Vamos falar sobre avaliações de usabilidade?

Você certamente já cansou de ouvir sobre isso, mas sempre podemos aprender algo mais.

Pricila Rodrigues
Dito Tech
12 min readApr 28, 2020

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Se você desenvolve um produto, certamente já precisou avaliar se está no caminho certo. E quando se trata de produtos como sistemas web, aplicativos e outros, a avaliação de usabilidade da interface é o melhor caminho a ser seguido para obter respostas acerca da facilidade de uso e comunicabilidade da interface.

E não, avaliação de usabilidade não se trata apenas de mostrar o protótipo e receber feedback.

Na computação existe uma área de pesquisa dedicada às avaliações de usabilidade (dentre outros assuntos), conhecida por Interação Humano-Computador (IHC). Cada caso de avaliação possui suas particularidades e objetivos diferentes, e para cada uma existe um tipo de avaliação que mais se adequa, como o Think Aloud, Grupo focal ou entrevista.

Durante meu mestrado, minha pesquisa foi na área de IHC, com foco maior na teoria da Engenharia Semiótica. Mas ainda assim, aprendi muito sobre métodos de avaliação e pesquisa com pessoas usuárias.

A realidade de uma avaliação de usabilidade acadêmica e em uma empresa agilista é diferente. Contudo, em ambos os casos, você precisa:

planejar antes de executar, e depois de executar você precisa analisar os resultados e falar sobre eles.

Para me ajudar a ser mais ágil ao realizar testes de usabilidade, observei o que eu fazia e o que eu deixava de fazer (mas precisava) e elaborei um processo composto das fases de Planejamento, Execução e Discussão. E agora, compartilho com você meu processo e divagações a respeito de cada etapa.

O desenho do processo parece grande, mas você vai ver que é bem rápido e serve como um guia das coisas que você precisa definir antes de espalhar seu protótipo por aí.

Fase 1: Planejamento

Você identificou uma oportunidade para uma avaliação de usabilidade, mas calma aí, não vai logo pegando seu protótipo ou produto e mostrando para as pessoas.

Senta, respira e pense: porque você precisa de uma avaliação de usabilidade agora e o que você espera com isso.

E sim, sentar e planejar pode gastar um pouco do tempo que você tem para fazer sua avaliação de usabilidade (que já deve ser pouco). Mas esse planejamento fará toda a diferença quando você terminar e tiver que mostrar resultados.

Defina a pergunta de pesquisa

Pense nos motivos de realizar a avaliação de usabilidade e no resultado que você espera disso.

Um bom exercício a se fazer é olhar para o seu protótipo e ir pensando sobre tudo o que você deseja saber e que somente as pessoas-usuárias poderão responder (seja verbalmente, por interação ou pela falta dela).

Escreva essas perguntas, faça um agrupamento e refine. Depois, defina uma pergunta de pesquisa principal e até 5 secundárias.

Pense também, e principalmente, nos riscos ocultos: o que poderia dar errado no seu produto? O que você precisa que aconteça na interação para que seu produto dê certo?

Se achar mais fácil, pode trabalhar com a definição de objetivos.

Sejam perguntas de pesquisa ou objetivos, ambos são apenas um guia para você, pois pode ser que ao executar a avaliar ou observar os resultados, você descubra algo não esperado.

Antes de começar a planejar sua avaliação de usabilidade, você precisa saber o que quer aprender. Caso não saiba, nem comece.

Determine a metodologia

Entenda qual a melhor metodologia para chegar aonde você deseja.

Escolher a metodologia certa vai poupar tempo e levar a resultados mais próximos do desejado.

Existe uma variedade de métodos de pesquisa que podem ser aplicados na realização de avaliações de usabilidade. Como o texto aqui já está grande, não vou entrar em detalhes sobre estes métodos.

Como um exemplo, você pode executar uma avaliação baseada no Think Aloud, com uma entrevista semi-estruturada ao final da avaliação. Ou ainda pode fazer um questionário misto, com perguntas fechadas e abertas.

Indepedente da metodologia, você precisará definir o formato e configuração da avaliação, além de decidir quantas pessoas participarão da sua avaliação.

  • Defina o formato e configuração: aqui, você vai precisar definir algumas coisas:

1 pessoas-usuárias internas ou potenciais: entenda se pode alcançar seus objetivos realizando a avaliação com pessoas-usuárias internas na própria empresa, ou se é necessário encontrar potenciais pessoas-usuárias da solução.

2 laboratório ou campo: avaliações em laboratório são mais convenientes aos aplicadores — entendendo por laboratório um ambiente fechado e controlado, sem interferências externas. Contudo se o ambiente real de uso for crítico para a interação, considere ir à campo (no habitat natural das pessoas-usuárias).

3 moderada ou não moderada: avaliações moderadas fornecem mais insights e mais oportunidades de conversa com as pessoas-usuárias, enquanto uma avaliação não moderada pode ser mais barata e rápida. Mas seja qual for sua escolha, deixe que as pessoas-usuárias falem mais que você.

As pessoas-participantes têm a resposta que você precisa, então não precisa tentar ler seus pensamentos e falar por elas.

4 presencial ou remota: em geral, avaliações presenciais são mais recomendadas, com exceção para aquelas em que ir à campo tenha um alto custo de tempo ou dinheiro. Nos tempos atuais, certamente a avaliação será remota, então tenha certeza de que você e a pessoa-usuária estejam confortáveis e tenham conhecimento da ferramenta de comunicação. Talvez seja interessante, antes da avaliação, ensinar a pessoa-usuária a interagir com a ferramenta de comunicação, antes mesmo de mostrar o seu protótipo. Dentre os métodos de avaliações existem alguns que são exclusivamente para execução remota, então podem ser interessantes para você agora.

  • Determine o número de pessoas-usuárias: em geral, é recomendado que as avaliações sejam aplicados à 5 pessoas-usuárias. Mas se você perceber que com menos pessoas já conseguiu descobrir muita coisa, interrompa a avaliação, faça os ajustes e planeje outra. Pesquisas que possuam mais de um grupo de público-alvo, precisam ser ajustadas, podendo-se ter 2 usuários em cada grupo, por exemplo. Para estudos com caráter quantitativo, recomenda-se um número maior de usuários, podendo ser algo em torno de 20 a 30 pelo menos (mas aqui vai depender muito do seu público-alvo e interesses de pesquisa).

Defina quais métricas coletar

Estudos qualitativos de usabilidade, em sua maioria, possuem prioridade em obter insights de design, e não tanto em medir a usabilidade quantitativamente.

Você pode adicionar métricas de usabilidade (tempo gasto na tarefa, classificação de satisfação, taxa de sucesso e de erro), e elaborar questionários, que podem ser aplicados após cada tarefa, no final da sessão ou em ambos os momentos.

Para os métodos quantitativos as métricas são mais fáceis de ser definidas e coletadas.

Escreva um plano de avaliação

O plano de avaliação deve conter informações como nome do produto, pergunta de pesquisa, logística (hora, datas, local e formato), perfis das pessoas-participantes, tarefas, métricas, questionários, descrição do sistema (celular, desktop).

Ele é basicamente, um roteiro que irá te guiar durante a execução da avaliação e deve ser focado na sua pergunta de pesquisa.

  • Escreva cenários e tarefas: escreva cenários e tarefas equilibradas, que não mostrem às pessoas-participantes o melhor caminho a seguir, mas que sejam descritivas o suficiente para que elas não se percam na tarefa sendo realizada. Quando você realiza avaliações com colegas de trabalho (mesmo que eles não sejam os usuários-finais do produto), é muito importante criar um cenário que as coloque no ponto de vista de pessoas-usuárias reais do sistema. Para um mesmo cenário você pode escrever várias tarefas. Lembrando que, quanto mais tarefas, mais tempo a avaliação demora e menos da atenção da pessoa-participante você tem. As tarefas podem ser de dois tipos:

1 exploratórias: são tarefas abertas, que respondem a objetivos amplos e orientados para a pesquisa, podendo ou não ter uma resposta correta. São adequadas para entender como os usuários descobrem e exploram informações.

2 específicas: são tarefas focadas, que geralmente possuem uma resposta correta, um caminho exato a ser seguido ou um ponto final.

Fase 2: Execução

Muitas vezes, pela urgência em obter resultados, a avaliação de usabilidade é iniciada pela etapa de execução, contudo, como você poderá observar ao aplicar uma avaliação, um planejamento bem feito ajuda em muito a alcançar os objetivos desejados.

Recrute as pessoas-usuárias

Conheça quem é o seu público-alvo, identificando informações demográficas, características comportamentais, atitudes e metas.

Recrute pessoas-usuária que se encaixem no perfil do seu público-alvo, uma vez que é para elas que seu sistema é feito.

Lembre-se de preparar os documentos (termo de compromisso, confidencialidade, entre outros) que sejam necessários à metodologia de teste que você escolher.

Ao escolher as pessoas-participantes, pense se é melhor ter pessoas com objetivos completamente diferentes ou pessoas com os mesmos objetivos. Essa decisão pode afetar em muito os resultados obtidos.

Pode ser interessante aqui, criar grupos de pessoas-usuárias e para cada grupo executar uma avaliação com tarefas relacionadas aos objetivos do grupo.

Realize um teste piloto

Ajuste suas tarefas, antecipe o número de tarefas por sessão, ordem de apresentação e tempo de execução. Quando for recrutar as pessoas para participar de seu teste, eles provavelmente vão querer saber quanto tempo em média eles precisarão investir caso aceitem participar do teste.

A avaliação piloto pode ser feita com alguém do seu time mesmo. Em alguns casos, pode ser interessante executar uma avaliação piloto exatamente como se fosse uma avaliação real, para se ter noção do tempo gasto em cada tarefa, e neste caso, usando uma das pessoas-participantes que você recrutar.

Apenas depois de se certificar de que sua avaliação vai funcionar, coloque em execução as sessões de avaliação.

Lembrando sempre de seguir o protocolo de condução da metodologia escolhida e discutir com seus parceiros de aplicação os insights e observações.

Durante e depois da avaliação piloto tente responder às perguntas: o que deu certo? o que não deu certo? o que faltou? o que foi excesso?

E não se preocupe caso não chegue ao resultado desejado ou não chegue a resultado nenhum. Isso apenas significa que seu planejamento foi muito amplo ou muito simples, ou ainda que você não sabia aonde poderia chegar.

O interessante de se fazer avaliações de usabilidade é desbravar um mundo desconhecido e descobrir coisas novas sobre seu produto e pessoas-usuárias.

Revise o planejamento

Tenha certeza de estar bem preparado para a execução da avaliação de usabilidade. Verifique se a partir de suas tarefas e métricas você consegue responder suas perguntas de pesquisa.

Dependendo a metodologia de teste, você precisará verificar o ambiente de teste e equipamentos adicionais para observação e gravação. Se for uma avaliação remota, você precisará garantir que as pessoas-participantes conheçam a ferramenta utilizada para comunicação.

Sempre, ao final de cada avaliação, revise e altere o que puder ser alterado.

Se perceber que está fugindo muito do caminho desejado, pode ser interessante interromper as avaliações e ajustar.

Realize as avaliações

Execute as sessões de avaliação de acordo com a metodologia escolhida e planejamento. Algumas metodologias são mais livres e permitem que sejam feitas alterações na execução das atividades e perguntas durante a execução, enquanto outras exigem uma reavaliação das tarefas e outros itens.

Aqui, independente de qual metodologia utilizar, sempre deixe a pessoa-participante falar mais que você. Em alguns momentos você precisará intervir, mas faça isso com cuidado para não dar respostas do que a pessoa participante deve fazer.

Instigue a pessoa a procurar a solução por si mesma.

Após a realização de cada avaliação, discuta os resultados com os envolvidos na aplicação. Caso tenha tido um condutor e outros observadores na sessão, reveja as observações anotadas, as métricas coletadas e observações direcionadas aos seus objetivos.

É nesse momento que, se a metodologia permitir, você poderá fazer ajustes nas tarefas, roteiro e condução do teste, bem como identificar se os testes estão caminhando para o atendimento dos seus objetivos e definir sua continuidade ou não.

Fase 3: Consolidação

Entender o que os resultados obtidos dizem é essencial para que se alcance os objetivos de realização da avaliação. O ideal é que após cada sessão de avaliação os resultados sejam discutidos e que ao final, todas as avaliações sejam discutidas.

É interessante também conversar com as outras pessoas do time que tenham conhecimento do que está sendo feito e até mesmo mostrar as gravações das avaliações.

Olhe para os pontos discutidos sob a ótica da pergunta de pesquisa definida e fora dela também, e consolide os aprendizados, gerando um direcionamento para evolução da solução proposta.

Discuta os testes

Junte todos os envolvidos na execução da avaliação de usabilidade e discuta os resultados. Tendo discutido cada avaliação com os envolvidos e feito anotações durante cada sessão, certamente você terá material suficiente para direcionar uma discussão acerca dos resultados.

É interessante que as sessões de avaliação e a discussão sobre elas ocorra com pouca diferença de tempo, de modo que os envolvidos se lembrem de cada sessão de avaliação da qual participaram.

Uma abordagem adequada é discutir cada sessão de avaliação , fazendo anotações sobre os principais pontos em cada uma delas, tratando cada sessão como única, sem se apegar a comentários ou ações realizadas por pessoas-usuárias em outras sessões e sem se apegar somente às respostas desejadas.

Lembre-se, as pessoas-usuárias sabem a resposta para suas perguntas, e não você, então não ignore nada do que for dito antes de pensar sobre.

Refine os resultados

Após discutir todos as sessões de avaliação com todos os envolvidos, você poderá observar que muitas pessoas-participantes tiveram as mesmas percepções ou percepções opostas, e que enquantos algumas trouxeram observações novas, outras trouxeram as mesmas observações.

Assim, neste momento, refine os resultados, procurando agrupar e organizar as observações feitas.

Lembrando que a quantidade de vezes que um determinado assunto é comentado pelas pessoas-usuárias não significa necessariamente um maior grau de importância.

Análise as descobertas

Alinhe os resultados obtidos com suas perguntas de pesquisa ao realizar a avaliação, focando em aspectos mais relacionados à elas, mas deixando espaço para extrapolar e fazer novas descobertas. Lembre-se de aqui incluir as métricas coletadas e analisá-las também.

Reveja os resultados e escreva sobre onde a interação falhou, o que as pessoas-usuárias esperavam ou quais dificuldades encontraram. Mas também escreva sobre o que deu certo, sugestões e novas ideias que surgiram.

Neste ponto é interessante trazer à luz imagens do seu sistema, além de identificar novas perguntas e hipóteses.

Consolide os resultados

Vista por muitos como a parte menos interessante do processo de avaliação e por isso muitas vezes deixada de lado, a consolidação dos resultados é nada mais do que a escrita de um relatório a respeito da avaliação, pontuando ao final dele os aprendizados e próximos passos para a evolução da solução.

Se você chegou até aqui após documentar minimamente seu planejamento e execução, você já tem praticamente o relatório inteiro, falta só uma discussão acerca dos resultados.

Contudo, mais interessante que um relatório, é fazer uma apresentação curta e concisa sobre sua avaliação de usabilidade.

A ideia é fazer a apresentação para as pessoas do seu time, mostrando quais as perguntas de pesquisa, perfil das pessoas participantes e resultados. Deixando a disposição do time as gravações e demais materiais resultantes.

Para finalizar

As avaliações de usabilidade são úteis para responder perguntas do tipo:

  • As pessoas-usuárias conseguirão identificar o que precisa ser feito?
  • A interface comunica corretamente as informações?
  • Existem problemas na interação?

No entanto, não respondem bem a perguntas como:

  • As pessoas vão clicar no botão? (use métricas)
  • Que cor de botão/background converte melhor? (faça um teste A/B)
  • Tenho várias opções para xxx… (faça um grupo de discussão)

Para refletir:

“Eu tenho que pensar como um existencialista. Tenho que aceitar que não existem usuários burros, e sim produtos burros. Temos que nos questionar com perguntas difíceis. Estamos projetando para o mundo que nós queremos? Estamos projetando para o mundo que temos? Estamos projetando para o mundo que está chegando, estando prontos ou não para isso? Eu entrei nesse negócio de desenhar produtos. Desde então, aprendi que se queremos realmente fazer a diferença no mundo, temos que desenhar resultados. E este é o design que importa.” (Timothy Prestero)

Obrigada por ler até aqui, sei que o texto ficou grande, mas espero que tenha gostado…

… se tiver sugestões ou quiser conversar um pouco mais sobre o assunto, escreva aqui embaixo ou me procure no Linkedin.

So long, and thanks for all the fish!

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Pricila Rodrigues
Dito Tech

Olá! Meu nome é Pricila e trabalho como UX Designer/Researcher. Mas também sou desenvolvedora e ilustradora nas horas vagas ^-^