porque eram recursos federais que vinham, assim como outros órgãos como a FEPAGRO (Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária), a CIENTEC (Fundação de Ciência e Tecnologia) que conseguiu recurso de editais de fora do estado. Esse é um claro exemplo do erro, da irresponsabilidade que foi esse desmonte, esse desmanche. Tem reformas que podem ser positivas, quando a gente pensa na casa da gente como exemplo doméstico como os jornalistas econômicos gostam. Na casa da gente se pensa em reformar, não é demolir necessariamente, é construir algo melhor, mais amplo. A reforma aqui está muitas vezes associada a demolição, ao desmanche. Vai colocar o que no lugar? Essa é a questão.

Foto: Andrea Alves

Qual sua visão sobre a Reforma?

Se criou um consenso, a princípio aparente e no meu ponto de vista artificial, de que era necessária essa reforma ou o país iria afundar no mais terrível caos. Esse é um consenso que não é verdadeiro porque tem expressões de vários segmentos significativos da sociedade, segmentos técnicos, profissionais, sindicais que não concordam com essa visão que apresenta outros números outra avaliação, e outra proposta de mudança inclusive, mas de uma maneira geral a cobertura midiática apresenta os propósitos e a visão e o enquadramento de um segmento que tem que a parte interessada. Como se não fosse para a parte interessada, como se fosse para o bem do Brasil ou para o interesse público. Aí está toda a chave, toda a complexidade de se fazer uma análise até que ponto esse jornalismo é isento ou não. Eu acho que aqui no Brasil a mídia não está acostumada a criticar a mídia. É um horror quando isso acontece. Acho até que nem temos profissionais que exerçam de uma maneira mais ordinária, de fazer mais vezes essa crítica. O que é muito comum na Europa e nos Estados Unidos. Então, tem uma naturalização, agora mesmo com este governo que nós temos, que é um governo do meu ponto de vista que não está enquadrado dentro de um marco democrático, porque a sua autoridade maior agride minorias, agride a democracia ao defender que os inimigos sejam ou expulsos ou aniquilados, que os homossexuais se curem, que as mulheres têm um papel social determinado, que os negros e os índios não prestam nem para procriar, enfim, são coisas absurdas que a maior autoridade vem repetindo dos anos. Num país se maltrata crianças, a cada 15 minutos uma criança é estuprada e que tem uma vedação para dar educação sexual para essas crianças, como se educação sexual fosse estimular o sexo. Ou seja, é uma confusão. Ou que no país recordista em assassinatos de homossexuais e transexuais e não permitir que se fale de gênero, tentar vedar isso.

Isso para mim está fora dos Marcos Democráticos. Essa incitação ao ódio tem nome, a perseguição, isso é racismo, é homofobia, é misoginia e a impressa não nomeia. A imprensa faz uma ginástica retórica e chama de “controverso”, “polêmico” e põe dentro do Marco de naturalidade e democrático. Quando não está dentro do Marco Democrático e tem que ter todos os gradientes de forças políticas aí. Acho que os liberais são altamente respeitáveis, que a direita é respeitável, tem sua visão de mundo, de desenvolvimento, de crescimento. Mas, fora do quadro democrático para mim não aceitável, e me parece que o jornalismo precisaria dar combate é isso. Bom, quais são os interesses que movem essa cobertura, esses arranjos, esses acordos? Isso são outros quinhentos. Ou seja, se fizer a reforma, toleramos todas essas barbaridades ditas? Não é aceitável não se tratar com a verdade que a maior autoridade autoriza a violência ou minta, isso não é razoável, isso cabe ao jornalismo denunciar. Mas não necessariamente é feito. Um dia eu estava vendo um texto de um discurso que o Trump fez reclamando do racismo quando, na verdade, claramente ele apoiou atos racistas e se vincula a grupos de supremacia branca. E o jornal fez uma manchete reproduzindo apenas o discurso dele dizendo “Trump exige o combate ao racismo”, algo assim, e foi o furacão lá de críticas. Então eles vieram a público se justificar que, pelo tamanho do texto e pelo pouco tempo, não foi uma manchete bem pensada. Não pode ser um jornalismo só declaratório, o jornalismo tem que questionar. Eu acho que a gente aqui é muito providenciando, inclusive eu chegaria a dizer que nós abdicamos de exercer jornalismo nos últimos tempos, um jornalismo como fiscalizador do poder, como expressão da sociedade, da sua pluralidade toda, nos diferentes interesses. Existem vários interesses na sociedade e o jornalismo tem que estar ciente disso. Isso não é ilegítimo, podem haver interesses legítimos, todos bons em disputa. O que o jornalismo faz, ou deveria fazer, é dar visibilidade para tudo isso que está em jogo. Mas com os jogadores tendo o mesmo direito de fala e de expressão. Não é o que acontece, há muito desequilíbrio, muita cobertura enviesada, muita posição de empresas jornalísticas defendendo o ponto de vista das empresas dentro de um sistema capitalista cada vez mais voraz para defender e proteger seu capital.

Esse posicionamento, ou falta dele, da mídia se dá por receio de perder dinheiro público? A verba publicitária e governamental faz com que empresas jornalísticas evitem se posicionar ou questionar mais duramente?

Eu acho que tem uma complexidade muito grande em tudo isso, nada não é muito simples. Precisamos ter essa perspectiva e nem deveremos ter a opção de tentar simplificar. Primeiro, se formos pensar como diria Luis Felipe Miguel, um autor importante, as empresas de jornalismo ou de comunicação, especialmente aqui no Brasil, são muito vinculadas a área privada, grupos políticos, famílias tradicionais ou seja, essas empresas se alinham a um tipo de concepção de mundo e de interesses próprios, empresas que disputam o mercado e as verbas do governo de toda ordem. Não são só as empresas jornalísticas que precisam do dinheiro público. Muitas empresas que fazem todo um discurso liberal contra o Estado usam o dinheiro do Estado. Só que, diferente dessas outras empresas, o que as empresas jornalísticas vendem? Elas vendem informação. E essa informação deve atender ao interesse público, é difícil delinear o que é interesse público. Mas é o que tem que mover o jornalismo. Qual o critério para determinada notícia? Talvez os dois critérios principais: que seja verdade e que seja interesse público. Então, com isso que ela vende, e isso não é uma mercadoria como outras porque isso vai ter um tipo de uso, um tipo de percepção, um tipo de consumo muito diferente. Porque, para começo de conversa as pessoas precisam acreditar naquela notícia, precisam acreditar na seriedade do veículo, precisam autorizar essa empresa, esse jornalista amarrar o mundo para ela já que ela não está lá para ver tudo que acontece no mundo. O jornalismo tem esse tipo de contrato, de autorização social pra contar o que acontece no mundo. Como ele vai contar isso, com que enquadramentos, que recortes, que fontes, que pessoas, é o que vai determinar com que técnica de checagem para assegurar que aquilo é verdade, que ele conseguiu mostrar todos os ângulos possíveis daquele acontecimento. É isso que vai gerar uma maior ou uma menor credibilidade.

Ao mesmo tempo, tem a complexidade para que elas produzem algo que é socialmente relevante, importante e autorizado pela sociedade. E elas precisam ter credibilidade. O jornalismo depende disso, porque se ninguém acredita, ele vai vender o que pra quem? Ele perde o poder de influência dele. Quando a gente olha e tenta entender “por que que a Globo está fazendo isso agora?” Tem a questão da verba pública? Claro que tem, pois são caras as operações no jornalismo, sustentar uma operação jornalística é muito difícil. Dependem da verba, mas não é só isso. Tem vários outros interesse e acordo e tem essas duas premissas: eu tenho que fazer jornalismo de vez em quando, mas tem que ser crível. Como eu não acredito que existe uma mídia, “A Mídia”, são vários veículos e aí entram outros vários fatores, uma concorrência entre eles. “Por que que esse veículo dá e os outros foram e correram atrás? Por que são contra Bolsonaro?” “Porque jornalisticamente é muito interessante, está vendendo, ele deu um furo e eu quero dar também”. Nem tudo é montado. Ou seja, tem a própria dinâmica do jornalismo que concorre, que compete pelo furo, que também entra nisso tudo. E tem os interesses mais imediatos, das verbas, dos outros negócios agregados. Não atuam só a área do jornalismo, elas têm vários outros negócios que mantém interesse. Muitos estão vinculadas a forças políticas, principalmente as mídias mais regionais.

Existe uma série de negociações que vão gerando um conjunto de paradoxos que não entendemos. “Por que a Globo bate e assopra?” Essa concorrência, esse fortalecimento da Record e do SBT em detrimento da Globo. Mas ao mesmo tempo, a Globo faz um tipo de cobertura, como sobre a “Vaza Jato”, que foi vergonhosa do ponto de vista de qualquer investigação jornalística. Como diz o professor Wilson Gomes existe o jornalismo investigativo e a Globo inventou o “jornalismo abafativo”. Fez de tudo para esconder o conteúdo que aquela investigação estava revelando e centrou todo seu foco só no modo como as informações foram conseguidas. Imagina se no escândalo “Watergate” a manchete seria “descobrimos como foi arrombada a fechadura”. Não era isso que estava em questão. Até porque nesse ela não hesitou divulgar em horário nobre no seu Jornal Nacional escutas telefônicas sabidamente ilegais. Importa muito o conteúdo da informação, o que ele revele, como ele deve ser investigado e não houve nunca o desmentindo de que as informações do The Intercept não eram reais. A Globo tem esse interesse, a Band entrou, a Folha… O tempo todos esses meios de referência da mídia mainstream ficam se movimentando movidos por um conjunto enorme de interesses que desconhecemos. Como essas negociações se dão, só podemos imaginar.

A forma mais simples é de que eles não querem perder verba. Às vezes é melhor perder verba e ganhar notoriedade. Isso te dar mais poder de barganha depois. Normalmente nós, pobres leitores, não sabemos de tudo, só enxergamos a pontinha do iceberg que é manchete escolhida por aquele jornal. Tudo que está em embaixo a gente não enxerga. Aliás, o processo jornalístico é pouco transparente. Nós leitores nunca vamos ficar sabendo porque se decidiu aquela manchete, como é que o repertório daquele telejornal. Por que essas notícias e não outras? Quem decide que é essa sonora e não outra sonora? Com quais critérios isso é feito? É um processo nada transparente que sempre será justificado “era de interesse público, são os critérios de noticiabilidade”. Mesmo assim é um processo muito opaco, pouco transparente.

Em 2009, o Presidente Lula sancionou a Lei da Transparência, onde qualquer pessoa tem acesso as contas públicas do seu município, estado e do país. Esse meio de fiscalização ainda é pouco utilizado pela população e pelos meios de comunicação?

O poder é opaco. O poder cultua o segredo. Nunca a transparência. Não é próprio do poder se mostrar, dizer como as coisas funcionam. É uma conquista social a Lei de Transparência, a Lei de Acesso à Informação? Sim, tanto que sempre há um embate quais informações podem ou não podem, quem determina o sigilo. Esse foi um embate no Congresso. A quem interessa esconder determinadas coisas. Para o jornalismo, foi um grande avanço, um instrumento para o Jornalismo Investigativo, Jornalismo de Dados, então foi ganho na sociedade que eu acho difícil reverter. Tanto que houveram protestos generalizados. No Rio Grande do Sul nós vimos que na área de segurança pública foi aplicado sigilo, por exemplo aos dados referentes ao número de presos por presídio. Segundo o governo, não é necessário que a sociedade saiba quantos presos tem, porque é uma questão de segurança. Eu acho que é necessário. Esse é um embate permanente, o poder sempre vai tentar se ocultar, a sociedade exige transparência no sentido de prestação de contas, de acompanhar o que o poder está fazendo, onde está gastando dinheiro, porque tomou determinadas medidas, o que está comprando, o que está contratando.

Mas isso é uma coisa que deve pertencer à sociedade e cabe a sociedade defender. Tu não estabeleces a democracia e ela fica lá funcionando. Democracia é uma tarefa de todo dia. Todo dia tem retrocesso, tem avanço e cabe a sociedade estar vigilante em relação a isso. É como a liberdade de expressão, ela não pertence aos veículos, que normalmente a utilizam ao seu bel-prazer. Invocam a liberdade de expressão quando se sentem prejudicados. Mas a liberdade de expressão é um valor da sociedade, que os veículos nem sempre respeito porque eles não ouvem todo mundo. Tem que dar conta que eles têm que ser negociados permanentemente, lembrados, disputados. O valor da transparência um deles, pertence a sociedade. Democracia é tarefa, se a gente deixar para lá e não fizer nada, a tendência é que ela reflua. São como os direitos, é uma disputa permanente, principalmente os direitos fundamentais. Se nos descuidarmos, nós retroagimos. Em relação as mulheres, tem todo tipo de proposta esdrúxula, ao ponto de que a mulher deve levar adiante uma gestação fruto de um estupro, ou que não caberia a mulher decidir o número de filhos, isso seria uma decisão do Estado conforme a sua estratégia referente a demografia. Temos que estar alerta permanentemente.

O jornalismo guiado por dados é um meio recente de encontrar matérias que antes não eram realizadas. Qual a importância da utilização pesquisa para o jornalismo?

O jornalismo de dados ele é “primo” do jornalismo investigativo. Eu entendo que o Jornalismo Guiado por Dados é aquele que, basicamente, a fonte principal são os dados, ou seja, requer uma habilidade específica, inclusive de programação, de minerar dados de determinadas tabelas, de bancos sobretudo públicos que se transformam em informação. Eu acho que os jornalistas ainda não têm a devida formação para isso, é difícil, está começando a mudar acho. Temos grande matérias que derivam dos dados. Mas eu diria que os dados são uma das fontes.

São fontes importantes, que ajudam a produzir uma transparência, uma forma de acessar uma informação, mas eu acho que, quando combinados com outras fontes, é de uma riqueza enorme. Temos uma série de bancos públicos que podemos acessar e que podem gerar inúmeras matérias bem interessantes. Mas continua sendo jornalismo, saber fazer as perguntas certas, entender onde está a notícia, ouvir o maior número possível de pessoas e trazer aqueles dados para bater com isso. Eu posso fazer uma matéria maravilhosa sobre dados de desmatamento, então vou no INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), pegar vários levantamentos. Agora, eu não posso ignorar que temos um presidente que diz que “é mentira, não acredito nesses dados, que na verdade se eu pegar um avião e viajar de onde pra onde eu consigo mostrar que é só olhar pra baixo pra ver que não está queimado.” Então a minha matéria tem que ter isso também, tem que o índio que está lá embaixo, ter o seringueiro que está lá embaixo. Essa é a minha visão, o jornalismo guiado por dados é guiar determinadas pautas que são irrefutáveis, algumas fontes, alguns dados, algumas informações para trazer isso para vida, confrontar com os responsáveis, com as autoridades, com quem vivencia isso. Jornalismo precisa de vida, são as pessoas, a vida acontecendo.

Nos último cinco anos, as redes sociais tiveram um crescimento muito grande que país. Qual a dimensão da comunicação utilizando as redes? Ela é uma ferramenta direta dos veículos com o público. Como vê a importância dela não só na política como socialmente?

Eu diria que as redes sociais são a grande encruzilhada do jornalismo que está em transformação, porque antes tínhamos um modelo consolidado de comunicação de massa. Um emitindo para vários. Com as redes sociais, temos de um para um, ou de vários para vários, ou deu m para vários, ou de vários para um. Ou seja, nós mudamos a dinâmica e o fluxo das informações, e é um fluxo contínuo que temos nas redes sociais. Do ponto de vista da democracia, podemos dizer a priori que é algo positivo. Antes vozes que não tinham possibilidade de se expressar, mesmo as vozes mais periféricas encontram canais. Nunca a humanidade teve tanto poder de fala. A princípio, do ponto de vista da democracia de que todos possam se expressar, isso seria positivo. Mas não necessariamente, porque todos podem expressar sua contrariedade a democracia, os discursos de ódio, perseguição a minorias e esse ambiente tóxico da mentira, como se não fosse mais necessário comprovar a verdade.

Ou seja, eu apresento algo que sei que vai estar em acordo com aspirações das pessoas, não importa se é verdade ou não. “Não importa se a Terra é redonda, eu acho que é plana e acabou”. Inclusive isso permite o questionamento da ciência e isso não se esperava. Eu fiz uma entrevista com Manuel Castells, provavelmente o grande teórico das redes sociais, e ele dizia que por essa ele não esperava, porque quando se tem tantas pessoas emitindo opinião ao mesmo tempo, tudo pode porque eu vou lá eu vou escolher opinião que está em acordo com o eu quero pensar, com o que eu quero transitar. A Internet promoveu mais democracia? Provavelmente não. Mas ela é uma realidade, ela existe, as pessoas se apropriaram dela e ela mudou sociabilidade, o modo como a gente se relaciona com as pessoas, com o mundo, com a política, com o poder. Isso está em transformação. O jornalismo não estava acostumado com essa concorrência, com essa multiplicidade. Mudou inclusive o formato de negócio, pois hoje tem muitos mais veículos, influenciadores, possibilidades e os recursos de publicidade continuam sendo os mesmos, eles não mudaram. Vão ser mais distribuídos, aparentemente. Os formatos de velocidade que se espera do jornalismo também não são compatíveis. O jornalismo tem muito mais trabalho porque ele também precisa checar uma série de boatos além dos acontecimentos diários. De fato, o que vai acontecer não se sabe muito bem, o jornalismo está tateando.

Esse formato ainda não está consolidado. Eu ainda acho que o jornalismo precisa ser um autenticador da informação de qualidade, da verdade factual. Tanto é verdade que os movimentos fascistas também atacam os meios de comunicação e o jornalismo, pois pra eles é mais negócio circularem as versões do mundo que eles querem, porque o fascismo sempre constrói um inimigo e precisa abastecer sua matilha contando coisas falsas desse inimigo, então também ataca o jornalismo. Manuel Castells diz que os meios de comunicação de massa vão se reduzir só ao entretenimento e que a informação toda vai ficar só nas redes sociais e que vai ser preciso um trabalho desde de base pra educar as pessoas para conseguirem filtrar e fazer uma curadoria adequada do que circula nas redes sociais. Pode ser, isso está em aberto e estamos vivendo o jornalismo como um impasse. A realidade é que as redações estão encolhendo. “Isso vai acontecer, o jornalismo se transformou?” Não, ele está se transformando. Somos aquela geração que está vivendo a transformação, está acontecendo agora. Eu acho que como campo social ele é importantíssimo. Mas não é por acaso que em ambos os polos de todos os lados as pessoas desconfiam muito do jornalismo. Como é que ele perdeu essa capacidade de contar a verdade para as pessoas?

Como vê mercado para quem está entrando agora? Existe realmente uma crise no jornalismo?

Eu continuo acreditando na importância e na relevância do profissional formado. Porque não é só saber fazer um card, ter uma formação técnica, mas é saber pensar e se posicionar nesse mundo altamente complexo confuso, tóxico, com informação de toda ordem circulando. Como vou encontrar um nicho como jornalista? A ideia de consultoria, de produção de conteúdo, análise e estratégias para presença correta de qualidade com informação técnica, averiguada, eu acho que o grande canal. Por exemplo, vejo como estão surgindo diferentes formatos para vender toda a sorte de coisas. Podemos nos socorrer daquela figura que hoje é a maior empresa de transporte não tem único carro — Uber; a maior empresa de hotéis não tem um único quarto — Airbnb. Temos que descobrir como esses novos modos vão ser oportunidades, como os novos profissionais vão oferecer conteúdo, informação, análise, consultoria de outras maneiras. Por enquanto, eu vejo com preocupação.

O que temos visto nos veículos é uma exploração cruel dos profissionais. Porque como os veículos estão trabalhando em multiplataforma, uma rádio não é mais uma rádio, tem que fazer Live pelo Facebook, ela tem que postar fotos, tem que fazer vídeos… O que vemos é o mesmo profissional produzindo cinco produtos ao mesmo tempo sem ser melhor remunerado por isso. Inclusive prejudicando a qualidade do jornalismo. Qual o jornalista que se dá ao luxo de ir pra rua, de ir atrás dos acontecimentos, de ter uma tarde conversando com uma fonte que vai ser importante? Isso é cada vez mais raro, tem que produzir, postar, mandar pro sócio que é assinante, alguma coisinha diferente, postar um vídeo, uma foto engraçada, analisar o que dá mais clique para seguir naquilo. Em que momento que ele checa, pensa, trabalha o texto, reflete sobre as coisas, busca outros ângulos? Tá muito difícil. Eu vejo um profissional pressionado a produzir um monte de produtos, ganhando a mesma coisa ou até mesmo pior, porque a especialidade é colocada de lado. Vemos esse movimento nas redações, os jornalistas mais experientes especializados em determinada área serem afastados, colocar alguém mais jovem que consiga produzir cinco posts, quatro cards, dois vídeos, uma foto “matadora”… Acaba sendo mais negócio porque essa demanda de atualização permanente constante.

Com relação aos veículos eu vejo mais exploração, menos critério, mais exigências dos profissionais, que nos vendem como altamente positivo “porque temos que mudar o currículo das escolas…” Eu também acho que temos que atualizar para ter profissionais multiplataforma, multimídia… “Multi-exploração”, eu diria. Eu acho que ao mesmo tempo que temos novos nichos a serem explorados, novos formatos a serem inventados, estamos em um momento de transição que tenha muita exploração dos profissionais e muita perda de qualidade e dos próprios parâmetros e dos valores do jornalismo que, no meu ponto de vista são inegociáveis como aspecto de garantir a verdade, pluralidade de fontes, o interesse público. Acho que estamos em um momento que é difícil, assim como são os movimentos de ruptura. Da política também, estamos nesse “Claro-Escuro”, esse interregno. Está acabando o ciclo, uma ordem até que surja a nova ordem, tu ficas nesse lusco-fusco, estamos nesse momento. Mas eu vejo luz.

Como foi a decisão para ingressar no Jornalismo?

Desde muito cedo, por algumas habilidades e características que eu tinha. Sou uma pessoa que gosta muito da palavra. Gosto de escrever, gosto de falar, gosto de ler, gosto de ouvir e eu tinha uma dúvida entre o Magistério e o Jornalismo por gostar de contar histórias, gostar de lidar com pessoas e no final das contas acabei associando as duas coisas. Então foi sempre a minha primeira inclinação na carreira que eu pensei. Outro dia comentei com meus alunos, se eu tivesse que voltar lá em 1988, quando fiz vestibular e escolher o curso, eu escolheria o mesmo curso. Eu acho que foi um curso muito recompensador que me permitiu ter um conhecimento de mundo e uma proximidade com grupos distintos de pessoas que jamais teria em outra profissão. A gente pode ser muitas coisas, várias outras coisas, campos de interesse meus, mas eu continuo achando que o jornalismo foi um bom caminho. Aliás, continuo pensando também que o jornalismo é essencial numa sociedade que se quer livre e mais justa.

A docência sempre foi algo que te encantou no Jornalismo?

Na verdade, eu me formei em Magistério, trabalhei com alfabetização de crianças e de adultos, então da graduação do jornalismo. Isso sempre foi uma coisa bem presente pra mim. Quando eu fiz a graduação, logo depois de me formar em 1994, mas sempre fui uma profissional muito inquieta, que eu penso que nós, no nosso campo da comunicação não podemos ser só a “fábrica de biscoito”, só executar, produzir uma mercadoria, que é a notícia e que alguém vai consumir. Isso nunca foi suficiente pra mim. Eu sempre fiquei muito interessada também na teoria, no conceito, no que sustentava essa prática tão importante para uma sociedade mais equilibrada. Portanto a pesquisa, a docência, a despeito dos resultados que nós tivemos depois, acho que é uma área que precisa sim de especialização e de diploma. Logo em seguida, depois da graduação, eu trabalhava na RBS como editora do Jornal do Almoço, ou seja, era uma profissionalização importante dentro telejornal aqui no Rio Grande do Sul, a maior emissora, uma experiência muito enriquecedora, mas insuficiente. Eu queria entender conceitualmente aquelas práticas. Para mim, só praticar não era suficiente. Aliás, até hoje eu me ressinto muito dessa ideia de que a academia e mercado não se completam, é preciso estar separados, ou a prática responde melhor, só a teoria… Não, acho que o tempo todo precisamos formular analisar e problematizar sobre tudo o que fazemos em termos jornalísticos. Esse trânsito entre academia e veículo eu sempre tive e até hoje mantenho, dou aula e continuo trabalhando como assessora porque eu acho bem importante. Cansativo, mas importante. Então assim, para resumir, em 1997 eu já fui fazer um mestrado fora na Espanha, e aí na volta já comecei a dar aula.

Falando sobre o mestrado, como é a diferença na cobertura Brasileira e Espanhola?

Eu fui fazer um mestrado na Espanha que foi uma promoção da Agência Espanhola de Cooperação Ibero-Americana, que reunia alunos da América Latina, e associava os dois campos que sempre me interessavam, que é comunicação e educação. Aliás, a comunicação nós podemos pensar que é uma forma de acesso ao conhecimento, talvez menos esquematizado que é educação formal, mas também uma forma de acesso e cada vez mais percebemos isso nessa nova sociedade, da informação, o quanto é relevante estar educado para mídia, não sendo necessariamente educado por ela. Esse foi o curso que eu fiz e tive oportunidade de, enfim, não só conhecer as práticas a tradição na Espanha, na Europa, mas também e na América Latina de um modo geral. Em termos de televisão tem uma diferença fundamental: a TV na Europa nasce pública, ela se vincula no modelo público de televisão, bem diferente do que aconteceu aqui no Brasil. Com maior ou menor controle da sociedade sobre isso, mas as grandes emissoras de TV são públicas. Existe um outro tipo de compromisso. Do ponto de vista da cobertura política, por exemplo, normalmente os jornais tem uma posição clara, o que não interfere necessariamente na sua cobertura. O que eu acho muito positivo, porque esse discurso da neutralidade, da objetividade, do equilíbrio ou esse discurso que muitos fazem de que “olha, a direita me acusa, a esquerda me acusa”.

Portanto, este equilíbrio não é verdadeiro, ele é um discurso simplificador. Tem várias formas de manipular a informação, de fazer uma cobertura enviesada, de responder os interesses mais diversos de governos, de ideologia, de grupos, do que o próprio interesse público. Não é só pelo fato de desagradar dois polos que significa que se está em equilíbrio. Eu acho muito mais honesto que um veículo declare qual a sua posição política, qual sua visão ideológica e a partir daí para, com o leitor ciente disso, ele passa a exercer essa busca de uma cobertura mais equilibrada e que seja ao mesmo tempo mais plural. Pra mim, a pluralidade é a grande chave. Devemos de fato buscar objetividade, tirar dentro do possível a subjetividade das coisas, buscar a verdade factual, ter um texto preciso com relação. É difícil de exercer, sempre vamos olhar de um aspecto. Mas, para mim, o mais importante a pluralidade.

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Rafael Brito
Dinheiro e Poder

Estudante de jornalismo. Filmes, Futebol, NFL, MLB, NBA e séries.