Tentativa de golpe na Bolívia

As repercusões e motivos da tentativa falha de tomada do poder

Mirabeau Borba dos Santos Filho
Diplonite
4 min readJul 5, 2024

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Juan José Zúñiga preso após a tentativa de golpe de Estado | Foto: EFE/ STR

Na última quarta-feira, dia 26 de junho de 2024, as ruas de La Paz, capital do Estado Plurinacional da Bolívia, presenciaram o que foi considerado uma tentativa frustrada de golpe por parte do general Juan José Zúñiga. O militar seria oficialmente demitido de seu posto nas Forças Armadas Bolivianas naquele dia, após declarações de que o ex-presidente Evo Morales não deveria ter permissão para voltar a governar o país.

De acordo com a versão oficial, o movimento do general foi um ato isolado em relação ao comando militar, não tendo tido repercussão entre as forças armadas, e sem aliança ou cooperação com qualquer grupo político. O golpe teria sido uma ação desesperada de Zúñiga para permanecer em seu posto. Ao ser preso, o general levantou uma outra versão: tudo teria sido um show, um teatro armado pelo presidente Luis Arce para aumentar sua popularidade fragilizada junto ao eleitorado. A alegação gerou repercussão na mídia boliviana, angariando adeptos.

Arce é membro do partido Movimento ao Socialismo (MAS), o mesmo de Morales, com quem disputa poder interno e o protagonismo para as próximas eleições. Devido à crise econômica, a imagem do atual presidente se encontra prejudicada, o que favorece a escolha de Morales para a próxima corrida eleitoral.

A Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) enviou sua solidariedade ao presidente Luis Arce, seu governo e a todo o povo boliviano. Luis Almagro, Secretário Geral da OEA, declarou que “o exército deve se submeter ao poder civil legitimamente eleito”. Após uma reunião emergencial do governo brasileiro, o presidente Lula, do Brasil, declarou, na rede social X, que é “um amante da democracia” e que o país condena “qualquer forma de golpe de Estado na Bolívia”, afirmando ter um “compromisso com o povo e a democracia” bolivianos.

Segundo a CNN, a Bolívia teve 39 golpes, tentativas de golpes e conspirações frustradas desde 1946, sendo o país que mais registrou esses eventos desde o final da Segunda Guerra Mundial, somando, no total, quase o mesmo número de golpes que de anos de existência.

Conforme Carlos Solar, pesquisador sênior e especialista em Segurança Latinoamericana do Royal United Services Institute, disse à CNN, a interferência dos militares na política e a execução do alegado papel das Forças Armadas de proteger o povo da ingerência de determinados governos, que marcou o final do século XX por todo o continente, foram superadas por outros países, como o Uruguai, o Chile e a Argentina, mas não pela Bolívia, que mantém o que chamou de “ingerência das Forças Armadas”, o que dificulta “o fortalecimento das Instituições” republicanas. A crise do dia 26 ocorre um ano e meio antes das próximas eleições gerais, que foram marcadas pelo TSE (boliviano) para dezembro de 2025.

Quando da invasão do palácio, o presidente Arce encarou o general golpista frente a frente e ordenou a retirada das tropas, o que foi obedecido. Zúñiga foi demitido e novos comandantes foram nomeados para as três Forças Armadas. 17 pessoas foram presas e a normalidade se restabeleceu. A facilidade com que o golpe foi evitado foi explicada como resultado da falta de apoio dos demais comandantes à ação de Zúñiga, porém há quem diga que isso é um indício de que o general falou a verdade quanto a tudo ter sido encenado. De acordo com o jornal O Globo, o general era Chefe do Estado Maior desde 2022, e foi identificado por Evo Morales como envolvido em um plano para perseguir políticos.

O jornal El Deber aponta que o general declarou: “sou um militar de honra que está disposto a ofertar sua vida pela defesa e unidade da pátria. Nossa pátria, uma vez mais, está sendo ameaçada por inimigos internos e externos que buscam a divisão, a desestabilização e o ódio entre os bolivianos, para se apoderar dos recursos naturais em benefício de interesses mesquinhos e de grupos de poder que respondem ao caudilhismo” (tradução do autor). Além disso, ele afirmou que atuava pela libertação do que chamou de “presos políticos do governo”, como a ex-presidente interina Jeanine Añez e o ex-governador de Santa Cruz, Luis Fernando Camacho.

Segundo o portal de notícias France 24, o advogado de Zúñiga, Steven Orellana, informou que o general, agora preso, será acusado de terrorismo e levante armado. De acordo com a mesma fonte, o militar alegou ter recebido ordens do presidente Arce para “mobilizar veículos blindados diante do palácio do governo”, na mesma semana para a qual “se esperavam protestos de caminhoneiros com bloqueios de rodovias”, que acabaram por não se realizar. Por sua vez, o presidente Arce, ainda de acordo com France 24, afirmou não ser “um político que queira ganhar popularidade com o sangue do povo” e assegurou que o general agiu sozinho.

Conforme o Canal E, Juan Carlos Arana, diretor do Posdata TV, declarou que “A situação com Zúñiga é uma sorte de inconsistências que tem de ser investigada e espero que o parlamento tome ações e possa responder sobre esses vazios que te deixam um sabor muito estranho” (tradução do autor).

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