Talibã 2.0 em busca da legitimidade e reconhecimento internacional
Entenda as estratégias do Talibã e seus motivos para desejar estar inserido no mundo global.
Por Luiza de Azevedo Menchik (originalmente publicado em 15 de novembro de 2021)
Exatamente três meses após a Queda de Cabul, o grupo Talibã voltou a controlar o Afeganistão após 20 anos. Embora a transferência de poder tenha ocorrido com poucas baixas, visto que as forças armadas oficiais afegãs não demonstraram resistência e o ex-presidente, Ashraf Ghani, tenha desertado, o regime ainda não consegue provar-se um país completo, mesmo tendo poder para impor sua vontade. A construção do Estado nacional, dá-se pela despersonalização da soberania, sendo ele a organização da vida política, não uma pessoa ou mais, dessa forma a troca de indivíduos no poder não necessariamente tem como consequência a continuação, fim ou início de um Estado. Logo, essa deficiência do incompleto regime do Talibã ocorre primordialmente pela falta de legitimidade e reconhecimento do novo governo na esfera internacional, pois conceitualmente um país moderno é estabelecido pelo consenso e reconhecimento.
O Estado é a institucionalização do poder e o mecanismo de controle e organização da sociedade em um determinado território, reconhecido externamente e legitimado internamente. Dessa forma, o Talibã enfrentará diversos desafios, caso queira manter-se no poder. A busca por reconhecimento internacional vem adquirindo grande importância para o novo governo vigente no renomeado “Estado Islâmico do Afeganistão”.
Desde a queda do primeiro regime do Talibã no Afeganistão, em 2001, o grupo aprendeu sobre a necessidade de não ser um pária internacional. Em seu governo anterior (1996–2001), o Talibã simpatizava, abrigava e apoiava grupos terroristas, como a Al-Qaeda, e não realizava esforços para incluir-se na comunidade internacional, além de conduzir políticas questionáveis e ferir os direitos humanos e os direitos das mulheres. Todos esses fatores, somados a interesses geopolíticos estratégicos por parte do governo norte-americano, tiveram como consequência a invasão militar estadunidense do Afeganistão, em 2001, após os atentados do dia 11 de setembro do mesmo ano. A invasão resultou na queda do Talibã e na ascensão de um novo regime de governo enviesado e manipulado pelos Estados Unidos. Atualmente, o Talibã não pretende cometer o mesmo erro de isolar-se da comunidade internacional, portanto a busca por legitimidade se mostra uma prioridade.
Legitimidade é um fator chave para se governar de fato no mundo atual, pois essa justifica o exercício da autoridade, visto que, sem ela, existe apenas a força. A legitimidade é a aceitação das partes e o consenso de que aquele governo é a melhor opção, ou uma opção aceitável e consentida. A definição de legitimidade de J.C. Piano e R. E. Riggs disserta que a legitimidade é um princípio indicador da aceitação das pessoas em relação à pessoa ou ao grupo de pessoas que comanda a esfera política. Essa aceitação se dá pelo fundamento de que o exercício deste poder está de acordo “com alguns princípios e procedimentos geralmente aceitos de conformidade com a autoridade”. Assim, legitimidade é primordial para se produzir e manter a crença de que os norteadores, guias e valores do governo vigente são os norteadores, guias e valores da sociedade. Apesar do conceito de legitimidade ser aplicado frequentemente na esfera doméstica, tratando da relação governo e povo, ela pode ser aplicada na esfera internacional.
O processo da construção da legitimidade internacional do Talibã está fundamentado em uma estratégia principal: na comunicação com o resto do mundo, especialmente com o Ocidente, e na fundamentação e construção de uma narrativa forte. O “Talibã 2.0” vem se mostrando extremamente comunicativo e ativo em redes sociais, provando ter se adaptado à nova forma de se estar no mundo. O grupo posta mensagens diariamente, em diversos idiomas. Essa atuação em redes sociais, maioritariamente no Twitter, tem como objetivo “falar a língua do Ocidente”. De acordo com o Banco Mundial, em 2017, somente 11,4% dos afegãs possuíam acesso à internet. O movimento nas mídias sociais do Talibã é extremamente focado em passar uma ideia nova do grupo para o exterior, mais adaptada ao aparato de comunicação internacional. Com isso, eles buscam o reconhecimento e a aceitação de países como China, Estados Unidos, Rússia, União Europeia e Organizações Internacionais. Entretanto, existe uma grande diferença entre o discurso oficial do grupo político e os relatos de civis e jornalistas.
Com poucas pessoas tendo acesso à internet, fica extremamente difícil verificar e provar verídicas ou falsas as falas do grupo. Assim, a estratégia do Talibã de “acalmar” o mundo como um todo com seu discurso adaptado, vem se provando eficaz, embora ainda haja muita desconfiança. Um dos motivos para isso é o de que, apesar de o Talibã ser um grupo bem organizado em certos aspectos, ainda há uma falta de identidade única no grupo e de uma liderança clara. A pergunta “quem é o Talibã?” ainda não pode ser respondida, devido a desavenças e divergências internas no grupo sobre a interpretação da sharia e de como governar o país.
Na Ásia, a construção da legitimidade e o caminho para o reconhecimento se dá de forma diferente. As potências China e Rússia já estabeleceram termos fixos e específicos que o Talibã deve cumprir, a fim de receber reconhecimento formal desses países. Ao ter o apoio das potências, o Talibã assegura que nenhuma medida será tomada contra si, devido ao notável poder de veto da China e Rússia no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). Entretanto, essa vantagem só será atingida após o grupo mostrar disposição e capacidade de limitar os ataques transnacionais planejados a partir do território. Os chineses preocupam-se principalmente com o separatismo uigur na região autônoma de Xinjiang, enquanto os russos têm preocupações gerais, focadas em grupos protagonistas, como a Al-Qaeda. Apesar das promessas do Talibã de não permitir que solo afegão seja usado para operações terroristas, ambos países estão retendo o reconhecimento formal internacional até que o Talibã demonstre capacidade de restringir a militância terrorista estrangeira em seu país.
Apesar da simpatia do Talibã por esses grupos, o reconhecimento oficial e a inserção na comunidade internacional aparenta ser uma prioridade. Ter acesso a tratados e acordos internacionais, assim como a inserção no comércio mundial, é fundamental para a reconstrução e estabilidade do Afeganistão, suposta preocupação do novo governo. Outro fator que impulsiona o grupo Talibã são os fundos de bilhões de dólares de auxílio internacionais destinados à infraestrutura, desenvolvimento e ajuda humanitária. Esses fundos estão atualmente congelados, justamente pela falta de legitimidade do Talibã.
Algumas questões chave ainda permanecem não respondidas. Manter grupos terroristas sob seu controle será o suficiente para o reconhecimento internacional, ou a luta pelos direitos humanos será requisito central do Ocidente? O grupo entrará para as principais Organizações Internacionais? E sendo questões humanitárias a maior suposta preocupação dos Estados Unidos, não deveriam eles liberar o fundo de dinheiro destinado para esse fim? Como se dará o processo da busca por aliados regionais do Talibã? Aguardemos os próximos capítulos.