Hater

Jairo B. Filho
Dissociação
Published in
3 min readMay 13, 2023

Pare de postar merda. Você não sabe o que está defendendo.”

As palavras emergiam no monitor de Paulo, tão rápidas quanto seu pensamento.

Mano, como essa galera é ignorante.”

A imagem imaculada de bom moço, quieto e respeitoso, ficou de lado. Assim como seu uniforme de trabalho. Uma vez conectado, sentia-se segura o suficiente para transformar opinião em desforra. Inclusive, usava a neuronet para “procurar encrencas”, e nelas destilar seu desgosto pela vida.

Pouco importava o assunto, podia ser qualquer um — desde que o resultado fosse o mesmo: semear ódio e xingar gratuitamente qualquer um que se opusesse às suas idéias.

Vá pra puta que te pariu, ‘Andy22!

Foi somente há alguns meses que encontrou prazer neste, por assim dizer, “modo de vida”. Muitas mudanças ocorreram num intervalo muito pequeno de tempo, e sua mente mal conseguia processar adequadamente tudo que aconteceu.
Foi ao abordar essa postura que encontrou a cura para este “jetlag”. A vida na rede era muito mais fluida e segura, pois ninguém veria seu rosto ou saberia sua identidade.

Tudo estava seguro enquanto seu ip permanecesse oculto, assim como sua identidade.

Sábias palavras, parça. Perdem apenas pro silêncio!

A rede deu, aos poucos, poder a Paulo — sobre o fluxo de opiniões e posicionamentos que passavam por sua timeline. Como alguém sem rosto, podia destilar qualquer tipo de posicionamento tóxico sobre o que discordasse, e ninguém poderia se colocar acima de suas palavras.
Talvez seja por isso que, na contramão de seus colegas, ele prefira se manter no ambiente de trabalho após altas horas…

Tudo isso para se satisfazer como o “hater” que se tornou.

Vai estudar antes de vir discutir comigo!

Apesar de tudo, jamais seria capaz de admitir essa predileção. Paulo sempre foi alguém sensato e produtivo, com um histórico imperceptível de tão medíocre.
Talvez, perdendo apenas para o seu “conhecimento aproximado sobre quase tudo”…

O que ele jamais esperou, contudo, aconteceu.

Porra, Andy22! Você tá aqui bostejando de novo??? Não aprendeu nada, seu merdinha?

Foi numa noite como qualquer outra. Todos saíram da empresa para fazer um happy hour, e Paulo manteve seu sorriso amarelo de sempre.
“Ainda tenho uns relatórios para finalizar, e enviar por e-mail. Vão lá, e se divirtam por mim!”
As frases de zombaria sobre Ana foram se afastando dos escritórios, por ela ainda insistir em chamá-lo pra festa. Talvez fosse melhor assim, no fim das contas — aquele cara era muito caxias para se misturar com os veteranos. Ou talvez só queira mostrar serviço pra sair do estágio probatório…

Em um dos diversos fóruns polêmicos sobre política, lá estava ele: Andy22, o seu saco de pancadas virtual favorito, dando pitacos pobres sobre o que supostamente não entendia.
Era tudo que Paulo desejava naquele momento.

Olha só quem está aqui… o diamante bruto da mais pura estupidez na rede!

A resposta veio rápida, alguns segundos após o fechar de portas ruidoso que o zelador do prédio sempre fazia.

Sabia que te encontraria por aqui, Sr_Politiqueiro!

Paulo se surpreende com a resposta, achando mais graça que assombro.

E por isso mesmo já chegou bostejando sobre o assunto da semana passada? Moleque burro!

O estalar do seu teclado lhe desconectava do mundo físico, o distanciando das batidas do mop molhado no chão — que se aproximava lentamente.

Você vai se arrepender de ter escrito essas merdas a meu respeito!

A risada incontida do hater fez o esfregão se aproximar ainda mais, vagarosamente, na sua direção.

E você vai fazer o quê? Chorar no colinho da mamãe?

Paulo teve sua resposta quase que imediatamente, a porta de sua saleta abrindo num chute violento.
Olhou para trás, a expressão risonha se transformando em assombro.

Lembra de mim? Andy22? Eu disse que ia te achar!

Emudecido pelo pavor, Paulo mal conseguiu se levantar da cadeira. À sua frente, um zelador corpulento se aproximava, mop nas mãos e hostilidade no olhar.
Ele estava ali, pronto para fazer o que prometeu.

“Espera, eu posso — ”
O primeiro golpe o calou de modo certeiro, sua cabeça chocando-se contra a parede. Sangue respingou no monitor após o segundo e terceiro golpes, o silêncio do escritório se perdendo a cada golpe. Mais alto, mais violento.

Andy22 só se contentou após a décima pancada. O mop entortou com o esforço, guardado no balde que agora estava preenchido por um fluido avermelhado, e sujo.
Saiu assobiando, para continuar sua limpeza após fechar a porta do escritório. Debruçado na tela, estava o corpo sem vida de Paulo — sua cabeça amassada pelos golpes de seu maior desafeto.

Na tela, sua última postagem foi “assjgejfajhvsjasmnassasopaisaiuiatdsyasdjhasmna”.

E um último comentário fechava a conversa:
Ihhh o hater foi refutado kkkkk

--

--

Jairo B. Filho
Dissociação

Game Designer independente, fundador do selo Jogos à Lá Carte e entusiasta de pesquisas e boas conversas.