6 livros que tiramos da fila em 2018
Membros do coletivo Discórdia indicam leituras que marcam o ano que passou
Hoje (7 de janeiro) é celebrado o Dia do Leitor. E os membros do Discórdia, mais do que escritores, são leitores, daqueles dos quais a pilha de livros para ler está sempre muito maior do que a de lidos. Listamos aqui algumas das nossas leituras em 2018 — não necessariamente lançamentos do ano passado. Confira.
Flores para Algernon, de Charlie Gordon (Editora Aleph, 288 páginas)
por Camila Cruz
Nessa ficção, acompanhamos a saga de Charlie Gordon, um homem com grave deficiência mental. Ele sonha um dia ser inteligente e submete-se a um tratamento inovador que promete realizar tal façanha. A história é contada pelo próprio Charlie através de seus relatórios de progresso, inicialmente escritos cheios de erros e com ideias simplórias, porém muito humanas e esperançosas. Após a cirurgia, ele escreve cada vez melhor e passa a perceber a sua realidade e as pessoas a sua volta de uma forma completamente diferente. Sabe aquela máxima popular: “ignorância é uma benção”? Seu inverso se aplica à história de Charlie. O romance de Daniel Keyes é, na falta de uma expressão melhor, de cortar o coração. Aborda de forma sensível a condição humana e a percepção da realidade que nos cerca. Flores para Argenon foi publicado inicialmente em 1966. No Brasil, ganhou uma publicação recente pela Aleph. Já serviu de inspiração no cinema no filme ganhador do Oscar de melhor ator Os Dois Mundos de Charlie e um musical na Broadwayay.
50 Poemas de Revolta, de vários autores (Companhia das Letras, 144 páginas)
por Dani Rosolen
É preciso acreditar, mas também é necessário se indignar. É esta a mensagem de “50 poemas de Revolta”. Na antologia, composta por obras de 34 autores brasileiros, há um misto de esperança, desgosto e apatia com temas bem atuais, como ganância, opressão e ódio. A proposta, acima de tudo, é refletir (e não repetir) problemas que assolam o país há anos — e que têm grande chance de se multiplicarem ou piorarem. Mas sem desânimo, pois inspiração é o que não faltará com nomes clássicos e contemporâneos, como Carlos Drummond de Andrade, Conceição Evaristo, Ferreira Gullar, Hilda Hilst, Angélica Freitas e Cacaso. Boa revolta!
Subúrbio, de Fernando Bonassi (Editora Objetiva, 296 páginas)
Um velho e uma velha, numa casa fodida, num subúrbio de São Paulo, numa vida de merda, um rancor, um nada pra fazer. Um retrato duro, sincero e cruel. Cruel como é toda sinceridade. Essa é a primeira parte. Então aparece uma menina, ali da vizinhança, e a vida do velho, metalúrgico aposentado, ganha algum fôlego, um fôlego de peito cheio de catarro. Pigarro. A monotonia, a padaria, a cachaça, os panos de costura ganham cores borradas. Essa é a segunda parte. A primeira e a segunda parte compõem Subúrbio, livro de Fernando Bonassi lançado em 1994, mas que se tornou minha leitura favorita de 2018 depois de dois voos de 12 horas num período de 3 dias. Sem firulas, sem palavras difíceis, sem frescuras e sem medo de dizer o que precisa ser dito, Subúrbio é o livro também que diz muito sobre o ano que está terminando. 2018, o ano da catástrofe e da barbaridade anunciadas e normalizadas.
Em conflito com a lei, de Lucas Verzola (Editora Reformatório, 136 páginas)
Li este livro no final de 2017 e o reli em 2018, algo que faço raramente. Trata-se de um projeto literário difícil de definir, embora o leitor desavisado suponha ser apenas um apanhado de contos curtos sobre jovens infratores. Lucas Verzola os criou com base em autos processuais, conversas de oficina e textos de adolescentes em conflito com a lei. “Ainda que verossímeis, as narrativas fazem parte do universo da ficção”, adverte. Os textos têm quase sempre um parágrafo único e apresentam cenas flagrantes, por assim dizer — um conflito, uma situação derradeira, uma ação breve capaz de marcar para sempre a vida de um personagem. Alguns são violentos, outros são delicados; a maioria é violenta e delicada ao mesmo tempo, o que põe abaixo idealizações sobre a criminalidade, a pobreza e o sistema socioeducativo, além de permitir ao leitor uma aproximação com esse universo. Tudo pela via da humanidade, que não é boa nem má; é apenas complexa demais para ser reduzida a uma classificação, um preconceito ou um clichê do gênero “mocinhos x bandidos”. O autor usa recursos de apropriação, diálogos, formatos pouco convencionais como listas e documentos, entre outros. Mais do que esse ou aquele conto, é a consistência do projeto que sobressai. A edição cuidadosa da Reformatório contribui. O livro nos ajuda a compreender as contradições, as linhas de força e os paradoxos do que por vezes simplesmente condenamos como “violência”. Também ajuda a perceber que os conflitos com a lei não são “problema do outro”, a serem resolvidos pelo endurecimento das regras e das punições. Trata-se de uma falta grave de todos nós.
O que acontece quando um homem cai do céu, de Lesley Nneka Arimah (Editora Kapulana, 168 páginas)
Um livro de contos cheio de imagens belas e inventivas, que transitam do fantástico, a fábula e a ficção científica até o realismo. Ideias como um mundo em que as crianças são primeiro construídas a partir de materiais como lã, cerâmica ou lama e só ganham vida depois de mantidas a salvo por um ano ou uma equação matemática que é a tradução do universo e permite que Calculadoras possam subtrair a dor de outros me deixaram fascinada pelo livro e ansiosa para ler mais obras da autora.
Correio do fim do mundo, de Tomás Chiaverini (Editora Solo, 284 páginas)
por Alex Xavier
Confesso que quando o autor comentou comigo, há muito tempo, sobre seu futuro livro, meu primeiro pensamento foi: “precisamos de mais uma história com o pano de fundo da ditadura?” Eram outros tempos, nos quais defensores de uma nova intervenção militar no Brasil lembravam personagens caricatos de um programa de auditório de humor ultrapassado. Pois este romance foi lançado, de forma independente, bem no meio da última corrida presidencial, cujo vencedor seria um capitão reformado que passou toda a sua carreira política defendendo a tortura e torturadores. De repente, o livro se tornou um retrato atualíssimo da nossa sociedade, mesmo focando na amizade de dois jovens paulistanos no desenrolar do Golpe de 1964. A narrativa acompanha, em paralelo, um dos protagonistas nos dias de hoje, durante uma viagem de carro até a Patagônia argentina, algo que só fará sentido na última página. Diante do vigente cenário do país, a leitura ganha um caráter de urgência. Também jornalista, Tomás Chiaverini adota um estilo realista, inclusive inserindo os personagens em passagens históricas, a partir de uma ótima pesquisa. Mas em nenhum momento ele é didático e os dramas pessoais têm destaque de forma bastante sensível.
Se quiser ver a lista que fizemos das leituras de 2017, há um ano, clique aqui.
O coletivo Discórdia nasceu em janeiro de 2017, reunindo ex-alunos do Curso Livre de Preparação de Escritores (Clipe), da Casa das Rosas. Siga-nos também no Facebook e no Instagram.