A Revolução dos Cravos

Os 50 anos de democracia em Portugal

Fran Geyer
Diplonite
5 min readApr 25, 2024

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Soldados portugueses durante a libertação de Lisboa. O uso de cravos na ponta dos fuzis simbolizava o caráter pacifico da ação. Foto: desconhecido, uso sob Creative Commons.

“Valeu a pena. A democracia, os direitos, tudo”

É assim que Mário Teixeira, designer português, se recorda da Revolução dos Cravos. No dia 25 de abril de 2024, Portugal celebra os 50 anos da chamada Revolução dos Cravos. Esse evento deu fim a quase 42 anos de fascismo no país. A revolução, de inspiração socialista, derrubou um regime que perdurava desde antes da Segunda Guerra Mundial, formado por simpatizantes de Mussolini.

O regime salazarista é lembrado pelo seu uso da violência policial e pelas regras fundamentalistas cristãs forçadas sobre a população. Governando sob o lema de Deus, Pátria e Família, António de Oliveira Salazar assumiu o controle da República Portuguesa em 1933, mantendo o país fora da Segunda Guerra. Os anos do Estado Novo apresentavam crescimento econômico, porém, a economia era extremamente desigual. Além disso, o regime fracassava na educação, com indicies altos de analfabetismo em adultos. “Era pobre e era miserável em Portugal” relembra Mário.

Antonio Salazar morreu em 1970, vitima de um acidente vascular cerebral, sendo sucedido por Marcelo Caetano. O novo presidente assumiu durante o auge das Guerras de Independência das colônias portuguesas, que lutavam contra a manutenção do colonialismo na região. Essa guerra isolava o estado português, que se encontrava na contramão de ambas as potências da Guerra Fria.

Em termos de liberdade, o Estado Novo de Salazar e Caetano utilizava da polícia secreta para reprimir ações politicas de oposição. Os principais alvos eram estudantes. Durante esse período, diversos portugueses imigraram para o exterior, indo parar inúmeras vezes nos subúrbios de Paris, na França. “Eu sou do tempo em que não havia liberdade. E as pessoas só sabem o que é o fascismo quando não tem liberdade. É como o ar, só aprecias o ar quando não tens” afirma Mário.

A Revolução

Minutos antes dos portugueses virarem o calendário do dia 24 para o dia 25 de abril, os rádios começaram a tocar a música “E depois do adeus”, interpretada por Paulo de Carvalho. Esse era o sinal para que forças militares independentes começassem as operações que derrubariam o governo de Marcelo Caetano, Líder do Regime do Estado Novo.

Apesar de ter mais em comum com as ações vistas em um golpe de estado, os eventos do dia 25 são lembrados como uma revolução, isso se deve à grande aderência popular ao movimento, que impediu forças leais à Caetano de retomarem o controle da nação. O Presidente português viria a se refugiar no Brasil, ainda sob comando da ditadura militar.

Mesmo com a forte presença militar, o evento foi majoritariamente pacifico, com poucos conflitos entre os revolucionários e o governo. Inclusive, a revolução ficou conhecida assim, pois quando as forças militares adentraram Lisboa, muitas carregavam cravos na ponta de seus fuzis, demonstrando o caráter não-violento da ação.

Ainda que os soldados leais à Caetano quisessem reagir às ações revolucionárias, eles teriam de passar por cima pelos milhões de cidadãos comuns que estavam nas ruas ao lado das tropas. A mobilização popular foi fundamental para o sucesso revolucionário.

O termo “golpe militar” é frequentemente associado ao estabelecimento de uma autocracia — como aquela que se formou em primeiro de abril de 1964 no Brasil —. Mas para os portugueses os jovens soldados, cansados de uma guerra injusta, representam o fim de uma autocracia. Essa é uma raridade no seculo XX, mas os militares portugueses estavam nas ruas de Lisboa pelo povo.

Ainda que a revolução tenha ocorrido no dia 25, o dia primeiro de maio (dia do trabalhador) foi tão importante quanto para a formação da democracia portuguesa. Milhares de trabalhadores e sindicalistas tomaram as ruas de Lisboa e do Porto, revindicando novos direitos e uma nova constituinte. A vitória da democracia veio junto da luta proletária no país, que foi essencial na revolução.

A revolução foi muito mais do que apenas um movimento para alterar a liderança do país, com a instauração de uma democracia social, o país — até aquele momento um dos mais atrasados em índices de alfabetização na Europa — iniciou uma profunda campanha de alfabetização. “Isso torna nossa revolução um bocado poética, que é as campanhas da alfabetização. Isto parece um detalhe, mas é incrível. Elas, eram feitas por brigadas de jovens que iam para as terras do interior ensinar as pessoas a ler e escrever” relata Mário.

Celebrações do dia 25 de abril em Portugal, foto de 1983.

Junto da vitória da democracia portuguesa, vieram inúmeros direitos sociais antes considerados impossíveis. A nova constituição portuguesa trouxe liberdade sexual para as portuguesas, o país também legalizaria relações homoafetivas, o casamento homoafetivo, a transição legal de gênero, o aborto e, mais recentemente, a eutanasia legal.

Essa nova República Portuguesa, fortalecida de um senso democrático, tomaria cada vez mais espaço no cenário internacional. Com a paz estabelecida com as antigas colônias de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, Portugal logo entrou para a comunidade europeia. Atualmente, é uma importante nação no cenário internacional, sendo o ex-primeiro-ministro do país, Antonio Guterres, o atual Secretário-Geral das Nações Unidas.

Porém, ainda que o legado de Salazar seja aquele de terror e violência. Portugal não esteve imune à recente onda de avanços da extrema-direita que surgiram ao redor da Europa. Nas eleições de 2024, o partido Chega! que concorre em uma plataforma anti-imigração e anti União Europeia. Ainda assim, 50 anos depois, o legado da revolução é lembrado de forma carinhosa pelos lusitanos, que ano após ano vão às ruas celebrar a vitória do povo português contra o fascismo.

“Foi espetacular viver a revolução em Portugal. Nossa vida tem quinhentas coisas, viver aquele momento é absolutamente único na vida que eu tenho vivido. É irrepetível, é estar no lugar certo, na hora certa, e foste testemunha de uma coisa sensacional” concluiu Mário.

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Fran Geyer
Diplonite

Brazilian journalist living in Sweden. My work tends to be about Global Politics, Culture, Sociology or LGBTQ+ rights