Gilad Shalit e o hollywoodiano soft power israelense

Saiba como o sequestro de um jovem soldado israelense relaciona-se ao sucesso recente dos vários seriados produzidos em Israel, que retratam a política regional.

Diplonite
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5 min readMar 29, 2024

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Por Rafael Firme (Originalmente publicado em 25 de junho de 2021)

25 de junho de 2006: o jovem soldado israelense Gilad Shalit é sequestrado pelo Hamas. Cinco anos depois, após uma troca de prisioneiros, Shalit volta para casa. Esse não foi um simples sequestro, pois as reviravoltas e o desfecho final são debatidos até hoje na sociedade israelense e no Mundo Árabe como um todo, pois Israel trocou 1.027 presos palestinos pela liberdade de Gilad Shalit.

Aos 20 anos de idade, após alistar-se no serviço militar obrigatório israelense e oferecer-se, prontamente, a servir em uma unidade de combate, Gilad Shalit foi apreendido pelo Hamas nas proximidades da fronteira entre Gaza e Israel. Até ser capturado, Shalit servia como artilheiro de tanque na região, ainda que tenha sido descrito com “baixo perfil” pelo Ministério das Relações Exteriores de Israel para tal tarefa. Três dias após o sequestro, em 28 de junho, as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) invadiram o sul de Gaza — nas proximidades de Rafah e Khan Yunis — com a intenção de resgatar Shalit. Na cidade de Gaza, a IDF ocupou o Aeroporto Internacional e, desde Israel, a Marinha israelense bloqueou a Faixa de Gaza via mar. Após um cessar-fogo entre Hamas e Israel, e mais de 400 palestinos mortos, a Operação “Chuvas de Verão” chegou ao fim sem encontrar Gilad Shalit.

Identificação militar de Gilad Shalit em 2005. Foto de Michal Chelbin & Oded Plotnizki / New York Times

Passaram-se três anos de muita especulação. Em 2007, surgiram áudios de Shalit afirmando que sua saúde estava debilitada. Um ano mais tarde, os pais do soldado receberam uma carta do filho. Então, em 2009, o governo israelense recebeu um vídeo provando que Shalit estava vivo; em troca, Israel libertou 20 prisioneiras palestinas. Um ano depois, para pressionar o governo, os pais de Shalit marcharam por 12 dias do Norte de Israel até o gabinete de Benjamin Netanyahu — então premiê israelense — , em Jerusalém. Finalmente, após muita pressão popular, em outubro de 2011, Netanyahu anunciou o acordo que levaria Shalit para casa. Em compensação, a pedido do Hamas, Israel daria liberdade para mais de mil prisioneiros palestinos. No dia 18 de outubro de 2011, Shalit voltou para casa ao mesmo tempo em que 477 prisioneiros palestinos foram libertados.

Após voltar para Israel, Shalit foi recebido pelo então premiê do país, Benjamin Netanyahu. Foto de Wikimedia Commons
No mesmo dia em que Shalit voltou para casa, 477 prisioneiros foram libertados por Israel. Essa foi a primeira fase da troca de prisioneiros, concluída dois meses depois, quando outros 550 foram libertados na fase 2, totalizando 1.027 prisioneiros palestinos em troca de Gilad Shalit. Reprodução de BBC News via The Guardian

O acordo entre Israel e Hamas que conduziu Gilad Shalit de volta para casa foi concluído dois meses após a libertação do soldado, quando ocorreu a segunda fase da troca de prisioneiros, com a libertação de outros 550 palestinos. Ao total, 1.027 palestinos saíram de prisões israelenses para que Shalit fosse libertado pelo Hamas. Tal movimento do governo de Israel gera debates até hoje.

Curiosamente, a história de Shalit conecta-se com Homeland, série norte-americana de muito sucesso que, na verdade, foi baseada na série israelense Hatufim. Assim como em Homeland, Hatufim retrata a volta para casa de soldados sequestrados por grupos terroristas. O roteiro apresenta a readaptação desses soldados na sociedade, bem como seus traumas.

A temática clichê do terrorismo no Oriente Médio, mas não só ele, presente nas séries israelenses, está conquistando o mundo. Além de retratar o cotidiano de civis, os dilemas de combatentes e a política regional, séries como Hatufim (indisponível no Brasil) — citada anteriormente — , Fauda (disponível na Netflix) e Our Boys (disponível na HBO GO) dedicam-se a apresentar as relações entre israelenses e palestinos. False Flag (disponível no Star Premium) é mais complexa, retratando conspirações de vários grupos internos a Israel. A mais recente é Tehran (disponível na Apple TV+), série com roteiro baseado nas relações entre a espionagem e a política, envolvendo Israel e Irã. Entretanto, além da política, Israel tem produções que abordam outros gêneros. Impressiona um país pequeno como Israel, com recursos escassos, ter posição tão relevante com seu soft power.

Em Tehran, Niv Sultan interpretou a agente do Mossad Tamar Rabinyan. Reprodução via Instituto Brasil-Israel

É interessante traçar um paralelo entre a ficção (seriados) e a realidade. Aqui destaca-se Our Boys, série que retrata o sequestro, a morte e o julgamento dos assassinos do palestino Mohammed Abu Khdeir, de 16 anos. Abu Khdeir foi sequestrado em Jerusalém Oriental e morto — espancado e queimado — em Givat Shaul, na Floresta de Jerusalém, na madrugada de 2 de julho de 2014. Em Our Boys, o assassinato de Abu Khdeir — por parte de jovens judeus ultraortodoxos — é apresentado como represália ao sequestro e assassinato de Naftali Frenkel e Gilad Shaar, de 16 anos, e Eyal Yifrach, de 19 anos. Os três foram sequestrados no dia 12 de junho, em Alon Shvut, na região de Gush Etzion (assentamentos israelenses na Cisjordânia). Em 30 de junho, dias antes de Abu Khdeir ser sequestrado, os três foram encontrados mortos nas proximidades de Hebron.

Or Ben-Melech interpreta Yosef Haim Ben-David (E), em Our Boys. Reprodução via IMDb
O verdadeiro Ben-David ©, em 2014. Foto de Getty via Heavy

Até os distúrbios de maio deste ano — resultado da invasão policial israelense à Mesquita de Al-Aqsa em pleno Ramadã — , os eventos em Our Boys foram a última grande turbulência envolvendo Israel e Hamas. Finalmente, baseado nessas produções cinematográficas, percebe-se que as ficções a qual trabalham o cenário político no Oriente Médio podem, muitas vezes, ter um fundo de verdade.

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