Biobaterias e o potencial sustentável

Nesta publicação, vamos entender um pouco sobre como as biobaterias podem ser úteis para o consumo sustentável de energia elétrica.

Higor Souza Cunha
ARGO — Divulgação Científica
6 min readMay 16, 2021

--

Figura 1. Energia Limpa — foco das Biobaterias. Fonte [1].

Destaques

• Em 2019, a fonte Biomassa foi responsável por gerar 8,3% (52,11 GWh) de toda a energia elétrica do Brasil;

• Biobateria baseada em vinhaça foi capaz de apresentar potência em torno de 48 W/m³ de volume do sistema;

• Biobateria baseada em suor produziu 4,3 mW durante atividade física e conseguiu alimentar um biossensor.

Sustentabilidade

A sustentabilidade refere-se ao princípio da busca pelo equilíbrio entre a disponibilidade dos recursos naturais e a exploração deles por parte da sociedade (para saber mais sobre o conceito, sugere-se a leitura do seguinte artigo em inglês). Possui um papel muito importante não só como fator principal na geração de energia limpa como também em questões sociais, econômicas e ambientais. Com o crescimento dos meios urbanos e rurais, além da crescente industrialização, a demanda por energia convencional também aumenta (vide Figura 2), o que impacta em questões como a emissão de gases poluentes, desmatamento e aquecimento global. A sustentabilidade é um conceito que visa a utilização dos recursos renováveis (energia limpa) para diminuir tais índices prejudiciais ao meio ambiente.

Figura 2. Histórico da relação Consumo de Eletricidade x Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil. Neste gráfico nota-se as variações percentuais anuais das categorias analisadas, e percebe-se, por exemplo, que as variações foram positivas ao longo das décadas (tendência de crescimento) e que o consumo de eletricidade cresce normalmente mais de 50% em relação à economia brasileira (a Elasticidade-renda). Tal cenário mostra que a industrialização e o crescimento urbano, favoráveis ao crescimento do PIB, influenciam no consumo de energia. Fonte [2].

O consumo total de energia elétrica no Brasil em 2019 foi, segundo o Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2020 [3], de 482 TWh (Terawatt-hora), cujas fontes hídrica (63,5% — 397,9 GWh), gás natural (9,6% — 60,2 GWh) e eólica (8,9% — 56,0 GWh) tiveram maior impacto na matriz energética. No entanto, as gerações de energia através da água (Usina Hidrelétrica) e vento (Usina Eólica) trazem muitos impactos ao meio ambiente [4], o que vai contra a ideia de preservação ambiental, apesar de serem fontes renováveis/limpas. No caso da usina hidrelétrica, o desequilíbrio ecológico pode ser um impacto em virtude da necessidade de desmatar ou alagar grandes espaços, além de prejudicar o ciclo de reprodução de algumas espécies aquáticas. No caso da usina eólica, a morte de animais (morcegos e aves se chocam contra as pás das hélices) e a destruição da vegetação nativa (para a instalação da usina) são algumas das problemáticas.

Uma fonte que pouco se fala é a Biomassa, que é toda matéria orgânica de origem vegetal ou animal usada com a finalidade de produzir energia, sendo que em 2019 foi responsável por gerar 8,3% (52,1 GWh) de toda a energia elétrica no Brasil [3]. A Biobateria é uma tecnologia atrelada à fonte biomassa e é muito recorrente nas pesquisas acadêmicas, então hoje vamos explorar esse conceito através de 2 aplicações para entendermos o seu potencial.

Biobateria de Vinhaça

Pesquisadores vinculados ao Laboratório de Saneamento e Tecnologias Ambientais (LabSanTec) da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, motivados pela sustentabilidade nos setores de energia e saneamento, desenvolveram um modelo de Célula a Combustível Microbiana (CCM) que é capaz de gerar eletricidade a partir de águas residuárias urbanas e agroindustriais, a exemplo da vinhaça, resíduo obtido na produção de bioetanol e que possui alta concentração de compostos orgânicos e sais minerais, podendo causar acidificação e salinização no solo, onde é normalmente descartado [5].

O Grupo de Pesquisa Água, Saneamento e Sustentabilidade (GEPASS) mantém seis unidades que apresentam potência em torno de 48 W/m³ (watt por metro cúbico) de volume do sistema. Na figura abaixo, nota-se os protótipos da CCM em laboratório.

Figura 3. Biorreatores (protótipo da CCM) instalados no Laboratório de Saneamento e Tecnologias Ambientais da EACH. Fonte [5].

Funcionamento da CCM

A CCM elaborada pode ser compreendida pelo esquemático da figura abaixo.

Figura 4. Esquema de funcionamento da CCM. Fonte [5].

O efluente (resíduo proveniente das atividades humanas) ou esgoto orgânico (Organic Wasterwater) é bombeado para a câmera de ânodo (Anode Chamber). Nessa câmera ocorre o tratamento, onde as bactérias eletrogênicas (geram corrente elétrica) crescem formando um biofilme sobre um material condutor e se alimentam dos poluentes, gerando corrente elétrica. Tal corrente elétrica é então introduzida, através de fios condutores, para câmera de catodo (Cathode Chamber), onde ocorre uma reação química responsável por completar a limpeza do esgoto (Clean Water). A eletricidade gerada no processo é a fonte de energia almejada.

Para entender mais sobre os conceitos técnicos sobre Células Eletroquímicas, sugere-se a leitura da seguinte referência.

Biobateria de Suor

Outra aplicação interessante de como compostos orgânicos podem ser úteis na geração de eletricidade é a biobateria movida a suor. Isso mesmo, já existem pesquisas na área, como da equipe de cientistas da Universidade de Tóquio, no Japão, em que criou-se células de biocombustível capazes de carregar equipamentos eletrônicos vestíveis através do suor do usuário. O trabalho foi publicado em um artigo científico [6].

Funcionamento

A energia elétrica é gerada a partir da substância lactato produzida pelo organismo após a queima de glicose, como quando fazemos alguma atividade física. A tecnologia produzida é um papel impermeável que pode ser utilizada na pele, como é ilustrado na figura abaixo.

Figura 5. Suor em contato com o papel impermeável durante atividade física. Adaptado de [7].

Tal papel impermeável possui várias células de biocombustível e nelas ocorre uma reação eletroquímica entre o lactato e as enzimas colocadas nos eletrodos (catodo “c” e ânodo “a”, igual visto na biobateira de vinhaça), gerando tensão de 3,4 V e uma potência de saída de 4,3 mW nos experimentos com 6 células em série e 6 células em paralelo [6]. Na figura a seguir tal processo é ilustrado.

Figura 6. Alimentação de um biossensor através da biobateria produzida. O suor reage com as enzinas presentes nos eletrodos “c” e “a”, e tal reação gera corrente elétrica para alimentar o dispositivo. Adaptado de [7].

Conclusão

As aplicações envolvendo biobaterias são as mais variadas possíveis e seus potenciais energéticos podem até ser questionáveis, visto que nos exemplos apresentados a biobateria de vinhaça produz 48 W/m³, enquanto a de suor produz 4,3 mW (arranjo 6x6). Claramente não conseguem suprir a demanda de energia do Brasil por exemplo (482 TWh em 2019), mas são tecnologias com grande potencial sustentável/ecológico, e quem sabe no futuro, com investimento maciço em pesquisa de base, não integram ainda mais a matriz energética mundial. Até lá conseguimos gerar energia através do esgoto e até mesmo abandonar o sedentarismo para carregarmos nossos equipamentos eletrônicos.

Gostou desse texto? Continue seguindo o nosso Medium para receber informações desse tipo e de outros temas interessantes! Acompanhe também o ARGO no Facebook, Instagram, Linkedin e Twitter!

Referências

[1]Energia limpa: fator-chave para evitar caos climático, indica estudo | CEISE Br. Ceisebr.com. Disponível em: <http://www.ceisebr.com/conteudo/energia-limpa-fator-chave-para-evitar-caos-climatico-indica-estudo.html>. Acesso em: 11/05/2021.

[2]Demanda de Energia. Disponível em: <https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-40/topico-66/Cap2_Texto.pdf>. Acesso em: 11/05/2021.

[3]Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2020. Disponível em: <https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-160/topico-168/EPEFactSheetAnuario.pdf>. Acesso em: 11/05/2021.

[4]Energia e Sustentabilidade: Entenda o poder dessa combinação. Disponível em: <https://blog.energilux.com.br/energia-e-sustentabilidade/#:~:text=Quando%20o%20conceito%20de%20sustentabilidade,e%20que%20se%20reabastecem%20naturalmente.&text=o%20sol%20(energia%20solar%20ou,os%20ventos%20(energia%20e%C3%B3lica)%3B>. Acesso em: 11/05/2021.

[5]Biobaterias geram eletricidade a partir de esgoto sanitário e efluentes agroindustriais. Disponível em: <https://jornal.usp.br/ciencias/biobaterias-geram-eletricidade-a-partir-de-esgoto-sanitario-e-efluentes-agroindustriais/>. Acesso em: 10/05/2021.

[6]SHITANDA, Isao; MORIGAYAMA, Yukiya; IWASHITA, Risa; et al. Paper-based lactate biofuel cell array with high power output. Journal of Power Sources, v. 489, p. 229533, 2021. Disponível em:<https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0378775321000811>. Acesso em: 13/05/2021.

[7] Wearable Biofuel Cells that Produce Electricity from Sweat. Disponível em. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=TvXX8mU93Lo&t=40s>. Acesso em: 13/05/2021.

--

--