Aplicação de bioeletrônica no monitoramento do suor

Nesta publicação vamos discutir um artigo científico sobre um sensor vestível usado para a detecção de substâncias no suor

Figura 1: Imagem ilustrativa de um circuito orgânico e flexível. Fonte: Interuniversity Microelectronics Centre (Imec)

O corpo humano pode ser aproximado por um sistema bastante complexo, com diversos subsistemas e variáveis que interagem continuamente entre si para garantir seu funcionamento. Algumas profissões se ocupam de garantir esse funcionamento, e para isso é bastante útil conseguir monitorar os sinais produzidos por esse sistema.

Uma das interfaces mais diretas entre o interior e o exterior do corpo é o suor, rico em biomarcadores (i.e. elementos que indicam o funcionamento correto ou patológico do organismo) como eletrólitos, proteínas e hormônios, sendo bastante utilizado pela bioeletrônica para criar dispositivos capazes de fazer um monitoramento não invasivo desses biomarcadores.

Nesta publicação vamos discutir sobre uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, na qual pesquisadores desenvolveram um biossensor vestível e biocompatível que conta com eletrodos impressos em uma matriz de nanocelulose microbiana capaz de aderir à pele humana e detectar a presença de substâncias como chumbo, cádmio e ácido úrico no suor (ilustração do sensor na Figura 2).

Figura 2: Sensor vestível desenvolvido por pesquisadores do IFSC. Fonte: Silva et al. (2020) [2]. Tradução: eletrodo impresso de carbono (printed carbon elecrode), nanocelulose autoaderente (self-adherent nanocellulose), poro (sweat pore), glândula sudorípara (sweat gland).

Sensor desenvolvido no IFSC

Sensores eletroquímicos como o desenvolvido na pesquisa coordenada pelo professor Osvaldo Novais de Oliveira Junior não são novidade, existem sensores, como o Xsensio, capazes de monitorar em tempo real a concentração de algumas substâncias no organismo. Esses sensores, no geral, são constituídos de um circuito elétrico impresso numa matriz de sustentação. No caso do sensor desenvolvido na pesquisa do IFSC, foram impressos eletrodos de carbono em uma matriz de nanocelulose microbiana.

Matriz de nanocelulose microbiana (MNC)

Os sensores que já existem no mercado são produzidos numa matriz de polímeros sintéticos com módulo de elasticidade parecido com o da pele (i.e. são tão “flexíveis” quanto a pele), para que seu uso em tecnologias vestíveis seja o mais confortável possível. Mas o fato de serem sintéticos faz com que eles funcionem como uma barreira para o suor e não tenham adesão à pele sem o uso de adesivos, fatores estes que causam irritação na pele sob o sensor. Nesse cenário, a nanocelulose microbiana (usada pelos pesquisadores do IFSC) se mostra como uma excelente alternativa aos polímeros sintéticos usados até então.

“A nanocelulose microbiana é um polímero 100% natural, produzida por bactérias a partir do açúcar. Sua principal vantagem em relação ao plástico é que propicia uma interface muito maior com a pele e já é encontrada no mercado há alguns anos na forma de curativos. No entanto, ainda não havia sido estudada como matriz para a fabricação de sensores eletroquímicos” diz Robson Rosa da Silva, um dos autores principais do artigo[1].

Então sensores vestíveis feitos em matriz de nanocelulose microbiana apresentam as vantagens de serem biocompatíveis com os tecidos humanos (i.e. não precisam de adesivos para aderir aos tecidos), e não são degradáveis no corpo, devido ao alto grau de cristalinidade do material e à falta de enzimas no organismo humano capazes de decompô-lo. Além disso, são permeáveis a líquidos e gases, o que os colocam à frente dos sensores construídos em matrizes de polímeros sintéticos.

Eletrodos impressos de carbono (SPCEs)

Os eletrodos de carbono impressos na matriz de MNC são a peça chave para o funcionamento do sensor eletroquímico. A impressão deles é feita com uma pasta condutora de carbono através de uma técnica de serigrafia semiautomatizada. A pasta é depositada sobre a matriz num padrão desenhado em um software de CAD, depois é levada a um forno para que seque e forme o sensor de 1,5 x 0,5 cm.

Funcionamento e aplicação do dispositivo

Nos testes feitos na pesquisa do IFSC, o sensor é conectado a um potenciostato capaz de medir a variação da corrente que flui entre os eletrodos. Essa corrente varia devido a reações químicas de oxidação e redução causadas pela presença de elementos químicos no sensor, e representa uma forma de conversão de sinais químicos em elétricos. Nos testes, o sensor foi capaz de detectar a presença de metais pesados, como chumbo e cádmio, simultaneamente numa substância artificial que simula o suor humano. Esses resultados por si só já são bastante positivos, mas com o mesmo princípio de funcionamento muitas outras substâncias podem ser detectadas como por exemplo: sódio, ácido úrico e glicose.

“Esses elementos ou substâncias, que circulam na corrente sanguínea, são detectáveis também no suor. Assim, uma aplicação possível do sensor de nanocelulose é o monitoramento da diabetes. Outra é o controle hormonal em mulheres, por meio da detecção do hormônio estradiol”, diz Robson R. da Silva [1].

Conclusão:

Ainda existe bastante espaço para desenvolver tecnologicamente o biossensor criado pelos pesquisadores de São Carlos como, por exemplo, a inclusão de uma eletrônica adicional que permita a transmissão de dados sem fio. Mas já é tangível o impacto que essa e outras tecnologias desse tipo podem causar na saúde brasileira. A produção em massa e comercialização de uma tecnologia nesses moldes poderia permitir que profissionais da saúde acompanhassem remotamente pacientes de uma forma mais fácil e confiável, o que pode ser essencial num país onde a telemedicina tem tomado cada vez mais relevância. Outra possibilidade é que uma tecnologia como essa torne as pessoas cada vez mais autônomas e donas do próprio cuidado, com um domínio maior sobre a saúde do próprio corpo.

Fontes:

[1] José T. Arantes. Sensor vestível em material natural analisa substâncias presentes no suor. Jornal da USP. Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/sensor-vestivel-em-material-natural-analisa-substancias-presentes-no-suor/. Acesso em: 06/08/2020.

[2]Robson R. Silva, Paulo A. Raymundo-Pereira, Anderson M. Campos, Deivy Wilson, Caio G. Otoni, Hernane S. Barud, Carlos A.R. Costa, Rafael R. Domeneguetti, Debora T. Balogh, Sidney J.L. Ribeiro, Osvaldo N. Oliveira Jr.
Microbial nanocellulose adherent to human skin used in electrochemical sensors to detect metal ions and biomarkers in sweat. Talanta, v. 218, 2020. Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0039914020304446. Acesso em: 06/08/2020.

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