luza

Filipe Souza Leão
Discórdia
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3 min readAug 16, 2017

Recife, 28 de Setembro de 2004

Para: Laís

É só eu sair daqui que eu caso contigo. Eu caso, juro que caso. Te levo embora comigo pra bem longe de tudo. Desse homem, da tua mãe, da tua família. De tudo. Eu vejo tu sofrendo. Tu diz que não, mas eu sei que sofre. Sofre que só a mulesta. Eu vejo daqui. De noite no meu quarto eu vejo tu na televisão, depois que eles desligam, chorando com saudade de mim. Mas aí quando tu vê que eu te vi dentro do tubo da Panasonic, tu enxuga os olhos e diz que não é nada não. Zóinho azul chei d’água, que nem o mar daqui. Eu vou te trazer pra tu conhecer. Pra tu ver o mar. Mas eu preciso te salvar primeiro. Já já eu chego. É que todo dia de manhã quando eu acordo disposto, Arlindo, o gordo, vem e me lasca. Ele vem com aquele rabo grande dele. Olha o azulzinho. Haldol. Quando não é Arlindo, é Manoel. Sarará dos infernos, bicho ruim. Arlindo é meu amigo, Manoel não. Eu preciso te amar, minha pedrinha. Pedrinha de seixo do São Francisco. Pedra lisinha, igual tua pele. Eu tô perto de sair e a gente vai ser feliz. Vamos ter uma casinha, uns pintinho e uns pretinhos dos zóio azul. Eu não vou deixar tu se casar com esse homem. Zé de Inácio não é homem pra tu. Tem dinheiro? Tem. Mas eu sei que tu não ama ele. Tem meio mundo de cabra, uma caminhonete e uma casa de dois andares? Tem. Mas eu sei que tu não ama ele. Tu não me dissesse, mas eu sei. Coisa boa foi eu entrar aquele dia na igreja pra te salvar. Tu chorasse porque não queria que me levassem, né? Eu sei. Zé de Inácio, eita miserávi ruim de morrer. Se fosse homem bom, tinha morrido. Mas vaso ruim né? Três furos de peixeira e tá aí marcando de novo pra casar contigo. Eu soube. Alguém me disse.

Quando eu tô tomando um ventinho no pátio, eu só lembro de tu chorando. Chorasse sentindo minha falta não foi? Foi. Tu chora toda noite. Mas eu vou aí e não vou deixar isso não. Vou lamber a água salgada da tua lágrima. Salgada igual água do mar que tu não conhece. A lua de mel da gente vai ser na praia, no mar, mas tem que ser um mar azul, igualzinho ao teu olhinho azul. Luza. É azul de trás pra frente, sabia? Enquanto eu tô aqui, vai visitar mãe, tua sogra. Doutor Antônio disse que já já eu saio. É só ter fé, ele disse. Disse que se sou católico eu tenho que rezar e ter fé. Quanto mais fé eu tiver, mais perto dele me liberar. Eu tô cheio de fé, então tá perto. Aí a gente casa. E no casamento eu não quero Padre Eugênio não, tem que ser outro padre. Nem quero tua mãe também. Vai ser eu, tu, o padre, mãe e Glorinha, minha irmã. Tua família não gosta de mim. Só tu gosta. Da tua família inteira, só tu. Dizem que aqui só entra doido. Eu sou doido por tu. Só se for. Um beijo minha flor, a flor mais linda de Tuparetama.

Beijo,

Nino

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Filipe Souza Leão
Discórdia

Nasci em Maceió, cresci no Recife, vivo em São Paulo e escrevo.