Órteses e exoesqueletos

Leia sobre um dos principais pontos de encontro entre as áreas da saúde e as de tecnologia, e como o mesmo tipo de tecnologia tem ajudado a imobilizar braços e a recuperar o movimento de pernas

Fonte: Ekso Bionics

Destaques

Órtese é um dispositivo de uso temporário que a grosso modo serve para prover um auxílio funcional, geralmente mecânico, a uma parte do corpo

Próteses são diferentes de órteses, são usadas para “substituir” a função de uma parte do corpo

Órteses têm sido alvo de muitos projetos de inovação, um exemplo é o da empresa Fix It, que produz órteses com impressão 3D

Exoesqueletos são tipos automatizados de órteses com muitas aplicações assistivas

A USP faz pesquisas na área de exoesqueletos, recentemente um grupo de pesquisa da EESC publicou artigos sobre o exoesqueleto desenvolvido lá

Na Copa do Mundo de 2014 e maior “show” dado pelo Brasil foi apresentando o Projeto Andar de Novo ao mundo

Contextualização

O que é uma órtese

Se alguma vez na vida você já quebrou um braço, uma perna ou uma costela, você deve se lembrar da sensação de ter uma parte do corpo imobilizada, da sensação de que o tempo não passa, das limitações que as suas tarefas do dia a dia passam a ter e, principalmente, da coceira sem fim nos lugares mais inacessíveis por baixo da tala de gesso.

O grande ponto é que, mesmo que não saiba, você usou uma órtese: um dispositivo de uso temporário que a grosso modo serve para prover um auxílio funcional, geralmente mecânico, a uma parte do corpo. No caso do exemplo do parágrafo anterior, o auxílio oferecido é a imobilização do membro para a correta regeneração do tecido ósseo. Outros exemplos de órteses incluem óculos de grau, bengalas, aparelhos auditivos, aparelhos ortodônticos e até exoesqueletos. Se você é do tipo que gosta de uma definição mais precisa veja a esta do Blog da Saúde MG, parceiro da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais:

“As órteses, são aparelhos que servem para alinhar ou regular determinadas partes do corpo, auxiliando as funções de um membro, órgão ou tecido, evitando deformidades e/ou compensando insuficiências funcionais.”

Órteses x Próteses

Um ponto importante a se destacar é que órteses são diferentes de próteses. As próteses, mais conhecidas do que suas primas órteses, são aparelhos que servem para substituir uma parte do corpo e são usadas em situações mais drásticas, como a amputação de uma perna ou a destruição de parte de um osso (a cabeça do fêmur, por exemplo). Para efeito de comparação podemos definir as próteses como aparelhos que auxiliam órgãos que ainda estão ali cumprindo sua função, só precisam de uma “forcinha”.

Fonte: Conforpés

Tipos de órteses

Como vimos, o termo órtese descreve uma grande variedade de dispositivos e sua função específica depende da função do corpo que se quer auxiliar. Existem alguns tipos de classificação que podem ajudar a entender os diferentes usos que podem ser dados a elas, como: órteses internas x externas; estáticas x dinâmicas; tradicionais x automatizadas.

Os tipos mais comuns são do grupo das externas, estáticas e tradicionais, como a tala de gesso usada de exemplo no começo deste artigo. A tala de gesso usada para imobilizar o braço quebrado de uma pessoa fica do lado de fora do corpo (classificação externa), não permite o movimento das articulações (estática) e não é automatizada (tradicionais).

Órteses inovadoras

Empresa Fix it

Existe bastante espaço para inovação em todos os tipos de órteses, sempre é possível procurar atender melhor a uma necessidade ou dar um novo uso para tecnologias que já existem. É exatamente esse o caso da empresa Fix it, por exemplo, ela usa impressão 3D para criar órteses personalizadas e biodegradáveis capazes de substituir a tradicional tala de gesso.

Fonte: Fix it

Exoesqueletos

A órtese automatizada é um dos temas de pesquisa mais quentes nas universidades do mundo todo nas últimas décadas. A ideia é empregar o que existe de mais avançado em termos de tecnologia para desenvolver dispositivos como exoesqueletos, capazes de dar suporte ao movimento de alguma parte do corpo.

Esse tipo de tecnologia tem aplicações diversas na área de reabilitação, uma pessoa que sofreu um AVC (Ataque Vascular Cerebral) e perdeu o movimento das mãos, por exemplo, pode passar por uma terapia que utiliza uma luva para exercitar os músculos da mão e evitar atrofia. Exoesqueletos também podem ser usados como Tecnologias Assistivas em diversas áreas, existe uma linha de pesquisa muito forte no desenvolvimento de equipamentos de suporte para trabalhadores nas indústrias conseguirem levantar objetos pesados sem comprometer a própria saúde, por exemplo. Em outros casos exoesqueletos também podem ser empregados para facilitar a vida cotidiana das pessoas, interferindo nas suas tarefas de vida diárias. Claro que a maior parte das pesquisas nesta área procura desenvolver ferramentas que auxiliem os profissionais de saúde, e não os substituem, assim sendo essencial um trabalho interdisciplinar com profissionais da saúde, designers, engenheiros e quantos mais forem necessários.

Exoesqueleto Modular de Membros Inferiores — EESC

Fonte: Jornal da USP, foto por Henrique Fontes

O Exoesqueleto Modular de Membros Inferiores é um exoesqueleto para reabilitação de pessoas que sofreram AVC desenvolvido pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), da USP. Ele representa muito bem direção para qual estamos caminhando nessa área.

A pesquisa coordenada por Adriano Almeida Gonçalves Siqueira, professor do Departamento de Engenharia Mecânica da EESC, teve como resultado a publicação de 5 artigos científicos que abordam os desafios no desenho, construção e controle do dispositivo. Cada uma dessas áreas representa desafios bastante característicos da engenharia, mas por se tratar de uma aplicação a ser utilizada na área da saúde e por pessoas nos momentos mais difíceis de suas vidas, é essencial que o processo de desenvolvimento de uma solução nessa área tenha uma perspectiva não voltada exclusivamente para engenharia.

O dispositivo pesa cerca de 11 kg e é constituído por cintas de fixação na cintura, no pé e na perna, além de juntas com motores sobre as articulações do quadril, joelho e tornozelo. Os pesquisadores responsáveis apontam que os diferenciais em relação ao que já existe são a possibilidade de se trabalhar com mais de uma articulação ao mesmo tempo e a forma com que o controle do equipamento é feito.

Esse segundo diferencial merece um destaque especial. O corpo humano é fruto de uma sequência aleatória de mutações no DNA de outras espécies de animais, mutações que de alguma forma nos ofereceram vantagens biológicas em diversas etapas dos milhares de anos que compõem nossa história na Terra. Considerando esse processo de criação do que hoje chamamos de ser humano, pode-se imaginar o quão complexo é o funcionamento do nosso corpo. Existem muitas redundâncias nos mecanismos de acionamento dos nossos músculos, o nosso sistema nervoso ainda não foi completamente compreendido, muitas variáveis estão envolvidas mesmo nos movimentos mais simples, esses e muitos outros fatores fazem do corpo humano um sistema muito difícil de se controlar, e parte importante da pesquisa coordenada pelo Professor Adriano Almeida foi dedicada a desenvolver algoritmos para essa árdua tarefa. Você pode conferir o algoritmo desenvolvido para o Exoesqueleto Modular de Membros Inferiores da EESC nos artigos publicados pela equipe de pesquisa.

Projeto Andar de Novo

“A abertura da Copa do Mundo de 2014, no estádio Itaquerão, em São Paulo, foi palco de um chute histórico: um cidadão brasileiro paraplégico, por meio de um exoesqueleto controlado diretamente pela mente, desferiu o chute inicial da Copa com um pontapé que não só abriu o evento, mas demonstrou que no Brasil se faz ciência capaz de oferecer a humanidade algo que muitos julgaram impossível.”

É assim que começa a apresentação do Projeto Andar de Novo no site da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos, empresa pública brasileira de fomento à ciência, tecnologia e inovação). Esse projeto é um consórcio científico internacional de neurocientistas, engenheiros, neuroengenheiros, cientistas da computação, neurocirurgiões e profissionais da reabilitação que tem como objetivo de desenvolver um exoesqueleto controlado por uma interface cérebro máquina capaz de restaurar a locomoção em pessoas acometidas por paralisia.

Fonte: AASDAP

Em 2014 o Projeto Andar de Novo conseguiu a façanha de criar um exoesqueleto controlado por eletroencefalografia capaz de ajudar uma pessoa paraplégica a dar o chute inicial da Copa do Mundo no Brasil. Esse foi de fato um feito histórico, como descrito pela Finep, e de grande significado para a ciência brasileira e mundial. Além disso, o projeto publicou resultados sem precedentes na área de reabilitação. Num estudo realizado com 7 pessoas diagnosticadas com paraplegia ao longo de 28 meses, foi detectada uma recuperação parcial na capacidade de controlar os músculos paralisados, além de recuperação das funções sensoriais.

Conclusão

O mundo das órteses é imenso e este artigo buscou trazer um pouco do que existe de inovação nesse segmento, mas ainda existe muita coisa para se falar sobre o assunto, como a importância dos Fisioterapeutas e Terapeutas Ocupacionais nessa área e inovações menos tecnológicas mas com impacto enorme na vida das pessoas. Tudo isso pode voltar a aparecer por aqui como temas de outras publicações.

Grande parte dessas inovações tecnológicas ainda estão longe de causarem um grande impacto na vida da população como um todo, mas é evidente que estamos vivendo um momento crucial para o futuro da área de reabilitação. Exemplo disso são as declarações do bilionário Elon Musk sobre como sua empresa Neuralink atuará no setor nos próximos anos. Segundo Musk, as Interfaces Cérebro Máquina desenvolvidas pela Neuralink logo serão capazes de ligar o cérebro humano diretamente a qualquer aparato robótico, o que pode facilitar bastante o controle de exoesqueletos. Só nos resta aguardar para saber o que o futuro nos reserva.

Referências

Artigo “Design and Control of a Transparent Lower Limb Exoskeleton” publicado pela equipe de pesquisa da EESC citada: https://link.springer.com/chapter/10.1007%2F978-3-030-01887-0_34

Artigo “Training with brain-machine interfaces, visuo-tactile feedback and assisted locomotion improves sensorimotor, visceral, and psychological signs in chronic paraplegic patients” publicado pelo consórcio do Projeto Andar de Novo: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0206464

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