Por trás da coluna +Economia

Laura Maria
Dinheiro e Poder
Published in
11 min readOct 10, 2019

A colunista da Gaúchazh, Marta Sfredo, revelou as escolhas e desafios do início de sua carreira e contou um pouco sobre os desafios que o Jornalismo tem enfrentado nos dias atuais

Estação de trabalho de Marta Sfredo na redação integrada de Gaúchazh. | Crédito: Laura Maria

Por Laura Maria

A imagem de seriedade que transparece pelas fotos se desfez em poucos minutos de entrevista. Marta Sfredo, jornalista à frente da coluna +Economia, escreve sobre um tema complicado na opinião de muitos.

Apesar da rotina agitada, durante a entrevista feita na última sexta-feira, 4, a jornalista contou com leveza sobre as descobertas da vida acadêmica e profissional, debateu questões de gênero e deu conselhos para quem pretende seguir na mesma área que ela.

Bom, vamos lá: quando tu descobriu que queria fazer Jornalismo?

Marta Sfredo: Então, isso é bom de contar porque foi no meio da faculdade. Eu fiz vestibular para Comunicação, na Fabico, e na época era tudo junto nos dois primeiros anos [os cursos de área de Comunicação] e depois é que separava. Eu entrei para fazer Publicidade mas no meio da faculdade eu descobri o Jornalismo, então acho que talvez eu tenha feito uma das opções mais conscientes pelo Jornalismo porque já saber do que se tratava.

Porque a gente quando tem 17, naquela época que escolhe profissão, é um caminho incerto, não sabe bem o que fazer, e acho que a minha opção foi muito consciente por isso, por já entrar no curso sabendo como era, e na época já se dizia “o mercado tem dificuldades”, “vocês vão ter que trabalhar fim de semana”, e mesmo sabendo disso tudo eu escolhi fazer Jornalismo.

E quando tu descobriu que queria escrever sobre economia?

Marta Sfredo: Na verdade isso não foi uma decisão minha. Isso é muito interessante de contar porque as pessoas às vezes tem um objetivo muito fechado e é bom a gente deixar as opções em aberto.

A economia foi uma oportunidade que apareceu. Eu desde a escola tenho certa afinidade com matemática, o que é um tanto quanto raro nos habitantes do mundo do Jornalismo, e quando me chamaram pra fazer isso disseram “olha, tu é uma das poucas que não tem tanta dificuldade com números, não quer escrever sobre economia?” e eu disse que queria. Eu aceitei porque uma das coisas que eu tenho é isso: gostar muito de coisas complicadas, difíceis de entender. Isso que eu gosto!

Então foi meio assim, a oportunidade acabou mostrando qual era o meu caminho. O que é um coisa bacana porque eu não tinha pré-definido desde a faculdade que eu queria fazer economia, eu sempre deixei as opções em aberto tanto que a primeira vaga que eu ocupei foi no esporte amador e eu nunca tinha pensado em fazer isso. Não tinha planos de continuar [no esporte], mas foi um aprendizado imenso.

A economia, a política, essas coisas mais “hards” foram sempre coisas que me interessaram mas eu deixei em aberto. O que aconteceu foi que acabou coincidindo uma vocação meio escondida com essa oportunidade.

E como tu começou a te preparar para cobrir economia?

Marta Sfredo: Isso é bem interessante de contar também embora hoje haja menos oportunidades nesse sentido. Ainda quando eu fazia esporte amador, e eu não era exatamente a pessoa mais esportiva do mundo, então eu ouvia as pessoas falando sobre as regras dos jogos e não entendia nada, me sentia mal por não compreender aquilo. Então eu comecei a aprender ali como funcionavam as coisas.

Quando eu fui para a economia foi mais complicado ainda, então na época eu procurei fazer todos os cursos que estavam a disposição. De mercado financeiro a energia, de siderurgia a macroeconomia. Foram cursos que eu fiz na época para permitir essa instrumentalização pessoal, porque na economia é muito fácil nós sermos enrolados se a gente não tem a menor ideia do que está se tratando. Esses cursos que eu fiz me deram uma base para pelo menos eu conseguir fazer as perguntas certas para os entrevistados.

Quais conteúdos de economia tu consome?

Marta Sfredo: Todos [risos]. Eu leio todos os jornais nacionais, jornais locais, boletins de mercado… Tudo! Tudo que é possível, tudo que der tempo. Algum livro eventualmente para aprofundar mais os temas.

Confesso que eu gosto de deixar a leitura para assuntos menos econômicos mas às vezes acabou buscando livros sobre determinados temas econômicos para entender mais.

Acho que a gente tem que estar aberto a todos os tipos de conteúdo, inclusive aqueles com os quais a gente não concorda, isso é muito importante para o jornalista.

Uma história sobre isso bem rapidinha: Reinaldo Azevedo, que faz muito sucesso lá na Band, começou muito tempo atrás em um dos primeiros sites que estrearam no Brasil chamado Primeira Página. Ele já tinha um perfil diferente do meu na forma de pensar mas eu lia muito o Reinaldo naquela época porque ele era muito inteligente na argumentação.

Eu quase sempre discordava dele [risos] mas era muito interessante ver como ele construia o raciocínio e isso é muito importante hoje que as pessoas estão presas nas suas bolhas. Às vezes se acha que alguém escreve muito bem mas na verdade essa pessoa só está escrevendo aquilo com o qual essa outra concorda.

O mérito, especialmente do jornalista que tem que trabalhar com o contraditório, é admitir que uma pessoa que pensa diferente dele também escreve e argumenta bem.

Qual foi o maior desafio que tu encontrou para elaborar uma matéria?

Marta Sfredo: Essa é difícil. Eu lembro de um mas não tenho certeza se ele é o maior. Teve uma matéria que nós realizamos aqui, com muitos colegas da redação, numa época que uma empresa da área de energia, chamada Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), apresentou irregularidades.

Nós fomos investigar para entender o que estava acontecendo, onde tinham nascido os problemas e quais eram as consequências que eles iriam causar, enfim… Foi um trabalho conjunto entre três repórteres diferentes: um mais focado em economia, outro em questões policiais e outro tratando da parte relacionado à política.

Foi complicado porque era difícil obter informação, ninguém queria falar sobre então nós tivemos que ir pelas beiradas até chegar em um resultado. Nós tivemos que montar uma explicação para o que estava acontecendo, falando sobre o segmento num geral, sobre as empresas internacionais que estavam relacionadas, bancos e essas coisas.

Eu lembro que foi complicado por isso. Talvez não tenha sido o maior desafio mas certamente foi uma das mais trabalhosas essa investigação, que deve ter sido lá pelo início dos anos 2000.

E para ti qual a importância do Jornalismo Econômico?

Marta Sfredo: Eu acho essencial pois embora a economia esteja na vida de todo mundo as pessoas não se dão conta das relações que estão por trás dos gestos mais simples, seja pagar uma conta ou pedir um empréstimo. As pessoas não se dão conta da cadeia de questões que existem por trás disso, desde decisões de governos até interesses de empresas.

Então uma das coisas que que eu acho mais interessantes no Jornalismo Econômico é tentar mostrar para as pessoas o que está envolvido com isso tudo. Mostrar como se constrói uma decisão… Falar um pouquinho de bastidores na verdade, e tentar aproximar isso das pessoas na medida do possível.

Já que tu citou isso, eu gostaria de saber como tu lida com a questão de compreensão da economia pelas classes mais baixas?

Marta Sfredo: Essa semana mesmo nós estávamos brincando com uma dessas coisas assim. Está em jogo agora uma quantia muito grande de dinheiro, que deve entrar para o Brasil, são R$106 bilhões. Isso vai acontecer em um leilão dos excedentes da cessão onerosa do pré-sal, ou seja, [esse nome] é um encadeamento de palavras que afasta das pessoas.

Eu tinha feito, há alguns meses atrás, um texto tentando explicar o que era isso e essa semana eu pedi para a Camila [assistente de conteúdo] ler o texto e perguntei para ela “Camila, o que mais a gente pode simplificar para tornar de fato acessível para as pessoas?”.

Então essa é uma preocupação permanente que a gente tem de fazer a tradução do “economês”, explicar de forma que as pessoas entendam. A gente usa frequentemente algum tipo de analogia, por exemplo, teve uma época em que se teve um problema muito grande com a transmissão de energia no Estado. Isso é uma coisa difícil de explicar porque energia não é uma coisa que tu vê, ela circula nos fios mas não é uma coisa visível.

Para explicar o que é energia a gente recorria à isso “[os fios] são as estradas por onde passa a eletricidade”, então nós utilizamos frequentemente analogias para facilitar assuntos que são complexos por natureza ou pelo jargão mesmo.

Falando sobre um panorama mais amplo: qual o papel do jornalista dentro da atual situação econômica do país?

Marta Sfredo: Essa é uma pergunta difícil [risos]. Eu acho que o papel do Jornalismo, seja ele político, econômico, cultural, é o de sempre: de representar o interesse público.

Tem uma frase em um filme recente, “The Post: A Guerra Secreta”, que eu acho que define bem, ela diz que “Jornalismo não se faz para o Governo, se faz para os governados”, então acredito que essa é uma chave que nós temos para definir isso.

Nestes tempos que, vamos dizer de uma maneira bem educada e elegante, estão um pouco conflituosos, está um pouco mais difícil fazer isso porque as pessoas vêem esse papel do jornalista que é histórico, de representar o interesse público e portanto ser crítico em relação ao Governo, como uma questão relativa a esse período político quando na verdade o Jornalismo tem que ser assim com esse, com o anterior, com o que veio antes, com o próximo e assim por diante.

Está um pouco mais difícil do que o normal a relação até com o leitores, porque por conta disso as pessoas acham que essa face da nossa profissão que o americanos chamam de “watchdog”, uma espécie de cão de guarda, que serve para entender se o interesse público está de fato por trás de todos os atos do Governo ou se as coisas se tratam de interesses particulares.

Esse lado do Jornalismo as pessoas têm visto como uma cruzada contra esse Governo quando na verdade não se trata disso, nosso papel é ser críticos e também fazer comentários positivos quando eventualmente for feita uma coisa correta. Por isso talvez esteja um pouco mais complicado mas é nisso que eu acredito!

Ainda falando sobre atualidade, nós temos visto um Jornalismo com cada vez mais nichos e especialistas. Como tu lida com o fato de economistas estarem também escrevendo sobre o tema para jornais? Ficou mais complicado para ti?

Marta Sfredo: Eu até brinco às vezes com algumas fontes que enviam seus podcasts, vídeos: “e aí, que concorrência desleal” mas acho que assim, primeiro: a questão da linguagem. Um economista sempre, de alguma maneira, vai falar “economês”, então ele não vai falar português ou “jornalistês”.

Segundo que um economista sempre vai ser apenas uma voz e acho que o papel do jornalista é trazer justamente essa pluralidade para a conversa. Por outro lado, a gente tem que perceber e admitir que o fenômeno da desintermediação pode afetar o nosso trabalho de alguma maneira.

Mas acho que existe uma diferença ainda entre a voz do especialista e intermediação que permite tradução, que permite interpretação, que permite análise crítica, porque às vezes uma fonte pode dizer uma coisa que é absurda e não ter o contraditório porque é ela mesma a dona da voz, né?

Então às vezes o jornalista tem de exercício esse papel de filtro das conversas, de falar “fulano disse tal coisa mas isso não é bem assim”… Mas sim, acho que a gente está exposto aos riscos mas também temos algumas vantagens comparativas [risos].

Indo para outra questão polêmica: as pessoas ainda têm, muitas vezes, uma perspectiva de que apenas homens falam de economia. Como tu lida com isso, sendo uma mulher dentro desse universo?

Marta Sfredo: Isso é uma coisa que eu tenho um certo orgulho, principalmente na redação, porque aqui nós temos duas colunistas de economia mulheres, três falando sobre política, uma diretora de redação mulher…

Então, assim, eu acho que muitas das pessoas que vêem essa questão de gênero hoje acham que elas começaram agora mas isso na verdade iniciou lá atrás, na década de 60, e eu acho que a minha geração já foi beneficiada por esse debate.

É claro que às vezes ainda acontecem coisas que não deveriam acontecer, por incrível que pareça. Algumas vezes, por ser mulher, nós somos tratadas com um pouco mais de condescendência do que seria se fosse um homem. Confesso que isso é uma coisa que me irrita um pouquinho ainda mas acho que é o máximo que eu já enfrentei.

O problema, no meu ponto de vista pelo menos, é mais esse do que outros que nós conhecemos. Nunca tive nenhum problema com assédio explícito, passei por algumas situações com comportamentos que hoje não seriam mais aceitos mas na época a gente ainda aceitava, como excesso de proximidade física.

Acho que o que pesa também, óbvio que não somente isso, mas o limite que a profissional cria também é uma barreira importante. Nós temos que estipular certas distâncias… Embora eu seja uma pessoa normalmente até simpática demais [risos] mas acredito que é isso.

Mudando para uma questão mais leve agora, se tu pudesse escolher outra área dentro do Jornalismo para atuar, qual seria?

Marta Sfredo: Hoje, 2019… Nunca pensei em dizer isso e nunca me propûs essa reflexão mas agora que tu perguntou, eu iria para parte cultural, porque eu acho que é uma área que precisa de defesa nesse momento pois está, digamos assim, sob ataque. Eu adoraria cobrir cultura mas nunca tinha pensado até tu me fazer essa pergunta [risos].

Por último, qual dica tu daria para quem quer começar a escrever sobre economia?

Marta Sfredo: Fujam para as montanhas [risos]. Falando sério, uma dica que eu dou com conforto, porque foi o que eu fiz: busquem mais formação do que recebem. A formação da universidade é básica, essencial mas básica, todo mundo sai formado mais ou menos igual.

Buscar essa formação que eu mencionei, a única mudança que existe entre a minha época e agora é que hoje tu tem uma disponibilidade diferente do que tu tinha naquele tempo mas em compensação agora existe o YouTube, um recurso que eu não pude utilizar.

Então assim, só posso dizer: vão atrás de conteúdos específicos, se especializem em áreas que vocês têm afinidade, em mais de uma área se for possível para poder aproveitar oportunidades diferentes. Vão além!

Bastidores

A sexta-feira, 4, dia da tão aguardada entrevista, começou chuvosa. A ida para a redação da Gaúchazh foi um tanto complicada, graças ao mau tempo e o trânsito da Avenida Ipiranga.

Apesar dos imprevistos — mudança de horário marcado, dificuldade de deslocamento, entre outras — , a recepção de Marta foi extremamente calorosa e simpática.

Às 14h10, quando entrei no antigo prédio da Zero Hora, encontrei uma série de sorrisos e empatia. A ideia de chegar em um local que tantos de nós estudantes, inclusive eu, almejamos estar é um pouco assustadora e, num primeiro momento, me deixou um pouco travada.

Subindo as escadas ao lado de Marta, conheci um pouco do prédio. Chegando no quarto andar fomos direto para a mesa em que ela trabalha, a fim de eliminarmos de vez o ponto “foto para abertura da matéria” e termos uma conversa mais tranquila.

Nesse intervalo de tempo encontrei também uma colega de faculdade, Camila Silva, que contribuiu grandemente para que o nervosismos fosse embora. Por acaso — ou sorte — ela trabalha diretamente com a Marta e participou da nossa entrevista.

Indo aos “finalmentes”, fomos para uma sala separada, Marta, Camila e eu. Na mesa redonda começaram as perguntas e então uma série de outros questionamentos começou a surgir. Marta foi muito receptiva, o que ajudou muito para que o diálogo se estabelecesse.

Depois de mais de 15 perguntas, dentre as quais escolhi as melhores para publicar nessa matéria, tive a certeza de ter encontrado mais uma profissional para seguir de exemplo.

Além da postura enquanto jornalista, Marta esbanja conhecimento. Ao fim dos diálogos sobre economia e outras questões, uma frase marcou e será levada para sempre: “não podemos esquecer que um dia fomos nós, jornalistas, batendo de porta em porta pedindo entrevista. Ajudar os estudantes não deveria ser um problema para o profissionais já formados”.

E assim terminou a visita à redação, a conversa com Marta e o encontro com Camila: com uma lista de aprendizados e, principalmente, de simpatia e empatia.

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Laura Maria
Dinheiro e Poder

Formanda em Jornalismo pela UniRitter. Apaixonada por contar histórias, por fotografia e áudio.