Storytelling da vida "real": Caroline Calloway e sua ex-amiga ghostwriter

Katia Delavequia
Dioramas Modernos
Published in
17 min readOct 14, 2019

um drama em quatro atos

Mês passado me deparei com a história de uma influenciadora americana e fiquei meio obcecada com os desdobramentos. Vários plot twists, cada hora surgia uma coisa, então comecei a analisar tudo de maneira mais ampla, sabe, com um olhar de ‘opa, isso é muito reflexo de nossos tempos’. Coisa que quase nunca faço né (risos). Aí pensei ‘ah vou desenrolar esse babado na newsletter’. Então se ajeita na cadeira aí e vem comigo.

Ato I
Caroline Calloway — a menina que faz da vida um Instagram aberto

O ano era 2012. Uma rede social recém criada chamou a atenção de Caroline.

A jovem estudante de apenas 20 anos viu ali a oportunidade de se promover e mostrar ao mundo sua vida de millenial aventureira. Cada registro rigorosamente planejado viria acompanhado por longas legendas que contariam sua história. Essa seria sua marca™️. Com o sonho de se tornar uma escritora de sucesso e o Instagram era o instrumento perfeito para alcançar tal objetivo. A Persona estava definida para se tornar conhecida o bastante e assim conseguir um contrato um livro de memórias sobre sua vida e relacionamentos.

Com o tempo, os seguidores de Caroline aumentaram de cerca de 210 mil em setembro de 2014 para mais de 800 mil em 2017. Ela começou a estudar na Universidade de Cambridge na Inglaterra e continuou a documentar suas experiências no amor, vida e viagens com legendas longas, sob a hashtag ‘#adventuregrams’ sua marca registrada. Ela logo começou a receber cobertura da mídia.

Foi então que em 2016, anunciou a seus seguidores que havia assinado um contrato com a Flatiron Publishing. Seu tão desejado livro de memórias se chamaria And We Were Like. O adiantamento de quase 500 mil dólares para o projeto era mais até do que ela poderia imaginar.

Mas o castelo de cartas tão lindamente montado começou a ruir e o contrato do livro de Caroline logo se desfez. Em uma postagem em setembro de 2017, ela escreveu que desistiu porque achava que a proposta que havia vendido era uma “mentira” que não representava quem ela realmente era. Toda vulnerabilidade ali sendo detalhada na rede social seria um trunfo da honestidade e confiança que Caroline tinha em seus milhares de seguidores. Com o peso de escrever um livro, ela percebeu que essa vida tão perfeitamente alardeada não a representava de verdade e preferiu jogar tudo para o alto, mesmo com a dívida que teria que arcar com a editora.

Sua cabecinha tão ávida pelos planos que fez não imaginava o que viria pela frente. A implosão do contrato com o livro foi o primeiro escândalo de sua vida, mas ainda não seria o motivo pelo qual ela se tornou mais conhecida. Isso aconteceu no início deste ano, quando seu nome ficou para sempre vinculado ao termo mais moderno da cultura pop no momento: uma farsa.

Ato II
Não, não aquela golpista. A outra. A que você ama.

Em dezembro de 2018, Caroline anunciou a seus seguidores que iria sediar uma oficina de criatividade na primavera, na qual os fãs poderiam participar, em Nova York. Por 165 dólares, os fãs poderiam se encontrar com ela, receber sua atenção. Depois de obter boas respostas, Calloway anunciou que estava expandindo o workshop em uma série de turnês por todos os EUA. Problemas surgiram devido ao alto número de pessoas que se inscreviam. Cancelamentos, mudança de planos e etc. Mesmo assim, Caroline detalhava tudo, claro, no Instagram.

A divulgação se tornou enorme e então entra em cena a jornalista Kayleigh Donaldson que começou a documentar em seu twitter cada passo de Caroline na realização de evento. Claramente não gostava do que via. Foi aí que o evento ficou conhecido como farsa. O Fire Festival da social media.

“Pegue esses 165 dólares e faça literalmente qualquer outra coisa com ele. Não apoie golpistas.”

“♥ Invista em si mesmo em 2019. ♥”, ela escreve.

“Aquela influenciadora do Instagram que ocasionalmente dou uma olhada, porque ela é A Pior, agora está cobrando 165 dólares por um “workshop” de 4 horas sobre como ser você mesmo.”

Caroline não soube lidar com a pressão da mídia e de seus próprios seguidores insatisfeitos, pois muitas das coisas prometidas, como cartas pessoais a cada participante, uma coroa de flores e um pacote de cuidados, não foram concretizadas ou, como escreveu um repórter presente, ficou muito abaixo das expectativas. Então Caroline cancelou o restante dos eventos prometendo reembolsar a todos. A razão, ela justificou, foi a thread de Kayleigh.

Então, quando as pessoas online e os repórteres ficaram sabendo sobre os problemas da turnê de Caroline, o cheiro de uma possível golpista combinou com a personalidade de Caroline como uma millenial branca e privilegiada da cidade de Nova York que os atraiu a ela como um tubarão atraído por sangue na água.

Após alguns eventos cancelados, os que ela conseguiu realizar não eram nada como ela tinha prometido e sim pessoas sentadas no chão comendo alface.

Logo, a história estava em toda parte. O nome de Caroline estava associado a “farsa” ou “golpista” em toda a Internet. A colocaram num infográfico, feito pelo Mashable, para coroá-la como a “melhor golpista de todos os tempos”. Caroline resolveu vestir a carapuça e aproveitou a atenção que estava recebendo para se promover.

Do limão faz-se a limonada servida com canudo de inox

Ela faz referência frequentemente e comparou a dor que experimentou ao diagnóstico de uma doença horrível. Ela vendeu chapéus zombando de coisas que as pessoas a chamavam online e começou a vender suas obras de arte. Ela também lançou um Patreon.

Em agosto, Calloway organizou um novo workshop em Nova York que ela chamou de “The Scam” (“A Farsa”). E convidou os participantes: “Venha fazer amigos. Saia comigo. Trabalhe em sua arte. Ria da arte. Coma salada no chão. Beba leite de aveia. Tire fotos com flores nos cabelos. Considere a dor. Discuta o amor próprio. Seja enganado.”

Um repórter presente nesse evento concluiu que Calloway é “um exemplo extremo da fachada que influencia a cultura”.

Toda essa cobertura do evento “Farsa” apenas alimentou a multidão de pessoas clamando por mais fofocas sobre Caroline. Foi então quando ela anunciou que sua ex-amiga estava prestes a escrever um artigo sobre ela na The Cut.

Ato III
Eu era Caroline Calloway

O que estava ruim para a jovem garota que sonhava em ser escritora, piorou quando Natalie Beach, amiga dos áureos tempos do começo de tudo, escreveu um artigo na revista online The Cut — uma seção da revista New York contando o seu lado da história.

Caroline já sabia sobre o artigo antes de sua publicação, pois Natalie a procurou e disse o que estaria por vir. Durante a semana que antecedeu a sua publicação na terça-feira 10 de setembro, ela postou quase constantemente, em alguns momentos implorando para que a The Cut desistisse e especulando por que não o fizeram. Ela também elogiava consistentemente os textos de Beach, cobrindo-a de elogios. Quando o artigo finalmente saiu, foi explosivo.

Natalie revelou que era quem realmente criava as legendas que fizeram Caroline famosa e também seria ela que escreveria o livro, cujo contrato nunca foi de 500 mil dólares e sim 375 mil. O combinado era que 35% desse valor seria a parte de Natalie.

Elas se conheceram numa oficina de não-ficção criativa. Caroline era tudo o que Natalie não era. O objetivo da aula era aprender a escrever sua própria história, mas a partir do momento em que se conheceram, Natalie se concentrou em ajudá-la a contar a sua, primeiro em notas após o workshop, depois editando suas legendas no Instagram e co-escrevendo uma proposta de livro ela vendeu por centenas de milhares de dólares. Parece óbvio agora, como a história terminaria, mas quando ela conheceu Caroline Calloway, tudo o que viu foi o começo de algo extraordinário.

Uma ano depois de se conhecerem, passaram a fazer viagens juntas com o objetivo de cada vez mais posts no Instagram.

Veja uma parte da história contada pela própria Natalie em seu artigo na The Cut:

“Naquela primavera, no final do meu semestre no exterior em Londres, Caroline voou para viajar para a Sicília comigo. Quando ela chegou, ela me disse que estava ficando mais ativa nessa nova plataforma chamada Instagram. Aparentemente, ela havia postado uma roda de macarons coloridos que chegou à “página de favoritos” e agora tinha 50 mil seguidores, a maioria meninas adolescentes que queriam uma vida como a dela. Caroline sempre foi obsessiva e confiante, mas o Instagram focou essas qualidades como a luz do sol através de uma lupa.

A conta dela chamava-se #Adventuregrams.Você pode ter uma aventura em qualquer lugar, se estiver curioso”, ela me disse enquanto eu tirava fotos dela se equilibrando em uma parede de pedra. “É disso que trata a marca. Não importa onde você mora ou quanto dinheiro você tem. Você poderia ser um adolescente de Nebraska e, ao me seguir, pode sentir que está aqui. ”Mas eu era quem estava lá, de pé ao lado dela, e já estava começando a me sentir invisível. Quando saímos do quarto de manhã, ela vestiu várias roupas para poder posar durante dias em fotos em uma tarde. Enquanto isso, fui designada como fotógrafa, instruída a encontrar seus melhores ângulos e manter minha sombra fora de cena. Quando Caroline ficou satisfeita com o resultado, corremos de volta ao hotel para nos conectar ao Wi-Fi, fazendo o brainstorming da legenda juntas. Depois de postar a foto, ela segurava o telefone na palma da mão e observava os comentários, respondendo a cada um. Ela estava construindo uma segunda versão de si mesma na minha frente, e como eu poderia competir com isso? Eu deveria ter passado o tempo da minha vida no paraíso, mas Caroline tinha um jeito de me fazer sentir pequena, como se eu tivesse me dobrado como uma escova de dentes para que ela pudesse me levar para a viagem.

Por um longo tempo, no entanto, o modo como me lembrei dessas férias foi através das fotos que ela postou. O vidro do mar e a caverna explorando, a pizza que comemos no que Caroline traduziu erroneamente como “A Fonte da Vergonha Feminina”. E então havia a melhor foto já tirada de mim: No cume do vulcão, o vapor se agita atrás de mim, estou ajustando meus óculos de sol (que pertenciam a Caroline). Nunca me senti melhor do que quando vista através dos olhos de Caroline. Mas um ano depois, me deparei com o diário que mantive na viagem e percebi o quão amarga estava. “Eu me vi desejando que algo ruim acontecesse … uma humilhação, como a que sempre sinto”, eu havia escrito. “Tem que haver um preço para obter tudo o que você deseja. Por nunca ter ficado envergonhado. ”Era como uma birra: “Estou começando a me sentir uma criança ou uma estagiária não remunerada”, escrevi, “ambos os quais eu tinha sido recentemente e nunca mais quis ser”.

A amizade das duas se tornou mais um exemplo de amizade tóxica. Natalie se esforçando para não desapontar Caroline e Caroline vivendo uma vida regada a anfetaminas tentando parecer uma coisa que não era.

Em mais um trecho Natalie abre o jogo:

(…) “Foi nessa época que Caroline me revelou que, durante todos esses anos, ela mentia sobre sua história de origem. Na verdade, ela não ficou famosa a partir de uma foto de macarons na página de favoritos do Instagram. A história real, ela me contou, é que ela fez uma série de reuniões com profissionais da literatura que a informaram que ninguém compraria um livro de memórias de uma garota sem pretensão de fama e sem base de fãs. Caroline fez tudo online, publicando anúncios criados para parecerem postagens para promover sua conta e comprar dezenas de milhares de seguidores. (Caroline diz que isso foi antes da Comissão Federal de Comércio publicar guias para influenciadores.) Isso poderia arruinar tudo, pensei. Tínhamos vendido a proposta com base em um número falso; não haveria consequências? Se a base da conta do Instagram de Caroline não era verdadeira, então foi? Mas para Caroline, o estratagema era uma declaração de intenções: ela era uma mulher que trabalhava sozinha explorando uma nova forma de mídia. “As mulheres passam muito tempo se desculpando por promover seu trabalho”, ela me disse.

Mesmo sabendo que Caroline era a melhor narradora não confiável, eu ainda confiava nela. Afinal, ela estava constantemente me chamando de sua melhor amiga e esposa de trabalho, dizendo que me amava. Eu pensei que estávamos nisso juntas.” (…)

(…) “Eu construí toda a minha carreira em torno do meu compromisso com a personalidade dela — elaborá-la, cuidar dela e tentar ao máximo copiá-la, andando nas ruas de uma estranha cidade européia como se o mundo existisse para cuidar de mim. Mas em Cambridge não vi alguém que queria ser senão uma garota que vive com um garfo, sem amigos e várias cópias do livro Prozac Nation. Agora eu vi Caroline como ela era — uma pessoa que precisava de ajuda que eu não sabia como dar.

E, no entanto, mesmo depois que me mudei para Los Angeles no outono de 2016, ainda tínhamos um prazo e continuamos tentando escrever o livro juntas, desta vez via Skype. Nós encarávamos os rostos pixelados uma da outra enquanto eu tentava persuadir as frases dela. Caroline parecia estar com dor enquanto escrevia, rangendo os dentes e se afastando da tela como se estivesse passando por uma nevasca para digitar. A última vez que nos vimos pessoalmente naquele inverno em Nova York, eu a apresentava ao homem com quem um dia me casaria; como presente de aniversário, ela me deu uma maquiagem Glossier já usada e um cheque que voltou. Ela me prometeu de imediato todos os direitos da TV sobre o filme. O livro que ela ainda não sabia escrever. De volta a Los Angeles, eu ganhei tempo com os editores escrevendo um quarto do manuscrito, mas Caroline odiava tanto que ameaçava se suicidar se eu escrevesse mais. (Caroline esclareceu a um verificador de fatos de Nova York que não era suicida porque não gostava da minha escrita, mas por causa de seu vício e porque vendeu um livro de memórias que não sabia escrever.) Depois que ela disse isso, eu me afastei e observei em tempo real no Instagram, enquanto ela contava os dias até perder o prazo final para o contrato do livro. Caroline alegou que seu fracasso em escrever o manuscrito era uma atitude intencional contra o patriarcado e uma indústria editorial que insistia em que sua história de vida fosse definida pelos homens que namorou. De qualquer forma seu editor pediu que ela devolvesse mais de 100 mil dólares do adiantamento. (Caroline diz que continua trabalhando em uma resolução com a editora.)

Tivemos brigas estúpidas e sérias. “Por que sua auto-realização tem que acontecer às custas de pessoas próximas a você?”, foi algo que eu disse a ela. Resposta de Caroline: “É importante para mim fazer as coisas que sinto importantes, sem que ninguém me diga o que fazer … Se você acha que isso está prejudicando você emocionalmente ou profissionalmente, acho que deveria examinar esses sentimentos em si mesma”, e disse-lhe por e-mail que estávamos terminando.

Desde então, Caroline tornou-se algo para eu explicar durante entrevistas de emprego, uma piada de salão. As pessoas me perguntam se ela é uma mulher Billy McFarland, ambas personagens de Ingrid Goes West, Anna Delvey com um diploma de história da arte, mas eu recuo. Se era apenas dinheiro e fama que ela buscava, tudo o que ela precisava fazer era ficar quieta e me deixar fazer o trabalho. Ela poderia ter recebido centenas de milhares de dólares, participado da turnê que sempre desejou e gravado o audiolivro com aquela voz sedutora dela. Mas ela tinha que ser a única a contar sua própria história de vida, mesmo que não pudesse. Caroline ficou presa entre quem ela era e quem ela acreditava ser, o que no final pode ter sido a coisa mais compreensível nela. É por isso que, quando as pessoas me perguntam se Caroline é uma farsa, tento explicar que, se ela é, sua primeira marca é sempre ser ela mesma.

Caroline e eu não tínhamos conversado há dois anos até chegar a dizer que estava publicando este artigo. Eu escrevi muitas versões dessa mensagem, alguns rascunhos ainda furiosos com ela, outro me chamando de raposa no galinheiro de sua vida. Ainda não pude deixar de me desculpar com ela, mesmo tentando explicar que, depois de cinco anos me perdendo em nossa amizade, eu precisava ser algo mais do que um personagem de apoio em sua vida. Em sua resposta, ela me disse que me amava, que este artigo tornará sua vida muito mais difícil, que eu sou a melhor escritora que ela conhece, que não usa mais Adderall, que os trolls dizem para ela se matar, que ela ainda quer ser amiga. E lá estava eu, mais uma vez arrasada pela força de seus elogios, seu sentimentalismo auto-mitologizante e cru. Parte de mim desejava continuar falando com ela, mais uma vez aquecida pelo brilho de sua atenção. Acima de tudo, porém, eu queria perguntar a ela o que ela ainda estava fazendo no Instagram. Quando nossos olhos se fixaram na mesa da oficina, sete anos atrás, o mundo parecia maior que um quadrado de luz em nossos telefones e, por um tempo, a escrita na Internet foi apenas um meio para atingir um fim, uma maneira de lançar um livro que seria tão real como acreditávamos ser nossa amizade. Mas eu suspeitava que, se eu enviasse essa mensagem para Caroline, ela apenas o capturaria e publicaria em seu feed como fez com minha primeira mensagem, transformando um momento entre nós em apenas mais um capítulo da história que ela não para de contar.”

Ato IV
A resposta de Caroline

Desde que saiu o artigo de Natalie, Caroline prometia a resposta. Nesse meio tempo o assunto viralizou em vários sites que se dedicavam em narrar o feud entre as ex-amigas. E tudo está lá devidamente documentado no Instagram de Caroline, cujos comentários variam entre haters e fãs na maneira mais inflamada e apaixonada que só a internet é capaz de proporcionar.

Porém, mais um revés na vida de Caroline se somava a esse momento. Ela chorava a perda do pai, que ela diz ter cometido o suicídio. Algumas pessoas chegaram a duvidar de tal fato, clamando que ela estava inventando ou fazendo da morte do pai um modo das pessoas se compadecerem dela.

Então no dia 28 de setembro, ela finalmente deu sua resposta à ex-amiga em posts divididos em seu perfil no Instagram:

“Natalie não contou uma única mentira em seu artigo para a The Cut. Ela mentiu por omissão. O que, eu acho, não é surpreendente, porque mentir por omissão é como criamos minha persona e vendemos minha proposta de livro para os editores.

Natalie fez o mesmo quando desenhou a personagem Natalie e vendeu sua história por 5 MIL DÓLARES a The Cut.” (…)

(…) “Natalie não precisava continuar quando as coisas estavam ruins. Natalie não gastou milhões de horas em que eu cronometrei, criando histórias e legendas do Instagram e construindo (1) um vínculo parasocial com meus seguidores, (2) um interesse em mim pela imprensa, (3) meu público e (4) minha marca. Mas ela ganhou dinheiro com todas essas coisas quando vendeu seus segredos sobre mim.” (…)

Bom, de resto foi troca de acusações, dizendo que Natalie era mais privilegiada que ela e não essa coitada que estava pintando. Que Natalie só conseguia trabalhos como escritora por ter contatos. E que nunca Natalie foi uma ghostwriter e sim co-autora, ou seja, as duas montaram juntas todo o plano. E continua:

(…) “Na semana anterior à publicação do artigo The Cut, ela me enviou um e-mail que dizia: “Não consigo imaginar o quão difícil deve ter sido superar esse vício, e estou tão feliz por você estar saudável agora.” Então ela se virou e publicou um artigo sobre os anos mais difíceis da minha vida que continha as palavras “remédios”, mas não a palavra “vício”. Inteligente. Alfa. Cruel. Respeito! Eu não seria a melhor amiga de alguém que não fosse.

Ao apagar meu vício do registro e omitir o fato de que ela sabia que minha fachada de garota rica era exatamente isso — uma performance para ganharmos dinheiro — Natalie tirou a humanidade da minha história e me reduziu a uma vilã rica e insana. Ela também fez um movimento calculado de xadrez ao vender sua história após todas as histórias de golpes virais.

Eu respeito Natalie por trair a confiança de nossa amizade e vender meus segredos a The Cut. Ela tem fome de dinheiro, fama e poder, e essa ambição foi o que me atraiu a ela em primeiro lugar. Esta não é uma história sobre beta e alfa. Esta é uma história sobre duas alfas.” (…)

(…) “Esta é uma história sobre duas meninas que mentiram por omissão durante suas primeiras tentativas de auto-expressão. Eu me enganei deixando muitas dores de fora da minha marca em 2015 e quatro anos depois, Natalie mentiu (mais habilmente, admito!) deixando de fora detalhes críticos para se posicionar como a coitada azarada. Esta é uma história sobre duas garotas que são narradoras ambiciosas e diabolicamente talentosas. Esta é uma história sobre histórias”.

Segundo ela, Natalie vendeu os direitos de sua história para virar filme. Então uma coisa que Caroline disse me chamou atenção:

A maioria das histórias em Hollywood não é contada duas vezes. No máximo, refazem. Mas duas versões de Harry Potter não foram lançadas ao mesmo tempo. Você sabe que gênero de história é o único tipo com precedente de ter duas versões concorrentes que passam pelo desenvolvimento e depois são lançadas em conjunto? SCAMS (GOLPES).

SCAMS, MOTHERFUCKERS! Golpes. Os dois documentários sobre o Fyre Festival da Netflix e Hulu no foram lançados no mesmo dia — e no mesmo dia em que fui viral como uma farsa porque o universo é misterioso e possivelmente uma simulação. Um projeto tinha os direitos de vida de Billy McFarland (idealizador do Fyre Festival) e o outro optou por escrever sobre ele. No momento, dois projetos concorrentes sobre Anna Delvey (falsa herdeira que enganou a alta sociedade aplicando golpes) estão em produção. Lena Dunham comprou os direitos da biografia sobre ela e Shonda Rhimes vai produzir a história de Anna na Netflix.

Natalie fez muitos movimentos Alpha inteligentes que são parasitários porque ela está lucrando com a MINHA vida de celebridade enquanto põe em risco minha capacidade de ganhar o mesmo tipo de dinheiro com a minha história. Mas graças a DEUS o nome Caroline Calloway é sinônimo de FARSA. Eu vejo um futuro em que desenvolvemos os dois projetos de forma independente e os liberamos no mesmo dia — simbioticamente.”

Conclusão: não há inocentes nessa história. Hoje a briga é por quem aparece mais e por enquanto as duas estão vencendo. Para nós, resta a reflexão sobre a toxicidade de uma vida de aparências, suas implicações e encarar tudo como entretenimento, afinal de contas é isso que vai virar. O público é a plateia.

É uma bela história triste. Bela pelo ponto de vista da narrativa e seus desdobramentos. Triste, pois envolve ambição, amizade tóxica, problemas de saúde mental, vício em anfetaminas, oversharing e outros tantos males quando se escolhe viver uma vida para os outros. Mostrar-se o tempo todo como se estivesse presa a um vórtice tentando obter aprovação a todo custo. A cultura do influenciador em seu estado mais puro.

Seja como for, a história ainda está rendendo. Ainda é capaz de vender como pão quente. Caroline se mantém com isso. É seu alimento. Natalie também está conseguindo atenção. Eu me pergunto o que pode acontecer quando esse turbilhão passar e os personagens se tornarem apenas peças jogadas num fundo de gaveta da internet.

Como diz o sábio:

“O jornal de hoje embrulha o peixe de amanhã”

📺 Abstract: The Art of Design é uma série documental que traz em cada episódio um artista contando histórias sobre criatividade e como eles desenvolvem seus trabalhos dentro de suas áreas específicas do design (arquitetura, ilustração, design gráfico, fotografia). É lindo, incrível e inspirador. A 2ª temporada acabou de estrear.

📺 The Politician mais uma maravilhosidade que só Ryan Murphy é capaz de proporcionar. É um House of Cards juvenil com The Act. A história de um jovem que sonha em ser presidente americano ainda na fase do ensino médio tentando se estabelecer como presidente de classe. A partir daí acompanhamos o desenrolar de alguém que é capaz de tudo para conseguir o que quer. The american way of life em seu estado mais ácido e sagaz. Muito bom!

👓 Matérias sobre o caso Caroline Calloway em que baseei meu texto:
The Cut
Buzzfeed
Instagram Caroline

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