Como a gestão ambiental do Brasil pode causar novas epidemias

As políticas de gestão ambiental do Brasil vêm sendo criticadas por especialistas dentro e fora do país, entenda como elas podem causar o aparecimento de doenças com potencial epidêmico

Gestão ambiental no Brasil

Nos dias 22 e 23 de abril ocorreu a Cúpula do Clima, evento que antecede a 26ª Conferência sobre o Clima, que será realizada em novembro de 2021, na cidade de Glasgow, na Escócia. A Cúpula foi organizada pelo governo dos EUA e contou com diversos líderes mundiais convidados, entre eles o presidente Jair Bolsonaro.

Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na Cúpula dos Líderes Sobre o Clima — Foto: Marcos Correa/Brazilian Presidency via Reuters (Reprodução: G1)

O objetivo da Cúpula do Clima foi reunir os países que concentram 80% das emissões globais de carbono para discutir sobre medidas para frear os avanços das mudanças climáticas. Na sua fala, o presidente brasileiro anunciou a nova meta de atingir a neutralidade climática (reduzir os níveis de emissão de carbono e compensar o restante com medidas ambientais) até 2050, isso através do fim do desmatamento ilegal até 2030 (em 9 anos):

“Coincidimos, Senhor Presidente [Joe Biden], com o seu chamado ao estabelecimento de compromissos ambiciosos.
Nesse sentido, determinei que nossa neutralidade climática seja alcançada até 2050, antecipando em 10 anos a sinalização anterior.
Entre as medidas necessárias para tanto, destaco aqui o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030, com a plena e pronta aplicação do nosso Código Florestal. Com isso, reduziremos em quase 50% nossas emissões até essa data.” Transcrição do discurso do presidente.

Após o trecho destacado, o discurso segue com “há que se reconhecer que será uma tarefa complexa”, se referindo ao cumprimento das metas estabelecidas. E de fato será algo bastante complexo, ainda mais se considerarmos o histórico recente do Brasil quando se trata de políticas ambientais. A principal ação anunciada pelo presidente para zerar o desmatamento ilegal foi investir na fiscalização ambiental, dobrando o orçamento para o setor. Essa afirmação, porém, chega com grande descrédito, visto que o orçamento destinado à fiscalização ambiental e ao combate de incêndios florestais foi reduzido em 27,4% em 2021, sendo o menor dos últimos 20 anos, como mostra o gráfico abaixo:

Orçamento do Ministério do Meio Ambiente e entidades vinculadas

PLOA se refere ao Projeto de Lei Orçamentária Anual. Fonte: SIOP (Reprodução Jornal da USP)

Em meio a essa e outras controvérsias, o Brasil segue tendo sua imagem e credibilidade internacional minadas (o que por si só já é ruim), mas, além disso, vem tendo a sua maior fonte de orgulho e renda sendo devastada: a biodiversidade. Desde 2019 nós já tivemos o chefe da Polícia Federal no Amazonas sendo substituído por ter feito uma apreensão de madeira ilegal, o Ibama flexibilizando regras para a exportação de madeira nativa do Brasil, a notícia de uma possível suspensão do Programa de Áreas protegidas da Amazônia e um aumento de 35% no desmatamento da floresta (em relação à média entre 2009 e 2018):

Taxas oficiais de desmatamento na Amazônia

Calculadas pelo PRODES. Fonte: Reprodução do Jornal da USP.

Saúde ambiental e saúde humana

A OMS define saúde como “estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausência de doença ou enfermidade”. A partir dela nós já podemos tirar algumas relações sobre como a minha saúde e sua estão relacionadas não só entre si, mas também com a de todas os outros habitantes desse planeta, e com a do ambiente que compartilhamos.

Dessas relações surgem outros conceitos de saúde usados por pessoas de diversas áreas para enxergar sob diferentes óticas como todos nós nos relacionamos aqui na Terra. Saúde Planetária, por exemplo, é um conceito que busca tratar da saúde humana e do planeta de uma forma mais generalista, dando menos peso para cada indivíduo e mais peso para o conjunto de nossas relações. Dessa forma nós podemos estudar melhor, por exemplo, a relação entre a crescente taxa desmatamento no Brasil e o futuro da nossa qualidade de vida.

Adotando esse ponto de vista, é possível encarar o tamanho do problema que esses dados sobre desmatamento da Amazônia representam. Em 2017, por exemplo, o Brasil passou por um surto de febre amarela silvestre (o tipo no qual o ciclo de transmissão costuma acontecer em florestas, infectando primatas não humanos). Esse surto contou com casos em regiões com pequenos fragmentos florestais no Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país, o que pode indicar que tenha sido causado pelo desequilíbrio ecológico gerado pelo desmatamento.

Doenças comuns em animais aparecendo no contexto urbano é só um dos exemplos de como a nossa relação com os animais e o meio ambiente pode afetar a nossa vida no curto prazo, como têm mostrado as pandemias de H1N1 (2009) e COVID-19 (2020/21).

Um pouco de esperança

Apesar dos dados indicarem uma gestão ambiental desastrosa, não é só de desmatamento e queimada que vive o brasileiro. O Projeto Amazônia 4.0 é um dos muitos esforços que outros setores da sociedade brasileira têm empregado na preservação da sua biodiversidade. O objetivo desse projeto é:

“[Criar] um novo paradigma de desenvolvimento sustentável para a Amazônia baseado na introdução de uma bioeconomia inovadora, unindo a sociobiodiversidade com modernas tecnologias.” — trecho retirado do site do projeto.

Esse novo paradigma trazido pelo projeto oferece uma alternativa à visão tradicional de que desenvolvimento econômico da região amazônica é um antagonista da preservação ambiental. A proposta inovadora do projeto alia o desenvolvimento econômico aos interesses das populações locais e à preservação do ecossistema amazônico. Os Laboratórios Criativos da Amazônia, por exemplo, incluem a população para desenvolver soluções e produtos agregados para os produtos extraídos da floresta. Segundo a professora Tereza Cristina do departamento de engenharia da computação da Escola Politécnica da USP, “vendo que ela consegue ganhar dinheiro com produtos da floresta, a população local vai ter maior interesse em proteger a floresta amazônica e ir contra o desmatamento”. Outra forma de incentivar a criação de uma economia baseada na preservação da floresta foi a criação de um biobanco (uma biblioteca digital com dados genéticos das espécies amazônicas) com a ajuda da população local, isso garantindo uma espécie de ‘moeda virtual’ associada à propriedade intelectual do registro feito no biobanco.

Conclusão

Como portador de uma das maiores biodiversidades do mundo, o Brasil também produz bastante pesquisa na área. Além do projeto citado aqui, muitos outros projetos que contam com a participação da academia, setor público e privado vêm sendo desenvolvidos. Entre os dias 25 e 30 de abril, por exemplo, aconteceu o Planetary Health Annual Meeting and Festival, um evento anual organizado pela Planetary Health Alliance (este ano seria sediado no Brasil, mas a pandemia não permitiu). Nesse evento pessoas de todo o mundo puderam conhecer um pouco do que tem sido produzido por aqui, e também como algumas comunidades se relacionam com os recursos naturais de forma sustentável. Você pode ver como foi o evento aqui.

Apesar de ter tantos projetos e uma produção científica tão rica, as políticas ambientais do Brasil continuam dependendo de uma peça essencial: articulação política. Para que formas inovadoras de explorar os recursos naturais de maneira sustentável sejam aplicadas em escala e deixem de ser exceção, é preciso do apoio de políticas públicas e é exatamente isso que tem faltado.

Referências:

https://jornal.usp.br/atualidades/plano-do-governo-para-amazonia-mantem-desmatamento-em-alta/

https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/entrevista/o-atual-surto-de-febre-amarela-pode-ter-relacao-com-o-desequilibrio-ecologico

https://jornal.usp.br/atualidades/projeto-amazonia-4-0-incentiva-economia-da-regiao-de-forma-sustentavel/

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