Mais ou menos médicos

O Estado não cansa de atrapalhar as pessoas

Ariel Paiva
A Dissidência
4 min readNov 23, 2018

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É de conhecimento geral a medida anunciada por Jair Bolsonaro com relação ao programa Mais Médicos: a validação dos diplomas dos médicos cubanos, o pagamento do salário integral aos profissionais e a oportunidade de trazer suas famílias para o Brasil. Diante das demandas do presidente eleito, a ditadura centro-americana começou a retirar seus enviados do país verde e amarelo, o que gerou gritaria e protestos nas redes sociais. Mas algumas perguntas deixaram de ser feitas: por que faltam médicos no Brasil?

A interiorização brasileira

O Brasil é um país de dimensões continentais, muito porque a coroa portuguesa ansiava por poder e não queria dar de mão beijada um mundo de terras para seu rival espanhol. O erro em tentar habitar terras inóspitas nunca foi corrigido, aliás, foi muito aprofundado. Governos se sucederam em tentativas de colocar a população tupiniquim pra morar no desértico centro-oeste, nas matas do norte e no sertão nordestino. O ponto alto dessa história toda foi a mudança da capital do Rio de Janeiro para Brasília, uma decisão que teve consequências terríveis na economia e na política.

A ida para o interior gera problema de infraestrutura (mais longe dos portos, necessidade de estradas, caminhões, aeroportos), bem estar (necessário levar saúde e educação para essas cidades) e uma distância física e emocional dos amigos, da família e, consequentemente, da qualidade de vida.

(Foto: Hermeto Garcia/Futura Press)

A promessa de saúde universal

Como se já não bastasse a dificuldade óbvia de levar água onde não chove, energia elétrica para onde não tem água — e faz muito calor — e comida onde nada que se planta dá, os congressistas tiveram uma brilhante ideia: colocar tudo isso como direito social na constituição. Agora o Estado, ou seja, todo mundo, é obrigado a pagar para que a população que foi enfiada lá por esse mesmo Estado tenha acesso a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. O Brasil nasceu pra dar errado.

Se falta leito, falta remédio, falta exame, falta médico, falta hospital, falta clínica, falta enfermeira no centro de São Paulo, que é, de longe, a cidade mais rica do país, que dirá em Rolim de Moura, em Rondônia, a 2600km do porto de Santos. Não é à toa que muitos preferem receber menos para morar nos grandes centros, onde a qualidade de vida é ruim, mas existe em algum nível, do que nos interiores desse Brasilzão de meu deus.

Mesmo quem rema contra a maré e vai se aventurar na fatia continental do território nacional com a promessa de levar, nem que seja um pouco, de saúde para os indivíduos, encontra-se numa situação precária: como é praticamente crime empreender no país, ainda mais na área da saúde, o aventureiro não tem apoio do setor privado nem do setor público. Sem equipamento os diagnósticos são prejudicados, sem pessoal é difícil atender uma demanda que não para de crescer (a informação é pouca, a taxa de natalidade e de mortalidade infantil segue alta) e o salário tema em não compensar a situação calamitosa da saúde no Brasil. Não dá para pedir voto de pobreza, muito menos milagre, de todos os médicos e médicas do mundo.

O Mais Médicos

Com um cenário tão ruim para a moradia e a prática da medicina, somente quando se vive em uma ditadura é que sofrer com o calor, com a dificuldade de conseguir serviços básicos e de praticar uma boa profissão parece uma boa opção. Em suma, quem conhece a opressão troca qualquer coisa por um pouco liberdade, mesmo que isso signifique ser praticamente escravo de seu antigo Estado (o governo de Cuba repassava de 10 a 30% do salário pago pelo governo brasileiro para seus médicos, além de impedir a imigração de suas famílias). Além das críticas à formação dos cubanos, feita por entidades do ramo no Brasil e pelo presidente eleito. Seriam “mais ou menos” médicos?

O MEC, para manter a reserva de mercado dos médicos e das universidades em uma tacada só, proibiu a criação de novos cursos de medicina. Não contente em distorcer completamente o mercado de saúde no país, o Estado se deu ao trabalho de distorcer também o do ensino. O desejo é de mais ou menos médicos?

Recentemente o governo Temer lançou edital para cobrir a falta de profissionais nas cidades abandonadas pelo governo cubano, que demonstrou ser sensível ao seu bolso, mas não às famílias brasileiras. A licitação já conta com mais de seis mil inscritos.

Conclusão

A ordem natural das coisas levaria os brasileiros para o litoral e, mesmo aqueles que fossem ao interior em busca de riqueza, afinal o agronegócio tem desenvolvido o centro-oeste do país em uma proporção gigantesca, teriam seus desejos e necessidades minimanete atendidos caso não fosse o slogan que resume toda a ilusão criada pelo Estado: “público, gratuito e de qualidade”.

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Ariel Paiva
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Senior administrative on VC-X Solutions. Addicted to podcasts and strategy games.