Entrelaçando a história

O enquadramento do genocídio à luz do racismo e colonialismo em Gaza

Ruth Gonçalves
Diplonite
4 min readMay 18, 2024

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“A regeneração das raças inferiores pelas raças superiores está dentro da ordem providencial da humanidade. O homem do povo é quase sempre, entre nós, um nobre renegado, sua mão pesada é mais acostumada ao manejo da espada do que ao utensílio servil. Prefere bater-se a trabalhar, isto é, regressa ao seu primeiro estado. Regem império populos, eis a sua vocação’’

(Moura, 1994, p. 28).

Shawn Thew/EPA, via Shutterstock

A associação do genocídio, racismo e colonialismo se dá pelo enquadramento do fenômeno histórico que se retroalimentam, em outras palavras, são interconectados e se reforçam progressivamente de forma a explorar e subjugar povos retratados como inferiores. No transcurso da história, o racismo se desdobrou em meios étnicos, ideológicos e políticos. Adquiriu o status de justificativa da subalternização de classes inferiorizadas, assim como instrumento de dominação. Buscou, dessa forma, fundamentar a expansão das nações dominantes sobre as nações dominadas.

O racismo, antes em estado larval, encontra na visão científica uma nova base para disseminar suas crenças. De acordo com o estudo realizado por Clóvis Moura (1994), sociólogo e historiador, em ‘’O Racismo como Arma Ideológica de Dominação’’, o preconceito racial é alimentado e utilizado como razão para agendas políticas e expansionistas, permitindo a perpetuação de crimes em nome de supostas ‘’raças eleitas’’. O conceito da raça eleita procura descrever grupos privilegiados pela sociedade que refletem a desigualdade e injustiça social resultante da hierarquia racial que predomina a partir da valorização da referida classe.

Raphael Lemkin, advogado polonês-judeu, em 1994, criador do termo genocídio, definiu a utilização da termologia como um conjunto planejado de ações destinadas a aniquilar grupos nacionais completamente. Ele enfatiza, em sua descrição, que a coordenação visa não apenas eliminar fisicamente, mas apagar fundamentos culturais, sociais e políticos dos grupos apontados.

Posteriormente, na obra de Moura (1994), se destaca que o racismo não é apenas um fenômeno isolado, mas sim um multiplicador ideológico que se alimenta das ambições políticas e expansionistas das nações dominantes. O racismo é frequentemente empregado como uma justificativa para os crimes cometidos em nome de supostas superioridades biológicas, psicológicas e culturais.

O racionalismo científico promovido durante os séculos XVIII e XIX, de certa forma, contribuiu com a exploração e subjugação de certos grupos étnicos e culturais, fomentando a percepção do genocídio como uma luta inter-racial ao longo da história. No século XX, a limpeza étnica promovida na Palestina como exemplo contemporâneo da continuidade do genocídio, se torna evidente o paradigma racialista utilizado para justificar práticas genocidas. O extermínio em massa de uma população não apenas aniquila vidas, mas também erradica qualquer vestígio de sua existência, eliminando assim registros históricos e memórias coletivas de uma sociedade com uma longa trajetória ao longo de séculos.

Em 1975, a Assembleia Geral das Nações Unidas, mediante votação, declarou o sionismo como uma forma de racismo e discriminação racial. A partir do desenvolvimento do sionismo político por Theodor Herzl, um movimento político e histórico concreto, se vê a consolidação do Estado de Israel. Nesse sentido, argumenta-se que o sionismo não apenas defendeu a autodeterminação do povo judeu, mas também teve implicações políticas e sociais que envolveram a dominação de outros grupos étnicos da região do Levante.

UNICEF/Eyad El Baba

A situação de Gaza muitas vezes envolve a justificação de ações opressivas e violações dos Direitos Humanos sob o pretexto de interesses políticos e territoriais.

O racismo vem com uma abordagem carregada de carga emocional, refletindo uma ideologia de dominação, influenciando as relações locais, nacionais e internacionais de maneira agressiva. A partir de desigualdades estruturais e subjugação, o surgimento de um novo tipo de racismo tem servido como uma força orientadora para o colonialismo contemporâneo que conduziu à diversos genocídio.

A reflexão sobre a dor de diferentes civilizações, por fim, não é excludente das cicatrizes de outras. O genocídio se mostra um fenômeno complexo e abrangente, ressaltando a universalidade da tragédia humana, testemunhado pelos povos judeus, palestinos, indígenas, africanos, armênios entre outros.

Referências

MOURA, Clóvis. O Racismo como Arma Ideológica de Dominação. São Paulo: Revista Princípios, nº 34, ago-out 1994, p. 28–38. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/moura/1994/10/racismo.htm>..

Lemkin, Raphael. “Axis Rule in Occupied Europe: Laws of Occupation, Analysis of Government, Proposals for Redress.” Clark, New Jersey: The Lawbook Exchange, Ltd., 2005.

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