Por trás da tela, o ódio: a perseguição sofrida por Lola Aronovich em fóruns anônimos na internet

Bruno Militão Garcia
Discursos de ódio na Internet
13 min readDec 14, 2020

Por Bruno Militão, Luana Franzão e Maria Luísa Bassan

Lola Arnovich tornou-se símbolo de reação a violências na internet, e sua história torna-se objeto de estudo sob as perspectivas de Diana Barros e da escola de discursos francesa neste artigo [Ilustração: Luana Franzão]

O verbo discursar, assim como as palavras dele derivadas, como o substantivo discurso e o adjetivo discursivo, tem origem no latim de percorrer, atravessar, correr por várias partes, o que leva, também, a discorrer. Interessante pensar nessa semântica, ainda que ligada ao campo distante da etimologia, daquilo que tem seu curso, que corre. O discurso, assim, é um objeto vivo, um amálgama pulsante de significação e poderes dos quais, como nos mostra Foucault, queremos nos apoderar.

Uma das possibilidades de ação do discurso configura-se por meio da materialização ideológica de sujeitos que agem sobre ou que estão suscetíveis a esses discursos e, portanto, assujeitados por eles. O campo onde se inserem os discursos são lugares de tensão e disputas pelo estabelecimento da ideologia dos sujeitos de agência ou dos assujeitados. Foucault frisa que discursos não só traduzem “as lutas ou os sistemas de dominação” (1996, p.10), representadas pelas disputas de hegemonia, como também são aquilo, em si, pelos quais se luta. Trata-se, portanto, também de disputa entre hegemonia e contra-hegemonia.

O que diria Michel Foucault se tivesse uma conta no Twitter? [Ilustração: Luana Franzão]

Dessa forma, os discursos mostram-se como uma forma potente de significação que, no entanto, contrasta com a sua configuração frágil. Essa fragilidade é apresentada ao analisarmos as relações entre poder, sujeito — já apresentados — e verdade. Aqui, tratamos verdade como acontecimento, como construção que, por estar em constante transformação (o que se reflete nos discursos), contribui para o lugar de tensão e fragilidade em que as formações discursivas se inserem.

Essas formações discursivas, os discursos estruturantes, contribuem, quando não a definem, para a determinação da verdade. A verdade, lida como o verdadeiro em uma certa época, “sua relação com a sua referência”(1996, p.15), é definida pelos sujeitos de agência, históricos, assujeitados pelo pensamento hegemônico e determinados pelas estruturas de poder.

As disputas de hegemonia dos discursos e as constantes mudanças pelas quais as formações discursivas passam contribuem para a situação de tensão em que se inserem os discursos. Assim, a internet, as mídias digitais e as redes sociais configuram-se como um lugar privilegiado para a análise das disputas e dos processos de reconfiguração discursivas, em especial ao se considerar a efervescência e as tensões nos debates político-sociais presentes nessas esferas e o que Barros (2016) define como uma das características particulares de discursos na internet: “exacerbação da intensidade na interação e da extensão na duração e alcance desses discursos”.

O ambiente digital, por conta de suas características próprias, desencadeia a produção de discursos de agressão, preconceituosos, que são intensa e extensamente divulgados. Segundo Barros, as possibilidades tanto de fala quanto de escrita são potencializadas, ou seja, as características de cada uma, fala e escrita, que estimulam a reprodução e compartilhamento de discursos estão presentes no meio digital.

Além disso, o público e o privado não apresentam oposição. Segundo Barros, “preferências individuais, próprias da privacidade do sujeito, são expostas e submetidas às leis públicas ou se tornam regras públicas” (2006, p.12). Ou seja, na posição de sujeito de poder e saber que tem sua voz ampliada no ambiente virtual, opiniões privadas são expostas e colocadas de maneira a parecerem regras públicas, verdades, sem o risco de tê-las criticadas.

Os espaços de tensão da internet encontram-se com os espaços de tensão em que os discursos, especialmente os embates entre discursos, estão inseridos, gerando uma atmosfera de intolerância caracterizada pelo excesso. Os estudos da intolerância representam, em si, um objeto distinto para a análise do discurso. Ao analisar os discursos da intolerância na internet, Barros abarca dois espaços ímpares para futuros estudos, que podem ser feitos por meio de objetos empíricos diversos, tamanhos são o ambiente digital e a quantidade de discursos ali presentes.

Estudos discursivos da intolerância sob a perspectiva de Diana Luz Pessoa de Barros

Diana Luz Pessoa de Barros, professora emérita da Universidade de São Paulo [Ilustração: Luana Franzão]

Antes de tomar exemplos para os estudos dos discursos de intolerância na internet, vamos nos concentrar em alguns dos conceitos trabalhados há bastante tempo pela professora, pesquisadora e semioticista Diana Luz Pessoa de Barros, uma das maiores referências no País em linguística, análise do discurso e a obra de Algirdas Julien Greimas.

Tomaremos como referências os conceitos abordados no artigo de 2016, em que reflexões e propostas teórico-metodológicas são retomadas e conclusões, em especial sobre o ator das enunciações excessivas, são apresentadas. Acreditamos ser a escolha da referência acertada também porque os objetos analisados pela professora são oriundos dos meios digitais: sites e blogs da internet.

Segundo Barros, são três os principais aspectos recorrentes em discursos intolerantes. Sua organização narrativa apresenta-os como discursos de sanção, de penalidade contra os indivíduos que violam leis, “considerados como maus cumpridores de certos contratos sociais”, a saber: contratos de branquitude, de pureza de língua, de identidade religiosa, de heterossexualidade. A penalidade se revela a esses indivíduos justamente por não seguirem essas leis, serem “maus cidadãos, maus atores sociais”.

Apesar de buscarem mostrarem-se racionais, os discursos intolerantes possuem caráter fortemente passionais. Barros enfatiza as paixões do medo e do ódio, como ela denomina. As paixões malevolentes, do ódio, se manifestam por meio da antipatia, do ódio, da raiva àqueles que não cumpriram os “acordos sociais”.

O segundo tipo de paixão trata do medo do “diferente” e dos danos que pode causar. Vemos esse caso de forma mais concreta, a fins de exemplo, em casos de xenofobia que buscam afirmarem-se corretos baseados no pensamento de que os estrangeiros roubam vagas de emprego, nas escolas e nas universidades, por exemplo.

O terceiro aspecto apontado pela professora diz respeito aos percursos temáticos e figurativos dos discursos intolerantes. Segundo Barros, baseiam-se na “oposição semântica fundamental entre a igualdade ou identidade e a diferença ou alteridade”, a partir da qual temas e figuras são construídos. Ou seja, é a partir da identificação dos seguidores das leis sociais — simulacros construídos — que se identifica o diferente, aquele a quem se destina a intolerância.

Dentre as figuras mais comuns elencadas estão a desumanização ou animalização do outro; a anormalidade do diferente, daquele que age contra as natureza; o caráter doentio da diferença, seja do ponto de vista físico (o “feio, esteticamente condenável”) ou psicológico (ignorante); a imoralidade, a falta de ética do outro.

Discursos na internet

Dos discursos na internet, duas características são ressaltadas: sua complexidade, no que diz respeito às modalidades falada e escrita; e sua “organização enunciativa e veridictória”, segundo termos definidos por Barros.

Na internet, os discursos têm seus sentidos exacerbados na medida em que englobam “as possibilidades de interação das duas modalidades: a interatividade intensa, a longa conservação de seus conteúdos e a grande extensão de seu alcance”. Ou seja, os atributos tanto da fala quanto da escrita que possibilitam maior alcance e interatividades estão presentes nas redes.

A condição enunciativa e veridictória desses discursos diz respeito ao fato de serem considerados verdadeiros, “serem e parecerem verdadeiros”, como pontua Barros, desmascarando mentiras e revelando segredos.

Nesse tipo de discurso ainda, em razão da intensa interatividade das redes, o destinador das mensagens acaba se tornando também destinatário: o “autor-destinatário”, como chama Barros, acredita e confia nos discursos que também são seus. Esse processo ainda é agravado pela formação das chamadas “bolhas” nas redes sociais, nas quais a interação se dá apenas com outros que sabem e/ou pensam o mesmo que você.

Concluindo com a análise dos discursos de excessos, Barros aponta que discursos intolerantes e preconceituosos ampliam os excessos e constroem “os tsunamis de ódio de que a imprensa e a sociedade tanto falam nos tempos atuais”. Além de por meio temas já citados desenvolvidos por esses discursos, a inferioridade dos maus cumpridores dos contratos sociais é construída pelo fato de serem intelectuais de esquerda (ou serem aceitos e defendidos por esse grupo) e serem parte das comunidades universitárias, mais comumente as públicas, como mostra a professora com passagens de posts dos blogs “Reis do Camarote” e “Tio Astolfo, em prol da filosofia do estupro”.

Os discursos intolerantes atingem seu ápice na configuração de discursos de excesso, os quais não aceitam “o diálogo, a resposta, a polifonia, a polêmica de vozes. Monofônico e homogêneo ele é o discurso da verdade única e incontestável, da triagem levada às últimas consequências”. Estas características são alcançadas também pelas possibilidades de suporte na internet — sendo sempre ligados a questões políticas, como as apontadas anteriormente.

O caso Lola Aronovich

Trecho da reportagem “Lute Como uma Garota”, sobre a história da blogueira Lola Aronovich. Narração: Maria Luísa Bassan

Dolores Aronovich Aguero, conhecida como Lola Aronovich, é blogueira, professora universitária na Universidade Federal do Ceará e ativista pelos direitos das mulheres.

Em 2008, criou o blog Escreva Lola Escreva, dedicado a falar sobre produções culturais, situações cotidianas e notícias que ganharam — ou deveriam ganhar — mais espaço de debate. Nas postagens, ela comumente promove reflexões sobre o patriarcado, o machismo e a misoginia, inserindo também sua vivência como ativista.

A blogueira, ativista e professora Lola Aronovich (Foto: Arquivo pessoal/Reprodução) [Ilustração: Luana Franzão]

Seu primeiro choque com a misoginia dos grupos de ódio na Internet veio por conta do caso Eloá. Em comunidades da rede social Orkut, usuários exaltavam o assassino de Eloá como herói, e apontavam que seu único erro fora não tirar a vida de Nayara, amiga de Eloá e também vítima do sequestro.

Entre 2010 e 2011, Lola descobriu que também era vítima desses grupos. Os membros tinham o mesmo perfil: homens, brancos, cisgênero, héteros, de direita, racistas, homofóbicos e, principalmente, misóginos. Eles se autointitulam masculinistas — ou seja, ativistas pelos direitos dos homens –, e acreditam que, atualmente, vivemos em uma sociedade matriarcal cuja maior vítima é o homem branco hétero. Com as conquistas dos direitos das mulheres ao redor do mundo (luta por equiparação salarial, legalização do aborto em alguns países, maior presença feminina no mercado de trabalho), a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo e políticas públicas como as cotas raciais nas universidades, os masculinistas pensam que estão perdendo espaço, que agora não há mais o apreço pela “moral e bons costumes”. As mulheres já não querem homens bons como eles, e por isso, elas são o principal motivo de eles não conseguirem estabelecer uma relação com o sexo oposto. Os papéis sociais estão bagunçados e eles precisam lutar para consertá-los.

Lola, por sempre fazer parte da luta feminista, era vista pelos masculinistas — ou “mascus”, como chegou a apelidar — como uma ameaça. Sofreu sabotagens, ameaças de agressão e estupro, teve dados pessoais vazados. Uma de suas maiores lutas foi contra Marcelo Valle Silveira Mello, criador do fórum Dogolachan.

Marcelo era figura presente nas comunidades de ódio do Orkut. Em 2009, tornou-se o primeiro brasileiro a ser condenado por racismo na Internet, por conta de postagens contra a política de cotas da universidade na qual estudou por um semestre, a Universidade de Brasília.

Em 2011, ocorreu o massacre do Realengo, no Rio de Janeiro. Wellington, o autor da chacina, matou dez meninas e dois meninos na escola onde estudou, e cometeu suicídio antes de ser detido. Muito se especulou sobre a natureza do crime, mas pouco foi analisado sobre a discrepância entre as vítimas. Testemunhas afirmaram que Wellington atirava nos meninos para ferir, e nas meninas para matar. Descobriu-se que ele participava de fóruns masculinistas.

Pouco tempo depois do evento, um dos maiores blogs de ódio, conhecido como “Silvio Koerich”, foi fechado sem explicações. Uma outra página foi criada, com conteúdos ainda mais preconceituosos contra mulheres, negros e LGBTs. Após inúmeras denúncias, descobriu-se que um dos seus criadores era Marcelo Valle Silveira Mello, juntamente com Emerson Eduardo Rodrigues. Eles foram presos pela Operação Intolerância da Polícia Federal em março de 2012 e condenados a quase sete anos de prisão, contudo, saíram em 2013. Nesse mesmo ano, Marcelo criou o Dogolachan.

O fórum anônimo é mais um dos chans que funcionam como espaço para reunir homens cujas frustrações pessoais são incentivadas a serem transformadas em ação. Conforme citado anteriormente, esses usuários que alimentam ódio às mulheres, negros e LGBTs encontram outros que também se identificam com a ideia de ameaça às suas posições de poder. Como forma de garantir as normas sociais, eles discutem, incentivam e realizam ataques, dentro e fora da esfera virtual. Cultuam autores de massacres ao redor do mundo. Os atiradores Guilherme e Luiz Henrique, autores do massacre de Suzano, eram membros do Dogolachan e buscaram apoio e planejamento na plataforma.

A alta interatividade e o longo alcance das postagens, unidos ao anonimato, tornam os chans perigosos e difíceis de monitorar por completo. Lola Aronovich soube do Dogolachan porque o próprio Marcelo passou a enviar o link de diversas postagens direcionadas à blogueira, que iam desde xingamentos a ameaças de morte e estupro.

Além do fórum, ele criava blogs de ódio, cujo objetivo era divulgar sua ideologia, atrair pessoas que pensassem como ele e atacar os considerados “inimigos”. Silvio, marido de Lola, chegou a ter suas informações pessoais vazadas. Fake news relacionadas às aulas da Lola na faculdade eram criadas, de forma a desmoralizá-la. Os seguidores de Marcelo chegaram a ameaçar um atentado na universidade em que a blogueira leciona caso a mesma não fosse exonerada. Entre 2012 e 2017, Lola registrou 11 boletins de ocorrência contra Marcelo e sua quadrilha.

Em 2018, Marcelo Valle Silveira Mello foi preso pela Operação Bravata, da Polícia Federal. Ele foi condenado a 41 anos de prisão, por crimes como racismo, divulgação de imagens de pedofilia e terrorismo.

No mesmo ano, foi sancionada a Lei nº 13.642/18, que permite a investigação de crimes de ódio contra a mulher na internet — a primeira a utilizar a palavra “misoginia” em sua descrição. Ela foi apelidada de “Lei Lola”, em homenagem à blogueira e sua história de luta e resistência.

Barros e Lola sob uma perspectiva de estudos dos discurso francesa

Foucault nos auxilia a refletir sobre a incessante “vontade de verdade” presente em discursos de ódio [Ilustração: Luana Franzão]

Após refletir sobre as pesquisas de Barros e interpretá-las com base nas experiências vividas por Lola Aronovich, é possível traçar paralelos com alguns autores sob as lentes da interpretação do discurso francesa.

Michel Foucault, por exemplo, em aula que tornou-se o livro ‘A Ordem do Discurso’ (1996) , delineia três sistemas de exclusão do discurso: (1) A palavra proibida; (2) A palavra do louco; e (3) a vontade de verdade. Nesta análise, vamos nos concentrar no terceiro conceito, a tal “vontade de verdade”.

Em outro trecho da mesma obra, o filósofo descreve o sentimento causado pelo atravessamento constante de si pelos discursos em conflito a seu redor.

“Existe em muita gente, penso eu, um desejo semelhante de não ter de começar, um desejo de se encontrar, logo de entrada, do outro lado do discurso, sem ter de considerar do exterior o que ele poderia ter de singular, de terrível, talvez de maléfico” (1996, p. 6)

A partir desta fala, podemos pensar o sentimento descrito pelo estudioso com uma emoção comum a quase todos, em especial em tempos de redes sociais. Se um dia vivemos a escassez de informação, hoje vivemos a tempestade. Notícias, verdadeiras e falsas, nos percorrem diariamente, exigindo muito do senso crítico individual. Por vezes, podemos nos sentir cansados de sentirmo-nos contrariados ou sofrer desilusões com a realidade: o acesso constante à informação é essencial, mas manter os pés no chão pode ser duro, afinal, o mundo não é simples. Uma afeição nomeada por Foucault como “asperidade das coisas”.

Desta forma, um discurso negacionista ou de ódio pode parecer uma alternativa menos dolorosa para sobreviver ao cotidiano para algumas pessoas. Alguns deles apontam a culpa de todas as mazelas em um grupo de pessoas ou ideias. No caso de Aronovich, por exemplo, seus perseguidores apontavam as mulheres como causadoras de sua aflição — e por supostamente infringirem tanto mal a ele e aos seus, elas deveriam ser punidas.

Essa punição, como vimos anteriormente, pode ser cruel, em especial por trás do anonimato.

Ao acreditar que existe apenas um inimigo a ser combatido, culpado por tudo o que há de ruim — os esquerdistas, as mulheres, os homossexuais, os judeus, entre muitos outros bodes expiatórios que passaram por esse processo — , o indivíduo vive dentro de uma bolha ideológica (BARROS, p.12) e se esconde do conflito discursivo, foge da complexidade de uma realidade formada por milhares de discursos, pontos de vista e rusgas.

Dentro dessas bolhas, ou câmaras de eco, Barros delineia alguns padrões discursivos. Um deles é a organização enunciativa e veridictória. Os expoentes de ideias intolerantes costumam advogar por seus preceitos usando uma linguagem enfática, fatos distorcidos, entre outras artimanhas para inspirar credibilidade.

“Em relação à veridicção, os discursos da internet são, em geral, considerados verdadeiros, ou seja, que parecem e são verdadeiros, e, mais do que isso, que eles são discursos que desmascaram a mentira ou revelam o segredo. A interpretação como discurso verdadeiro e também o desmascaramento da mentira e a revelação do segredo decorrem do efeito de sentido de grande quantidade de saber armazenado pela internet e do de interatividade acentuada. O destinador desses discursos é colocado na posição de sujeito do saber e seu destinatário, devido à interatividade intensa já mencionada, deles se considera, em boa parte, também como “autor-destinador”. Esse destinatário, assim construído, acredita e confia nos discursos que também são “seus”” (BARROS, p.6)

Foucault discorre em sua obra também sobre como a busca por elementos factíveis guia a estruturação dos discursos — eles têm um caráter coercitivo e buscam estruturação no verossímil: fatos, teorias, experimentos (FOUCAULT, p.19).

Dentro desta luta infinita pela hegemonia e pela contra-hegemonia, os discursos intolerantes aparecem na contramão dos preceitos estabelecidos pelos pensadores analisados. Na luta discursiva de Foucault e Barros, a ciência da linguagem é dinâmica, em permanente convulsão. Os discursos intolerantes e odiosos, por sua vez, acreditam-se merecedores de uma hegemonia absoluta: crentes de que percebem e difundem uma verdade única, sustentada por supostos fatos inegáveis, por que então disputar este lugar com outras ideias tão evidentemente equivocadas?

Os discursos de ódio, principalmente na internet, onde encontraram solo fértil para proliferar-se, se espalham como ervas daninhas no campo dos debates ideológicos. Pensamentos únicos plantam a semente da inconformidade e da vilanização, e passam a usar comentários de redes sociais como forma de denunciar a estupidez, a ignorância, a cegueira alheia, em um movimento centralizador e negacionista.

Nos construímos e destruímos todos os dias através dos discursos que nos perpassam. Cada indivíduo encontra seu sentido na mistura única de ideias que lhes dá identidade.

As perspectivas futuras não são as melhores: apesar dos esforços de barrar a desinformação e o ódio, como foi o caso dos selos de aviso de fake news no Twitter, tende-se à manutenção das bolhas de dos tsunamis de ódio no meio digital.

Acreditamos no estudo da linguagem e das redes digitais — a saber, a literacia midiática — como sendo uma forma de viabilização do combate efetivo à desinformação e, consequentemente, à intolerância.

Bibliografia

BARROS, Diana Luz Pessoa. “Estudos discursivos da intolerância: o ator da enunciação excessivo”. In: Caderno de Estudos Linguísticos. Volume 58, número 1, jan./abr. 2016.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996.

LUTE COMO UMA GAROTA. Uol, 29 de março de 2019. Disponível aqui. Acesso em: 13 de dezembro de 2020.

‘O DIA EM QUE O CARA QUE QUIS ME DESTRUIR FOI CONDENADO A 41 ANOS DE PRISÃO’. The Intercept Brasil. 21 de dezembro de 2018. Disponível aqui. Acesso em: 13 de dezembro de 2020.

--

--