Quem não tem cão…

Alan de Sá
Disk Macumba
Published in
5 min readJan 12, 2022

— Suporte técnico, Disk Macumba, Sete Saias, bom dia.

— Bom dia, dona Pombagira.

— Oi Antônia, como que vai, minha filha?

— Ah, é aquele negócio, né? Bem, bem, bem, a gente não tá. Mas tamo indo aí do jeito que dá.

— Amor é sempre um bicho complicado, né não?

— Era justamente sobre isso que queria falar com a senhora.

— Eu imaginei, essas buchas sempre caem no meu colo. Mas diga, do que precisa?

— Lembra que a gente tinha feito aquele trabalhinho láááá no início do ano, pra arrumar um homem?

— Lembro sim, o das sete calcinhas com rosé chileno.

— Então, funcionou. A gente tava muito bem, mas depois da pandemia, o negócio desandou. Aí quando foi outro dia ele saiu, disse que ia comprar pão, voltou pra casa e já foi arrumando as coisas. Disse que reencontrou a ex dele, tava apaixonado por ela e ia voltar. Eu nem sei mais o que fazer, viu? Robson era tudo pra mim.

— E tu quer ele de volta, é?

— Se possível, sim.

— Deixa eu só dar uma olhadinha aqui na tua situação, tá? Ó, tenho uma notícia pra tu.

— A senhora vai conseguir?

— Vou não, teu cadastro tá bloqueado no Disk Macumba.

— Oxe, eu nem fiz nada?

— Então, eu vi aqui que no dia quinze de maio tu postou uma foto com Robson no Facebook: “feliz demais de ter te encontrado, um presente de DEUS”, com letras maiúsculas, “na minha vida #blessed #gratidao”.

— E o que é que tem?

— É que isso fere nossa política. Se tu for olhar nos termos e condições, vai ver no artigo cinco, parágrafo três ponto um, que “é expressamente proibido agradecer, citar, bendizer ou exprimir bonanças, de forma física ou virtual, para qualquer outra divindade à respeito de uma conquista advinda dos esforços do Disk Macumba, com possibilidade de bloqueio do cadastro e liberação somente após correção do feito no mesmo veículo e forma, utilizando do mesmo espaço, quantidade de caracteres, pictografia, cores e formas”.

— Eu entendi foi nada.

— O que eu tô dizendo é que tu tá com tua conta bloqueada porque disse que o macho que eu te dei foi Deus quem te deu.

— E não pode não, é?

— Eu lá tenho cara de Deus, menina? Oxe. Eu sou é Sete Saia, rapaz. Minha pele é ó, boa toda, cabelinho bem cuidado, unha pintadinha. Lá tenho cara de véio barbado barrigudo e rabugento nada, oxe.

— Mas aí é só eu postar outra marcando a senhora, né não?

— Seria, mas já passou o prazo de três dias. Agora só com outro trabalho aí.

— Ô minha mãe, faça um negócio desses comigo não. Quando é que eu vou arrumar outro homem que nem Robson? Me levava pros lugar de carrão, comprava creme de ricota pra gente comer com pão integral, onde a senhora já viu gente de favela comendo creme de ricota? Pintar a unha com Risqué? Até o cu eu limpava com Neve. Quebre essa pra mim aí, traga meu engenheiro de volta.

— A gente consegue até dar um jeito nessa tua parte amorosa aí, mas não é com Robson não. A nega lá enganchou ele na chave de buceta com chá de calcinha e banho de foia do Norte, vai dar trabalho.

— Dá pra trazer outro homem?

— De dar, dá. Mas aí é questão de se ver, né.

— A senhora pode falar dele?

— Tu conhece.

— Eu?

— Perivelton.

— Perivelton… eu num conheço ninguém com esse nome não.

— Todo mundo chama ele de Eltin.

— Eltin zaroi?

— Ele memo.

— Ah, minha mãe. Aí a senhora tá de frete com minha cara. A senhora quer que eu largue um homão da porra que nem Robson, rico, estudado, de carrão, pra ficar com um servente de pedreiro com os zói pu cu?

— Servente de pedreiro, não! Engenheiro orgânico.

— Que mané porra de engenheiro orgânico, oxe.

— Onde é que tu vai me arrumar um homem que nem Perivelton? Pedala cinco quilômetros por dia, pega dois saco de cimento no ombro, barriguinha daquele jeito, rola tortinha pra esquerda do jeito certo, nem grande demais e nem pequena. Dá pra chupar toda numa bocada só, não é aqueles morongondongo que fica batendo no fundo da garganta. Se tu jogar as perna assim pra cima, ó, dá até pra dar o red…

— Tá bom, minha mãe, já entendi.

— Então? Tu tá é com preconceito que ele perdeu cinco vez na quinta série, mas quero ver Robson bater o olho num terreno e saber quantos milheiros de bloco precisa pra fazer uma casa. Perivelton nunca errou quantidade de ripa e barrote pra telhado, nunca. Trabalha todo dia, bebo, bebo, comendo caninha da roça no café da manhã, não tem uma barriga nas parede dele, pruma tudo com copinho de buteco. O homem é bom, minha fia.

— Bom pros outros, não pra mim.

— Quem sabe o que é bom pra você é o Disk Macumba, rapaz. Oxe, deixe de história. Meu nome é Sete Saia, né Sete Palhaçada não, que eu num vô meter coisa ruim em seu caminho.

— …

— Se tu quiser, mas aí é só se tu quiser, tá?, a gente pode fazer um teste grátis de três dias aí com Perivelton. Eu mando um motogã despachar numa encruza fêmea boa toda, de hoje pra amanhã ele te chama no zap. Daí, se tu num gostar, a gente vê como que desbloqueia Robson aí, só pra tu num deixar essa priquita pegando poeira.

— Ai… não sei, viu. Tá, tá bom. Vamo ver esse zaroi aí. Mas vai sair de graça, né?

— 0800.

— Tá bom então.

Três dias depois.

— Sete Saia? Boa noite, tudo bem com a senhora?

— Ô minha filha, e aí? Deu certo lá com Eltin?

— Eu vou ficar com ele memo, viu? Me convenceu.

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Alan de Sá
Disk Macumba

Journalist, writer, copywriter and co-creator of sertãopunk.