ButanVac: um caminho para o fim da pandemia?

Leia sobre a ButanVac, vacina brasileira feita “cultivando” o vírus em ovos de galinha

Fonte: Freepik

Vacinas para Covid-19 no Brasil

Em janeiro de 2021 a Anvisa aprovou o uso emergencial no Brasil de duas vacinas para a Covid-19: a CoronaVac, do laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, e a vacina de Oxford/Astrazeneca, feita em parceria com a Fiocruz. No mês seguinte foi concedido o registro definitivo para a vacina da Pfizer/BioNTech e mais recentemente a vacina da Janssen também recebeu autorização para uso emergencial no Brasil. Além disso, a vacina indiana Covaxin teve seu uso emergencial negado e a russa Sputinik V teve seu prazo de análise suspenso.

Mesmo com tantas vacinas sendo analisadas e negociadas no Brasil, a situação é gravíssima, todos os dias vemos novos recordes de mortes por Covid-19, estamos quase sem leitos de UTI disponíveis e em crescente alta de casos da doença. Para sairmos dessa situação, agilidade na campanha de vacinação é absolutamente essencial e quanto mais opções de vacinas estiverem disponíveis no mercado, melhor.

Nesse contexto, mesmo sofrendo ataques e cortes orçamentários, a ciência brasileira tem mostrado porque ocupa o posto de 13ª mais produtiva do mundo. Além de termos sequenciado em apenas 48 horas o genoma do novo coronavírus presente no primeiro caso de Covid-19 no Brasil, hoje, pouco mais de um ano após o início da pandemia, temos duas vacinas nacionais indo para o início de testes clínicos, e tantas outras em etapas anteriores de desenvolvimento.

Vacinas nacionais

A ButanVac e a Versamune são as duas vacinas desenvolvidas no Brasil que estão em estágio mais avançado. A ButanVac está sendo desenvolvida pelo Instituto Butantan, e a Versamune está sendo desenvolvida pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (FMRP-USP) em parceria com a empresa brasileira Farmacore e a americana PDS Biotechnology. Tanto a ButanVac quanto a Versamune aguardam aprovação da Anvisa para iniciar testes em humanos. Além disso, no último dia 29 de março o secretário de Pesquisa e Formação Científica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcelo Morales, anunciou em audiência pública que outros dois imunizantes nacionais estão prestes a pedir autorização para iniciar testes clínicos: um spray nasal desenvolvido pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, da FMUSP, e uma outra vacina que está sendo desenvolvida pela UFMG.

Além das duas já citadas, a USP tem outras duas vacinas em desenvolvimento, para saber mais sobre elas clique aqui.

Espero que esse breve resumo tenha te ajudado a entender nossa situação em relação às vacinas contra Covid-19. A partir deste ponto vamos falar apenas sobre a ButanVac e o porquê de sua existência ser uma ótima notícia para muitos países de baixa e média renda.

ButanVac

A ButanVac é resultado de um consórcio internacional que tem, como produtores públicos, o Butantan (principal produtor, responsável por 85% da capacidade total), o Instituto de Vacinas e Biologia Médica do Vietnã e a Organização Farmacêutica Governamental da Tailândia.

Fonte: Governo de SP

Instituto Butantã

O Instituto Butantan foi criado em 1899 pela administração pública do estado de São Paulo para combater um surto de peste bubônica que se propagava a partir do porto de Santos. Desde sua criação, o laboratório instalado na Fazenda Butantan cresceu muito em tamanho e em importância, hoje, mais de um século após sua fundação, o Butantan é referência em diversas áreas de pesquisa e o maior produtor de vacinas do Hemisfério Sul. Sua longa história e credenciais de peso conferem ao Instituto Butantan credibilidade e experiência suficientes para nos dar esperanças de que dias melhores estão por vir, pelo menos no que diz respeito à vacinação contra Covid-19.

Tecnologia

A produção da CoronaVac e de outras vacinas (como a da gripe), deu uma boa base para o desenvolvimento da ButanVac. Segundo o diretor do Butantan e o diretor médico da pesquisa, Dimas Covas e Ricardo Palacios, a CoronaVac nos permitiu descobrir que vacinas baseadas em partes inativadas do vírus são eficazes e, além disso, nós conhecemos bem a tecnologia que pode ser usada para desenvolver esse tipo de imunizante, já que é amplamente utilizada na produção da vacina da gripe.

A possibilidade de uma vacina que usa a inoculação do vírus em ovos embrionados de galinha (tecnologia usada na vacina da gripe), é uma notícia fantástica, isso porque é uma tecnologia bastante utilizada no mundo todo, barata e segura, o que pode aumentar a oferta mundial de vacinas para Covid-19.

O processo de produção de vacinas desse tipo ocorre da seguinte maneira:

  1. Amostras do vírus da Doença de Newcastle (infecção que afeta aves) são modificadas para produzir a proteína S, presente na variante P1 (brasileira) do coronavírus. As amostras modificadas são então injetadas na cavidade alantóica de ovos de galinha embrionados (contendo embriões vivos dentro).
Fonte: Dra. Cosue Miyaki, em Simpósio sobre Produção de Vacinas realizado na Academia Brasileira de Ciências.

2. Esses ovos são incubados, para que o vírus se multiplique.

3. Depois do período de incubação os ovos são resfriados para que ocorra a morte do embrião e a liberação do vírus no líquido alantóico.

4. Então o líquido alantóico é colhido, filtrado e purificado.

5. O líquido purificado passa por um processo de inativação do vírus.

6. Então, depois de alguns processos de formulação e controle de qualidade, finalmente a vacina está pronta para ser envasada e distribuída!

Veja essa matéria do Fantástico sobre o processo:

Note que o processo de fabricação da ButanVac já foi adaptado especificamente para a variante P1 do coronavírus, aquela mais transmissível e que surgiu em Manaus. Essa é mais uma vantagem de uma vacina brasileira, ela está adaptada para as necessidades específicas da nossa população!

Testes clínicos

No estágio atual, a ButanVac aguarda aprovação da Anvisa para iniciar ensaios clínicos de fases 1 e 2 em humanos, o que quer dizer que ela já passou por uma etapa de testes em laboratório e em animais, e se mostrou promissora em imunizar seres humanos contra a Covid-19 com segurança. As etapas de testes de uma nova candidata a vacina são rigorosamente regulamentadas pela Anvisa:

Fonte: Ministério da Saúde, site do Governo Federal

Na etapa de pesquisa básica e testes não clínicos, o objetivo é verificar a segurança da vacina e sua capacidade de gerar anticorpos, a partir de testes em laboratório (chamados in vitro) e com animais. Alguns testes com animais também podem ser realizados em paralelo com a etapa de estudos clínicos.

As fases 1, 2 e 3 são partes do estudo clínico, esse se caracteriza pela realização de testes em humanos. Para iniciar essa etapa o protocolo desse estudo deve ser aprovado pela Anvisa, e isso depende de como as pessoas que conduzem a pesquisa estruturaram essa etapa de análise, além dos resultados dos testes in vitro e em animais.

A etapa final do processo é a do registro, que significa que aquela vacina é atestadamente segura e eficaz. Durante a pandemia da Covid-19 não tem sido necessário que as vacinas tenham atingido essa etapa para que sejam aplicadas em massa na população, desde que elas tenham sido aprovadas para uso emergencial. No geral, para conseguir o registro definitivo, devem ser conduzidos estudos sobre como a vacina se comporta no organismo a longo prazo, o que não tem sido possível devido ao caráter emergencial da situação, até agora a única vacina que conseguiu o registro no Brasil foi da Pfizer/BioNTech.

Por fim, é válido dizer que não é porque você foi vacinado que deve deixar de seguir as medidas de prevenção recomendados pelos órgãos de saúde. A vacinação não impede que você transmita o vírus da Covid-19, então é muito importante que, mesmo vacinados, cada um de nós continue usando máscara e em isolamento social, para evitar o surgimento de novas variantes do vírus, pelo menos até se ter uma boa cobertura vacinal em todo o país.

Conclusão

O surgimento de vacinas nacionais, mesmo que seja fruto de parcerias internacionais, é um motivo de comemoração e celebração da ciência brasileira que, mesmo em meio a descredito e subfinanciamento, tem sobrevivido e gerado bons resultados (considerando as condições). Infelizmente o Brasil possui uma capacidade inovativa baixa, que não acompanha o tamanho e a qualidade da nossa ciência, esse é um dos fatores que atrasam o desenvolvimento de vacinas em solo brasileiro. Investir em ciência é sempre um bom investimento, gera retornos fundamentais para o crescimento do país. Leia mais aqui sobre como o atraso tecnológico prejudica o Brasil na corrida por vacinas e defenda a ciência brasileira.

Referências

https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/paf/noticias-anvisa/2020/vacina-contra-covid-19-dos-testes-iniciais-ao-registro

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