A pobreza menstrual também é um problema seu

Cada pessoa que menstrua se encontra em uma realidade específica: umas podem estar em situação de rua; outras, encarceradas; algumas podem ser pobres e algumas, ricas, mas todas, invariavelmente, precisam ter a sua dignidade menstrual protegida.

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Introdução

A menstruação não é um segredo guardado a sete chaves: nós crescemos vendo algumas propagandas (super discretas, por sinal) de absorventes e remédios para cólica na televisão, vemos parentes comprando absorventes e, às vezes, nas escolas, os professores de biologia comentam sobre o assunto. Ainda assim, mesmo que menstruar seja um acontecimento super normal da fisiologia humana, ele não é socialmente encarado com tanta naturalidade.

Pessoas que menstruam enfrentam as dores que acompanham a cólica e as mudanças comportamentais, emocionais e corporais decorrentes dos níveis hormonais alterados. Como se isso não fosse suficientemente desgastante, também precisamos lidar com a desinformação, com tabus, piadas e julgamentos, com a ausência de condições ideais de saneamento básico e com os preços, muitas vezes altos demais, dos produtos de higiene que são fundamentais para atravessar os períodos de sangramento. Tudo isso nos leva à pobreza menstrual. Se você não sabe o que é isso, não se preocupe, esse texto foi feito para te explicar!

Pontos Importantes

De acordo com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)[1], a pobreza menstrual é “um conceito que reúne em duas palavras um fenômeno complexo, transdisciplinar e multidimensional” que acontece “devido à falta de acesso a recursos, infraestrutura e conhecimento”. Ou seja, pessoas que menstruam e que estão privadas do acesso a itens de higiene, medicamentos, condições sanitárias básicas e educação sexual são vítimas do descaso com a saúde menstrual. Porém, antes de nos aprofundarmos mais em tal problemática, é crucial entendermos alguns conceitos iniciais.

Primeiramente, tem-se difundida a ideia de que apenas meninas e mulheres cisgênero menstruam, mas isso não é verdade: qualquer pessoa com útero (incluindo homens e meninos trans e pessoas não binárias) pode menstruar.

Em segundo lugar, a menstruação não é uma certeza. Não é porque alguém tem útero que esse indivíduo vai, necessariamente, menstruar. Muitos fatores podem influenciar e até impedir a ocorrência desse evento, como condições emocionais, alimentação, doenças e uso de medicamentos.

Compreendendo a dimensão do problema

O menstruar, para além da biologia, também é atravessado por questões sociais. Nesse sentido, é fundamental que os mais diversos marcadores sociais da diferença (que compreendem aspectos como classe e raça) sejam considerados quando se fala desse assunto, principalmente em um país como o Brasil, que é marcado por desigualdades históricas. Os dados apresentados pelo relatório “Livre para menstruar”[2], elaborado pelo movimento Girl Up [3] e pela empresa Herself [4], exemplificam de maneira clara a necessidade de se fazer uma análise completa da situação brasileira: segundo a pesquisa por eles realizada, cerca de 213 mil meninas brasileiras não possuem banheiros em condições de uso nas suas escolas — o que as impede verificar o fluxo sanguíneo, por exemplo — e 65% dessas garotas são negras. Devido à ausência de uma infraestrutura adequada, o documento nos conta que muitas meninas passam a faltar às aulas durante os períodos nos quais estão menstruadas, o que impacta diretamente o processo de aprendizagem delas.

Outrossim, muitas das pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade precisam recorrer a materiais inadequados visando substituir absorventes e coletores. Alguns dos substitutos são: pedaços de papel, retalhos de tecidos, panos sujos e até miolo de pão. Todos esses recursos oferecem riscos para a saúde íntima de quem os utiliza.

Diante de tudo isso, sugiro uma reflexão: é justo que um número expressivo de pessoas seja privado de alguns direitos garantidos por lei, como saúde e educação, simplesmente por menstruar?

O que podemos fazer?

A primeira coisa é: falar sobre o assunto e isso não depende de você menstruar ou não. A desinformação não é amiga de ninguém; a educação sexual (que também engloba a educação menstrual) é fundamental.

Outrossim, a criação de políticas públicas é uma opção. Atualmente, observa-se que algumas iniciativas nesse sentido têm sido bem-sucedidas, como o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, proposto pela deputada Marília Arraes e aprovado pelo Senado recentemente [5], ou como a Lei 8.924/2020, que inclui absorventes como itens da cesta básica no Rio de Janeiro [6].

Cabe ainda investir no desenvolvimento de tecnologias, que vão ajudar não somente os indivíduos que menstruam, mas também o meio ambiente e, consequentemente, a sociedade como um todo.

Por último, é benéfico também realizar pesquisas científicas que considerem a pluralidade das pessoas que menstruam. A maioria dos estudos encontrados sobre esse assunto investiga apenas a situação de meninas e mulheres. Todavia, vimos anteriormente que não são apenas elas que ficam menstruadas. Invisibilizar também é violência.

Recomendações

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Se você achou esse assunto interessante e quer se aprofundar nele, além de conhecer um pouco mais sobre como se dá essa problemática em outros países, seguem algumas indicações de filme, livro e documentário:

Documentário: “Absorvendo o Tabu”, de Rayka Zehtabchi, que foi ganhador do Oscar em 2019 e está disponível na Netflix.

Livro: “Presos que menstruam”, de Nana Queiroz, que fala um pouco da situação de mulheres que se encontram encarceradas.

Filme: Padman, disponível na Netflix, que conta a história de um homem indiano que desenvolveu sozinho uma máquina para fabricar absorventes.

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Referências

[1] Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/relatorios/pobreza-menstrual-no-brasil-desigualdade-e-violacoes-de-direitos.

[2] Girl Up e Herself educacional. “Livre para menstruar: pobreza menstrual e a educação de meninas”. Disponível em: https://livreparamenstruar.org/sobre/.

[3] Movimento Girl Up: https://portuguese.girlup.org/.

[4] Herself: https://herself.com.br/sobre/.

[5] Senado aprova criação de programa de proteção e promoção da saúde menstrual. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2021/09/14/senado-aprova-criacao-de-programa-de-protecao-e-promocao-da-saude-menstrual.

[6] Disponível em: http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/faces/oracle/webcenter/portalapp/pages/navigation-renderer.jspx;jsessionid=7tnxBVypNIfO1jgvZ9cd7QhAO5LVy3JeeC1JxWC7hbo5II5mFIJ-!-1156166729?datasource=UCMServer%23dDocName%3AWCC42000009211&_adf.ctrl-state=5fio2ga21_1&_afrLoop=50901682758316704&_afrWindowMode=0&_afrWindowId=null

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