Entre vistas: Dani Rosolen e Incabível

Luci Savassa
Discórdia
Published in
5 min readJun 3, 2019

Integrante do Coletivo Discórdia fala sobre seu primeiro livro, ‘Incabível’.

Capa do Livro/Editora Patuá

Dani Rosolen é poeta e escreve para elaborar o mundo dentro de si. Incabível (Patuá) é seu primeiro livro solo e foi uma maneira de compartilhar as dores e as experiências da anorexia e da compulsão alimentar para ajudar outras pessoas que passaram ou passam pelo mesmo problema. Já participou das coletâneas Não Pretendia Criar Discórdia (Giostri, 2017), Eros Ex Machina (@link, 2018) e Era de Aquária (Oito e Meio, 2019).

O lançamento acontece nesta quinta-feira (06 de junho), das 19:00 às 23:45, no Patuscada-Livraria, bar & café. Você encontra todas as informações no evento do Facebook. (Só clicar e confirmar presença! )

Dani, você é uma poeta de muita intensidade e quantidade. Mesmo jovem, já tem um número bem grande de poemas escritos. Uma passarinha me contou que são 400! Como funciona esse processo tão fértil na escrita? E por que você escolheu a Poesia?

Escrevo, pelo o que me lembro, desde meus 12 anos. Encontrei na poesia uma maneira de elaborar o que acontecia comigo e entender o que se passava com o mundo ao meu redor. Acho que colocar no papel o que eu estava sentindo me ajudava a dar sentido a tudo. Na verdade, eu tenho um pouco mais que 400 poemas. A maioria não tem qualidade (risos), mas está lá na minha lista, fez parte da minha história e um dia ainda pode virar algo melhor. Vai saber...

Como foi o processo de seleção dos poemas que entraram no Incabível? Tem algum que você se arrepende de ter deixado de fora?

Justamente por acreditar que o que já foi feito e não tinha valor em determinado momento pode passar a ser precioso mais adiante é que acho que vale a pena escrever e anotar tudo o que vem à mente. Os poemas de Incabível são um misto de poucas poesias que escrevi (e não valorizei) na fase em que estava doente, mas que me incitaram a escrever a maioria dos poemas que compõe o livro. Ou seja, não houve bem uma seleção. Peguei uns cinco, seis poemas que já tinha sobre o assunto, mergulhei no tema, revivi minha história e dali nasceram novas criações. Sobre me arrepender, sempre acho que poderia ter falado algo mais. Mas a rotina de quem tem transtornos alimentares é meio repetitiva, por isso acredito que alguns poemas acabaram falando mais do mesmo, reforçando, de certa forma, essa questão da doença. Ou seja, talvez escrever mais seria apenas redundância.

Dani Rosolen/Acervo Pessoal

O tema do livro está relacionado com sua experiência pessoal. Por que você escolheu escrever sobre esse tema e por que decidiu publicar seu primeiro livro justamente sobre algo tão particular? Doeu ou aliviou?

Escolhi falar sobre algo que ainda acho tabu: um transtorno psiquiátrico e a questão da autoimagem que perturba muitas meninas e meninos, mas que ainda é tratado à quatro paredes e não como um tema que deveria ser esmiuçado às claras e sem medo de julgamentos. Quem nos dias de hoje nunca teve que recorrer a um psicólogo, precisou de um floral ou de alopatia? As pessoas têm medo de falar de depressão, de mostrar a vulnerabilidade, de dizer que sofrem. Eu quis escancarar isso. Doeu muito reviver toda a fase mais conturbada da anorexia e da compulsão, mas posso dizer que foi uma das melhores terapias que fiz.

A abordagem do assunto, à primeira vista, pode parecer muito restrita; mas qualquer pessoa que tenha se sentido desconfortável dentro de si mesma, -seja por questões físicas ou não-, com certeza vai se identificar. Qual a importância de falar sobre autoimagem e que pontos urgentes essa reflexão atinge?

Acho que não só pessoas com transtornos alimentares podem se identificar com o livro, mas qualquer um em uma sociedade que nos obriga a estar dentro de um padrão. Em que a mídia, as novelas, as séries, as celebridades, as empresas e, às vezes, até nossa família, dizem que devemos nos vestir de um jeito, gostar de tal estilo de música, consumir alimentos do tipo x, manter o corpo da forma y. Cada um é único, cada um deve fazer suas próprias escolhas. Mas volta e meia nos pegamos presos ao que os outros esperam de nós e não ao que realmente queremos para nossa vida.

Como a Dani de hoje se relaciona com autoestima e como ela encontrou um caminho saudável para lidar com ela? Nos mostre um pouco dessa trajetória e em que ponto ela está hoje.

Sempre tive baixa autoestima, mas acho que hoje sei os gatilhos que me deixam down, sei que não é só o físico, que são coisas internas mal resolvidas que precisam se organizar para que eu me valorize. A partir do momento que faço essa reflexão, as coisas começam a mudar. Quando paro para pensar em todos os meus privilégios, vejo que minha autoestima deveria estar lá em cima e que eu deveria estar lutando para ajudar outras pessoas a elevarem seu amor próprio.

Para nós, mulheres, o caminho de aceitação do próprio corpo é muito mais árduo e até mesmo cruel. O movimento feminista tem conseguido questionar algumas certezas, destruir alguns padrões; porém, ainda estamos em processo. Como você sente esse avanço? A luta coletiva pode ajudar na autoaceitação ou não está relacionada ao individual?

Acredito que o movimento feminista tem ajudado muito nessa luta, mostrando que é preciso quebrar padrões enraizados e que nos sufocam há muito tempo. Juntas, com certeza somos mais fortes. Mas cabe a cada uma compreender, no seu tempo, o que é estar bem consigo mesma. Às vezes, isso não tem nada a ver com a aparência. É algo bem mais profundo e que precisa de uma auto análise para saber onde o calo aperta.

Que conselhos você daria para as novas gerações de meninas e mulheres que se sentem ainda incabíveis?

Meu conselho é: não tente se encaixar em padrões. Você é única e essa é sua maior vantagem, seu maior encanto.

Hoje, ao se olhar no espelho, que Dani você vê? Como é esse reflexo?

Vejo uma Dani mais madura, longe de não ter crises, mas consciente de que elas podem ser superadas e o que o tempo é capaz de cicatrizar muitas dores e ajudar a consertar as peças que a mente nos prega.

O que já coube antes, -naquelas Danis-, e hoje não cabe mais, na Dani que você vê refletida aqui e agora?

Hoje cabe em mim mais perdão, mais flexibilidade, mais vontade de mudar, mais amor próprio, menos rigidez. Não cabem mais regras imutáveis, autoflagelações ou pena.

O livro está à venda aqui.

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Luci Savassa
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