Pânico toma conta de democratas após debate presidencial

No primeiro debate contra Donald Trump, Joe Biden demonstra fragilidade e levanta novas discussões sobre a sua saúde

Fran Geyer
Diplonite
6 min readJun 30, 2024

--

Donald Trump e Joe Biden se enfrentaram na última quinta-feira (27) | Justin Sullivan/Getty Images

Um dia depois do debate presidencial promovido pela CNN, o jornal estadunidense The New York Times lançou um editorial pedindo que o presidente Joe Biden desista da sua campanha para a reeleição. O Times não foi o único jornal a pedir que presidente desista de buscar um segundo mandato, diversos comentaristas seguiram a linha do jornal, incluindo um amigo do presidente, o jornalista Thomas L. Friedman que afirmou não se lembrar de um momento tão “deprimente” na história politica americana.

A saúde do presidente foi foco de grande preocupação para quem acompanhou a transmissão de quinta-feira. Aos 81 anos de idade, Biden já é o presidente mais velho da história dos Estados Unidos, e caso seja reeleito, terminaria seu mandato aos 86 anos. Não são recentes os questionamentos sobre as faculdades mentais dele, desde que Biden assumiu, sua capacidade de governar o país foi questionada inúmeras vezes.

Em fevereiro desse ano, um relatório sobre o caso da posse ilegal de documentos sensíveis afirmou que a memória do presidente era “nebulosa”, “confusa”, “defeituosa”, “ruim” e “severamente limitada”. Nesse mesmo relatório, um conselheiro especial afirmou que Biden não se lembrava de eventos marcantes da própria vida, como o tempo em que foi vice-presidente de Barack Obama ou a morte de seu filho Beau em 2015. Em uma conferência de imprensa, ele rebateu as acusações, e também atacou jornalistas.

Biden responde jornalistas sobre relatório que o chamou de um “idoso bem-intencionado com uma memória ruim” | Via The Washington Post

A ideia de que Biden sofreria de problemas de memória vêm sido muito usada como parte da propaganda da campanha de seus adversários, tanto o republicano Trump, como o independente (previamente democrata) Robert Kennedy Jr.

Em um evento com o G7, um vídeo onde Biden supostamente teria “se perdido” ao lado de outras lideranças foi usado para criticar seu estado mental. Posteriormente, uma versão completa do vídeo foi divulgada, mostrando que o presidente fora simplesmente conversar com um paraquedista. Em fevereiro, Biden afirmou ter “conversado com o Presidente francês François Mitterrand” — que faleceu em 1996. O atual presidente da França é Emmanuel Macron.

Com seu desempenho no debate de quinta, diversas lideranças democratas questionam a possibilidade de nomear outros candidatos, nomes como o da atual vice-presidente Kamala Harris surgiram. Ainda que seja quase certo que Biden fosse o nome democrata, a conferência anual do partido (que anunciará definitivamente um nome) só ocorre em 19 de agosto deste ano.

Até o momento, ambos os candidatos são apenas candidatos-presumidos, já que os republicanos também não nomearam definitivamente Donald Trump. Ainda não é possível afirmar como as recentes condenações dele podem afetar suas chances na convenção republicana, mas vale lembrar que nos Estados Unidos não existe nenhuma proibição que torne condenados inelegíveis.

Após o embate, a campanha de Biden lançou diversas publicações, filmadas em um comício feito logo após o evento, onde o Presidente reafirmou sua intenção de vencer.

Biden afirma que planeja vencer as eleições, momentos depois do debate

Essa seria a segunda vez que Donald Trump e Joe Biden se encontram em lados opostos das urnas em uma eleição presidencial. As eleições de 2020 se repetem, dessa vez com Biden na busca da reeleição. Essa foi a primeira vez que um presidente debateu um ex-presidente durante o período eleitoral.

Nas redes sociais, ambos os candidatos foram criticados por tornarem as discussões mais focadas em sua rivalidade pessoais do que nas questões politicas. Em um determinado momento, Trump e Biden passaram a discutir as suas habilidades em golfe. Os dois também afirmaram que o outro foi “o pior presidente da história dos Estados Unidos”, além de trocarem diversos insultos.

Biden e Trump discutem sobre golfe

Outro fato importante, é que a saúde mental de Biden não é a única que vem sido questionada pelo público. Trump foi acusado de estar nos estágios iniciais de demência, e médicos afirmaram que ele “provavelmente ficaria severamente debilitado nos próximos 4 anos”. O independente Kennedy também não escapou, já que em maio deste ano ele afirmou que médicos encontraram uma tênia morta em seu cérebro.

O primeiro debate do ciclo eleitoral de 2024 foi promovido somente entre Biden e Trump, já que o candidato independente RFK Jr não pontuou o suficiente nas pesquisas para ser convidado pela CCN. Outros candidatos também não pontuaram o suficiente para serem convidados. O evento contou com a mediação de Jake Tapper e Dana Bash, ambos jornalistas e comentaristas políticos.

Discussões Internacionais

Durante o debate, os candidatos discutiram brevemente questões importantes para o futuro da segurança global. O cargo de Presidente dos Estados Unidos tem importância global, já que a superpotência americana tem o maior arsenal atômico do mundo, além de presença militar em mais 170 países.

Ucrânia e OTAN

Em relação ao conflito na Ucrânia, Biden afirmou que “Trump encorajou Putin”, além de reafirmar seu compromisso com o esforço de guerra promovido por Zelensky, exclamando “você acha que ele (Putin) vai parar na Ucrânia?”. Desde o início da chamada “operação militar especial” em fevereiro de 2022, os Estados Unidos proveram armas e apoio estratégico aos ucranianos, que recentemente pediram para se juntar à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Por outro lado, Donald Trump afirmou que a guerra foi causada pela gestão de Biden da evacuação do Afeganistão, em agosto de 2021. Descrita por diversos analistas como “caótica”, a evacuação levou 123 mil pessoas para fora de Cabul, mas dividiu famílias e deixou para trás milhares de dólares em equipamento militar. Segundo o republicano, a “fraqueza americana” no Afeganistão teria mostrado a Putin que a reação estadunidense seria tímida. Trump negou que aceitaria os termos impostos por Putin para acabar com o conflito, mas afirmou que “resolveria” a guerra.

Em seu primeiro governo (2017–2021) o republicano frequentemente brigou com outros membros da OTAN, sua principal crítica seria o baixo investimento que nações europeias teriam em relação à sua defesa. Os Estados Unidos são o país que mais investe em suas forças armadas no mundo (quase 1 trilhão de dólares), e — de acordo com a perspectiva trumpista — isso corresponderia a uma “falta de esforço” dos europeus. Durante as suas falas em comícios recentes, Trump cada vez mais mostra um caráter isolacionista, preocupando aliados na OTAN.

Trump afirma que encorajaria a Rússia a atacar países europeus

Israel

Sobre Israel, Biden afirmou que os EUA são os maiores apoiadores do país, e que seu plano de paz tinha sido apoiado por todos os lados conflito, exceto o Hamas. Isso é uma mentira, já que o único lado que recusou qualquer tipo de armistício são os israelenses. Essa mentira foi aproveitada por Trump, que falou que caso eleito deixaria Netanyahu “terminar o trabalho” na Palestina. O ex-presidente também afirmou que “ele (Biden) se tornou como um palestino, e um palestino fraco”.

Prédios destruídos em Gaza | Foto: Ashraf Amra/Anadolu via Getty Images

A invasão israelense de Gaza já vitima mais de 37 mil palestinos, a maioria dessas consideradas não-combatentes. Sobre a violência no conflito, Biden afirmou que a única arma negada a Israel foram bombas de duas toneladas, já que elas seriam “ineficazes em zonas densamente habitadas”. O conflito foi classificado como um genocídio por diversos especialistas, e Netanyahu é réu de um processo na Corte Internacional de Justiça.

Questões domésticas

Os últimos dias de Trump no poder também foram discutidos, com os atentados de 6 de janeiro sendo foco das críticas de Biden, que relembrou o papel do ex-presidente em incitar a multidão. Seu adversário respondeu afirmando que “em 6 de janeiro, eramos um país melhor”, e negou que tenha incitado a violência.

Terroristas atacaram o capitólio em 6 de janeiro de 2021 | Foto: Evelyn Hockstein/The Washington Post

Outro ponto ressaltado por Trump foi a gestão de Biden da fronteira sul estadunidense. O republicano é conhecido por seu linguajar forte contra latinos, afirmando que construiria um muro na fronteira mexicana. Biden vem sendo criticado por uma recente onda de migração, ainda que sua administração tenha mantido diversas das políticas republicanas — contrariando suas propostas na campanha de 2020.

O primeiro debate presidencial trouxe novas questões a tona, com discussões fortes sobre a capacidade de ambos os homens de liderar o país. É perceptível que existe uma forte insatisfação com a liderança. Independente de quem vença, o próximo presidente terminará seu mandato com mais de 80 anos. Dessa maneira, a “revanche que ninguém queria ver” começa, e o mundo aguarda o futuro da política externa estadunidense.

--

--

Fran Geyer
Diplonite

Brazilian journalist living in Sweden. My work tends to be about Global Politics, Culture, Sociology or LGBTQ+ rights