É tempo de jaboticaba

Ariel Paiva
A Dissidência
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3 min readNov 2, 2018

Chega novembro e a fruta começa a aparecer em todos os lugares da cidade. Está nas ruas ocupando o lugar que outrora era do morango, está nas casas fazendo papel de sobremesa, está no lanche da tarde do trabalho ou da faculdade. Coincidentemente, no mesmo mês, começa a discussão política sobre o novo governo — de dois em dois anos, sobre as prefeituras, governos ou a presidência. Em clima de (quase) verão, inicia-se a rodada de expectativas sobre o novo governo:a jaboticaba do momento.

Para começar a comer a jaboticada é preciso dar uma primeira mordida que “quebra” a fruta e libera o que há em seu interior, parte comestível e doce. Em torno do caroço também há “carne”, por isso algumas pessoas preferem ingeri-la, outras apenas a descartam. A casca, contudo, é universal: é jogada fora depois de consumida toda a fruta.

O futuro governo de Jair Bolsonaro é como uma jaboticaba. Por fora, uma casca terrível, amarga e desprezível. Essa parte qualquer pessoa sã deve jogar fora. As ameaças de ditadura, censura e violência precisam ser descartadas o quanto antes para que possamos consumir aquilo que está no interior. O que é bom e pode ser consumido nesse governo são as ideias liberais, carregadas pelo “superministro” Paulo Guedes, os ares reformistas — previdenciária, tributária e ministerial— e de mudança. No centro dessa carne, o caroço: Magno Malta, Onyx Lorenzoni e os demais políticos que vem no bolo. Engolir o caroço para aprovar algumas reformas ou ele é intragável, dado o seu tamanho?

O paulista tem uma missão difícil pela frente: governabilidade, justiça e reformas. (Foto: O Tempo)

Muito se ventila sobre quanto o capitão da reserva está comprometido com o ideário do seu guru Paulo Guedes e se esse casamento durará até o final do mandato. O futuro ministro tem ideias decentes em relação a reforma de previdência, privatizações e estabilidade econômica, pelo que o mesmo diz. Bolsonaro, contudo, nunca foi fã do assunto: votou contra todas as vendas de estatais, inclusive ameaçando FHC de morte por isso, e recentemente colocou a (sua) mão pesada do governo contra a venda da Petrobras e Eletrobras. Por outro lado, ventilou a possibilidade de extinguir o monopólio da Taurus, fabricante brasileira de armas.

O legislativo vai ser outro fator importante nessa disputa. À parte da maior bancada liberal da história do congresso nacional, envolvendo membros do partido NOVO, do MBL e do LIVRES, o que deve girar em torno de 15 deputados federais, dadas as fusões, incorporações e substituições, o segundo maior partido no congresso é o Partido Social Liberal, de Bolsonaro. Estes ninguém faz a mínima ideia da ideologia. Acompanharão o capitão em todos os casos, alguns casos, ou irão abandonar o barco caso ele seja “liberal demais”? Do outro lado, a oposição não está completamente vencida: unidos PT e a novíssima frente de esquerda, deve ter cerca de 130 deputados federais. Por fim, ninguém sabe o que vai ser do centrão no novo governo. É evidente que muitos irão se juntar à situação, principalmente o DEM, que já tem a Casa Civil (Lorenzoni) e a articulação política (Alberto Fraga) e essa turma, além de corrupta, não se compromete com nenhuma agenda.

Quem olha a jaboticaba à distância, não imagina o que há dentro. O potencial de recompensa é grande, assim como a possível frustração, afinal é muito difícil saber se a fruta está estragada antes de abri-la. 2019 promete surpresas.

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Ariel Paiva
A Dissidência

Senior administrative on VC-X Solutions. Addicted to podcasts and strategy games.