Como a Inteligência Artificial pode auxiliar na detecção de câncer de mama

Estudo compara a eficiência da detecção de câncer de mama em mamografias por radiologistas com e sem a utilização de um sistema de inteligência artificial (IA) auxiliando o diagnóstico.

Fonte da imagem: Getty Images

Destaques

  • Estudo busca demonstrar qual o efeito prático do uso de um sistema de inteligência artificial para auxílio na análise de mamografias.
  • Foi utilizado o sistema de inteligência artificial Transpara, que utiliza redes neurais de deep learning, algoritmos de análise de imagens e algoritmos proprietários para identificar câncer em potencial nas mamografias e classificar os exames quanto à probabilidade de câncer.
  • 14 radiologistas analisaram 240 exames pré-selecionados cada, sendo 120 com o auxílio do Transpara e 120 sem, e os resultados foram comparados em 3 critérios.
  • O estudo concluiu que o uso do sistema de inteligência artificial melhorou a performance dos diagnósticos sem alterar o tempo necessário para análise das mamografias, comprovando sua eficiência.

Segundo dados da Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer, o câncer de mama é o tipo de câncer que mais mata mulheres no mundo todo. Sua principal forma de prevenção é, além de ter hábitos de vida saudáveis, a detecção precoce da enfermidade, pois quanto mais cedo o câncer é descoberto maiores são as chances de sobrevivência. As principais formas de detecção são a realização do autoexame, responsável por cerca de 66% das detecções, e a realização periódica da mamografia.

A mamografia é uma espécie de raio-X da mama e está associada a uma redução considerável da mortalidade do câncer. Para garantir a eficácia do exame e evitar falso-negativos (quando um exame indica negativo apesar de haver câncer), é cada vez mais frequente a utilização de sistemas inteligentes de detecção auxiliada por computador (DAC), que servem para auxiliar radiologistas na análise de mamografias e reduzir erros de interpretação.

O uso dessa tecnologia na análise de mamografias pode melhorar as taxas de acerto no diagnóstico da enfermidade, otimizando as chances de sobrevivência de pacientes. Nesse contexto, um estudo com colaboração de universidades internacionais, publicado na revista Radiology da Sociedade Norte Americana de Radiologia [1], comparou a detecção de câncer de mama em mamografias por radiologistas com e sem o auxílio do sistema de inteligência artificial Transpara, da empresa ScreenPoint Medical, estudo esse que iremos discutir nesta publicação.

Sistema de inteligência artificial

A mama feminina é constituída de glândulas, vasos e ductos, além de tecidos moles que têm a função de envolvê-los. Além disso, é possível encontrar calcificações (depósito de cálcio) que podem ocorrer naturalmente ou devido a alguma doença da mama. [2]

O sistema de inteligência artificial Transpara utilizado pelos radiologistas é designado para detectar automaticamente câncer em mamografias e tomossínteses (outro método de mamografia). Para tanto, o sistema utiliza redes neurais de deep learning (em português, aprendizagem profunda: é um ramo de aprendizagem de máquinas)e algoritmos de análise de imagens para identificar calcificações e lesões em tecido mole na mamografia, e então classifica as regiões suspeitas em um valor de 1 a 100, sendo 100 o indicador máximo de suspeita de câncer na região. Ao final, o sistema utiliza algoritmos para analisar a combinação de pontuações de toda a mamografia e atribui uma pontuação final de 1 a 10 para o exame em questão, sendo 10 o indicador de mais alta probabilidade de que há câncer presente na mamografia.

Método

Para a realização do estudo, foram utilizados um total de 240 exames de mamografia, sendo 100 com câncer, 40 falso-positivos e 100 com resultado normal, de mulheres entre as idades de 39 a 89 anos, todos obtidos de 2 instituições de saúde em diferentes países. Essas mamografias foram analisadas por 14 radiologistas, que realizaram metade das verificações com suporte do sistema de inteligência artificial Transpara e metade sem. Os radiologistas não possuíam qualquer informação sobre os pacientes analisados, e, para cada um dos exames, o médico forneceu uma pontuação BI-RADS (Breast Imaging Reporting and Data System, utilizado na pesquisa) de 1 a 5 e uma pontuação de 1 a 100 de probabilidade de ser maligno.

O estudo comparou três critérios para os casos de leitura de mamografias com e sem auxílio de inteligência artificial (IA): área sob a curva ROC (AUC - area under curve - explicação ao final do texto), sensibilidade e especificidade, e tempo de leitura das mamografias. Abaixo estão os resultados de cada uma das categorias.

Área sob a curva ROC (AUC)

Gráfico retirado do estudo [1]. Linha azul representa resultado com auxílio de IA, linha amarela representa resultado sem auxílio de IA.

Os radiologistas melhoraram a performance de detecção de lesões malignas com a utilização do sistema de auxílio por IA, sendo que a AUC média aumentou de 0.87 para 0.89 (figura ao lado).

Ao total, 12 dos 14 radiologistas obtiveram melhora na leitura com o auxílio da IA.

Sensibilidade e especificidade

A sensibilidade foi maior em 3 pontos percentuais para as análises com uso de IA, enquanto a especificidade teve um aumento de 2 pontos percentuais. Além disso, houve mudança de opinião com a utilização da IA quanto ao diagnóstico em pelo menos 32 mamografias, e, em 72% dos casos, a mudança resultou no diagnóstico correto.

Tabela retirada do estudo [1]. A primeira linha (em azul) representa a sensibilidade, e a segunda (em branco) representa a especificidade. A primeira coluna mostra os resultados sem auxílio de IA; a segunda coluna mostra os resultados com auxílio de IA; a terceira coluna mostra os pontos percentuais.

Tempo de leitura

O tempo de leitura dos exames de mamografia foi muito similar para ambos os casos: o tempo de leitura médio para análise sem auxílio de IA foi de 146 segundos, enquanto com auxílio de inteligência artificial foi de 149 segundos. A diferença não é significante, sendo possível afirmar que o uso do Transpara não alterou o tempo necessário para realização do diagnóstico.

Conclusão

Dessa forma, o estudo concluiu que o uso de um sistema de inteligência artificial melhora a performance em precisão dos radiologistas sem mudar o tempo necessário para a análise. O estudo ainda afirma que, em um cenário real, o tempo de leitura de exames possivelmente diminuiria em 4,5%, melhorando tanto a taxa de diagnóstico correto quanto a eficiência do radiologista.

O uso de inteligência artificial na área médica é uma realidade cada vez mais palpável, e com a contínua melhoria nesse tipo de tecnologia, podemos esperar grandes coisas para o futuro. Sua utilização para detecção de câncer de mama aumenta as chances de um diagnóstico correto, o que pode ser a diferença entre a vida e a morte para um paciente, mas a detecção de câncer de mama está longe de ser o único beneficiado pela associação entre inteligência artificial e medicina.

Área sob a curva (AUC) e Curva Característica de Operação do Receptor (curva ROC)

A Curva Característica de Operação do Receptor (Curva ROC) ilustra o desempenho de um sistema à medida que o seu limiar de discriminação varia. Ela é obtida pela representação da sensibilidade (ou taxa de verdadeiros positivos) versus especificidade (ou taxa de verdadeiros negativos). Já a área sob a curva ROC (AUC — area under curve) mede quanto um parâmetro consegue distinguir entre dois grupos de diagnóstico, como doentes vs clinicamente normais.

Fontes:

[1] Detection of Breast Cancer with Mammography: Effect of an Artificial Intelligence Support System https://pubs.rsna.org/doi/pdf/10.1148/radiol.2018181371

[2] https://www.minhavida.com.br/saude/materias/18638-calcificacao-na-mama-e-benigna-na-maioria-dos-casos#:~:text=Portanto%2C%20a%20microcalcifica%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A9%20um,necessitam%20de%20nenhum%20cuidado%20especial.

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