Câncer de próstata e iniciativas tecnológicas para um eficaz diagnóstico

Nesta publicação, vamos entender o contexto do câncer de próstata e como iniciativas emergentes prometem melhorar o diagnóstico do tumor.

Higor Souza Cunha
ARGO — Divulgação Científica
9 min readNov 12, 2020

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Figura 1. Relação Paciente-Médico no contexto do câncer de próstata. Fonte [1]

Destaques

• Pesquisadores da University College London pretendem utilizar em conjunto imagens de ressonância magnética e exames de sangue para tornar o diagnóstico do câncer de próstata mais eficaz.

• Exame de Urina se mostrou eficaz no diagnóstico do câncer de próstata com 100% de precisão para um estudo com 12 pacientes.

• A identificação de células tumorais com apenas 5 ml de sangue indicou eficácia de 80% com resultado em 24h.

Contextualização

A próstata é uma glândula presente no sistema reprodutor masculino e tem como função fornecer o fluido prostático ou líquido seminal que se mistura aos espermatozoides nos testículos para que possam sobreviver e serem expelidos durante a ejaculação. Tal fluido prostático apresenta elevado pH (Potencial de Hidrogênio) e protege os espermatozoides do ambiente ácido da vagina, além disso, aumenta a mobilidade dos gametas masculinos, o que facilita a chegada destes ao óvulo.

Figura 2. Anatomia da Próstata. Fonte [2]

O câncer de próstata, que atinge cerca 65 mil brasileiros por ano, sendo responsável por 13,6 mortes para cada 100 mil homens, de acordo com dados do Inca (Instituto Nacional de Câncer) [3], é mais comum em idosos - estima-se que seis entre dez casos registrados no mundo ocorrem em homens com 65 anos ou mais [4].

Figura 3. Anatomia da Próstata com tumor. Fonte [5]

Sintomas

Em termos de sintomas, o câncer, em geral, surge silenciosamente, sem causar dor, mas em sua manifestação alguns sinais são explicitados, tais como: necessidade frequente de urinar; dificuldade em iniciar ou interromper a micção (eliminação da urina); fluxo fraco ou interrompido de urina; dor ou ardor; dificuldade para ter uma ereção e ejaculação dolorosa; sangue na urina ou no sêmen; dor frequente; e rigidez na parte inferior das costas, quadris ou coxas.

Diagnóstico

Há dois exames tradicionais que auxiliam no diagnóstico, são eles: o teste de sangue que mede os níveis do Antígeno Prostático Específico na próstata (PSA — Prostate Specific Antigen) e o Toque Retal. Quanto ao primeiro, tem-se uma medida indireta, pois não é o câncer propriamente dito que é identificado. Isso acontece porque o PSA é produzido pela próstata em resposta a uma série de alterações que podem estar presentes, incluindo uma infecção ou inflamação (prostatite), o aumento de tamanho da próstata (hiperplasia benigna da próstata) ou, possivelmente, o câncer. Assim, este componente é útil na detecção nos estágios inicias, porém é mais eficaz quando é feito, concomitantemente, ao segundo exame citado, toque retal, ademais no teste de PSA, leva-se em consideração fatores de risco (idade, histórico familiar e estado de saúde geral). Já o Toque Retal é um exame popular, em que o médico insere um dedo no ânus, utilizando luva e lubrificante, e analisa a região. O procedimento é rápido — em média 10 segundos [6] — , indolor e não traz riscos à saúde.

Tratamento

Os tratamentos, dependendo do caso, englobam cirurgia, radioterapia e terapia hormonal. No entanto, nem todos os tipos de câncer de próstata requerem tratamento imediato, uma vez que o tratamento do câncer de próstata depende da idade, do estadiamento do tumor, da quantidade de células cancerígenas presentes no tecido da biópsia, dos sinais e sintomas apresentados e do estado de saúde geral do paciente. Deste modo, a Vigilância Ativa é uma metodologia aplicada, em que o paciente passa por observação contínua antes de ser submetido aos tratamentos.

As principais recomendações envolvem primeiramente a prevenção, com prática regular de atividade física, manutenção de um peso saudável, diminuição ou exclusão do consumo de álcool e do ato de fumar. Uma alimentação pobre em gorduras de origem animal e rica em frutas, verduras, grãos e cereais integrais pode diminuir o risco de câncer, bem como o de outras doenças crônicas [4]. Uma outra recomendação é a detecção precoce que pode ser feita com a ida regular ao urologista, cuja orientação é fazer os exames de PSA e Toque Retal a partir dos 50 anos, mas, em casos com histórico familiar, os exames podem começar antes.

Iniciativas Emergentes

A partir dessa contextualização e também considerando o avanço da tecnologia, pode-se perceber que várias iniciativas diariamente estão sendo desenvolvidas ao redor do mundo, de tal modo a tornar o câncer de próstata cada vez mais controlado e menos danoso/desconfortável ao paciente, uma vez que nos exames e tratamentos podem existir preconceitos e medos infundados, ineficiência e até efeitos colaterais.

Como forma de apresentar um pouco esse universo de iniciativas, neste capítulo, serão destacadas 3 tendências tecnológicas, tais como: Ressonância Magnética na University College London (UCL); Exame de Urina na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB–USP); e Manipulação do Conteúdo Genético pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Ressonância Magnética — UCL

O câncer de próstata é um dos tipos mais comuns entre os homens, porém sua detecção não é fácil, uma vez que o procedimento utilizado para diagnosticá-lo é pouco preciso. Um projeto promissor denominado ReIMAGINE, liderado pela UCL, aposta em combinação de imagens de ressonância magnética e exames de sangue para tornar o diagnóstico com maior precisão. Mark Emberton, professor de oncologia intervencionista da UCL, em entrevista [7], fala sobre o exame de PSA que ao apresentar níveis elevados leva à realização da biópsia do tecido:

“Mas os níveis de PSA não são um indicador confiável do câncer de próstata: cerca de 75% dos homens que obtêm um resultado positivo não têm o câncer, enquanto que (o teste) não detecta a doença em cerca de 15% dos homens que a têm.”

Figura 4. Sessão de Ressonância Magnética. Fonte [8]

Tal contexto é problemático, pois culmina em exames e operações desnecessárias, o que eleva a quantidade de pacientes submetidos à biópsia invasiva a qual possui efeitos colaterais como dor, sangramento e infecções. Esses fatores aumentam os custos ao sistema de saúde.

Assim, a equipe está analisando se as imagens por ressonância magnética podem servir para fazer um diagnóstico efetivo de câncer de próstata em homens, da mesma forma que as mamografias são utilizadas para detectar o câncer de mama em mulheres. O objetivo é atenuar todos os problemas envolvidos e assim tornar mais eficaz o diagnóstico do câncer de próstata.

No momento, selecionaram 300 homens com idade entre 50 e 75 anos de forma aleatória para o estudo, e, posteriormente, cada paciente será submetido ao exame de PSA, além de 10 minutos de ressonância magnética. A ideia é combinar resultados dos radiologistas e urologistas de tal forma a avaliar com mais precisão a ocorrência ou não do câncer.

Exame de Urina — FMUSP e ICB-USP

Um estudo produzido pelo Laboratório de Investigação Médica da Disciplina de Urologia (LIM 55) da FMUSP, em parceria com o ICB-USP, conseguiu identificar pacientes com câncer de próstata a partir do exame de amostras de urina [9]. Além de permitir o diagnóstico de modo não invasivo, a técnica também possibilitou a análise da agressividade do tumor, fundamental para determinar o melhor tratamento.

Kátia Leite, professora da FMUSP e chefe do LIM 55, também ressalta certa imprecisão acerca do exame do PSA, preferível por ser menos invasivo, mas que não elimina a necessidade da biópsia:

“O PSA é um marcador interessante, pois é específico da próstata. Mas não é específico do câncer de próstata, pois também pode aumentar na hiperplasia prostática benigna e na prostatite, por exemplo. O que precisamos é de melhores indicadores para fazer uma biópsia de maneira segura e em um número menor de pacientes.”

O estudo começou em 2014 e tinha como objetivo a identificação de marcadores genéticos para prognóstico e diagnóstico do câncer de próstata. A pesquisa foi feita com homens que já tinham suspeita de câncer e, por isso, tinham indicação de biópsia para diagnóstico definitivo. Destes pacientes foi coletado um fragmento da biópsia para estudo molecular e também uma amostra de urina, da qual foi possível sequenciar uma série de gene. A partir da urina coletada foi caracterizado um perfil de proteína, por meio da espectrometria de massa (técnica que mede a massa e a estrutura química das moléculas). Como apontou o estudo, a urina pode conter elementos que refletem os processos bioquímicos relacionados ao desenvolvimento de um tumor, e, com o perfil identificado de expressão de gene, foi possível caracterizar um tumor quanto à agressividade, o que ajuda na implementação ou não da Vigilância Ativa.

O estudo foi realizado com 12 pacientes, sendo 6 com a doença e os outros 6 com hiperplasia benigna. Os resultados indicaram que um painel de 56 glicoproteínas (tipo de proteína ligado a um carboidrato) nas amostras de urina alcançou uma precisão de 100% no diagnóstico do câncer de próstata. No momento, os pesquisadores estão na fase da validação e buscam financiamento para a análise em populações maiores, e, caso o método seja validado, este será uma opção mais prática e barata de exame, uma vez que já existem testes semelhantes, porém mais complexos e protegidos por patente, o que aumenta o custo e diminui a disponibilidade.

Manipulação do Conteúdo Genético — UFU

Um grupo de cientistas incentivado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e que dispõe da participação do pesquisador Luiz Ricardo Goulart Filho, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), desenvolveu um novo método para detectar o câncer de próstata, com eficácia de até 80% e resultado em apenas 24 horas [10].

O método consiste em identificar células tumorais por meio de marcadores específicos da próstata, extraídos do RNA mensageiro — molécula responsável pela síntese de proteínas das células do corpo. O processo não precisa de cirurgia, sendo necessária a retirada de apenas 5 ml de sangue. Assim, o sangue periférico (que contém glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas) é retirado, os glóbulos brancos são separados, e o RNA, por fim, é extraído, sendo posteriormente colocado em uma máquina que amplifica o conteúdo genético por marcadores específicos tumorais.

Além de maior eficácia, o método detecta o câncer no estágio inicial, o que aumenta a possibilidade de cura. O pesquisador Luiz Ricardo Goulart Filho ainda faz uma consideração ao popular exame de Toque Retal:

“só possui 20% de sensibilidade e o urologista só consegue perceber quando a doença já está em estágio avançado”.

Vale destacar também que, além do ganho em termos de eficácia, o procedimento poupa o paciente de transtornos clínicos e psicológicos e, ademais, diminui os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) na detecção do tumor.

Conclusão

Como visto nesse texto, há muitas iniciativas voltadas para a inovação sobre a detecção do câncer de próstata, que ainda apresenta certas dificuldades em virtude da baixa precisão. As iniciativas têm em comum a preocupação com o paciente em termos de conforto e transtornos clínicos, pois, apesar de ser um tumor facilmente tratado quando diagnosticado precocemente, ainda há preconceitos e temores por parte dos pacientes, que os levam a não frequentarem o médico corretamente, o que torna o problema especialmente delicado. Vale destacar, também, que iniciativas como essas além de motivarem os pacientes a fazerem o diagnóstico da situação da próstata, que podem não só indicar o tumor como também outras anomalias não abordadas aqui. Por fim, a redução de custos aos sistemas de saúde é um ganho factível, fato que permite uma maior alocação de recursos em setores mais críticos, melhorando a qualidade do serviço como um todo.

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Referências

[1] https://www.planserv.ba.gov.br/prevencao-do-cancer-de-prostata-e-tema-de-encontro-no-planserv/. Acessado em 10/11/2020

[2] https://www.mdsaude.com/urologia/cancer-prostata/. Acessado em 10/11/2020

[3] https://www.inca.gov.br/numeros-de-cancer. Acessado em 07/11/2020

[4]https://www.uol.com.br/vivabem/faq/novembro-azul-tire-as-principais-duvidas-sobre-cancer-de-prostata.htm. Acessado em 08/11/2020

[5] https://mundoeducacao.uol.com.br/biologia/prostata.htm. Acessado em 10/11/2020

[6] https://drauziovarella.uol.com.br/ambulatorio/exames/toque-retal-exame-de-toque/. Acessado em 07/11/2020

[7]https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2019/12/27/a-tecnica-de-detectar-cancer-de-prostata-que-pode-revolucionar-a-saude-dos-homens.ghtml. Acessado em 08/11/2020

[8] https://noticias.4medic.com.br/ressonancia-magnetica/. Acessado em 10/11/2020

[9] https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/novo-metodo-detecta-cancer-de-prostata-por-meio-da-urina/. Acessado em 08/11/2020

[10] https://olhardigital.com.br/noticia/brasileiros-criam-tecnologia-para-detectar-cancer-de-prostata/91558. Acessado em 08/11/2020

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