Controlando dispositivos com… o cérebro?

Apresentando alguns equipamentos e dispositivos controlados por sinais cerebrais.

Photo by Robina Weermeijer on Unsplash

Introdução

Na saga Star Wars, há alguns personagens que conseguem controlar a “força” e, por isso, são capazes de mover objetos distantes, sem precisar tocá-los, como se fosse uma telecinesia. Esse poder muito interessante, felizmente ou infelizmente, não existe na nossa realidade… Ainda.

No texto dessa semana, vamos explicar uma linha de pesquisa que é um pouco antiga, mas muito interessante: o de uso de sinais cerebrais para controle de dispositivos.

Coleta dos Sinais Cerebrais

Antes de falar dos dispositivos, vamos comentar as formas que existem atualmente para a coleta de sinais cerebrais. Existem dois grupos de sensores, os invasivos (precisam de alguma cirurgia para colocar) e não-invasivos (não precisam de cirurgia). Nesse texto, daremos mais atenção à técnica não invasiva mais utilizada: eletroencefalografia (EEG). Essa técnica consiste em colocar alguns eletrodos no couro cabeludo do usuário, que vão captar sinais elétricos do cérebro. Existem diferentes dispositivos de EEG com número de eletrodos distintos; abaixo um exemplo.

Figura 1 — Configuração espacial dos eletrodos na cabeça. Extraído de [1].

O sinal elétrico gerado no cérebro passa pelo fluido cefalorraquidiano (entre o cérebro e o crânio), pelo crânio, pelo couro cabeludo até chegar nos eletrodos do EEG, como mostra a figura abaixo. Dessa forma, o sinal é coletado em diversas regiões da cabeça e registrados.

Figura 2 — Representação do caminho do sinal elétrico gerado pelo cérebro. Adaptado de [1]

Dispositivos que utilizam EEG

Em um texto anterior, comentamos sobre as Interfaces Cérebro-Máquina (BMI/BCI), dispositivos que são capazes de interpretar sinais cerebrais para realizar tarefas. Abaixo, uma figura representando as etapas desses dispositivos.

Figura 3 —Etapas dos dispositivos BMI. Fonte: autor.

A aquisição do sinal, como já comentado, é realizada na maioria das aplicações pelo EEG. O processamento do sinal, no entanto, é um grande tema de pesquisa, visto que o sinal coletado possui baixa qualidade (tem interferências externas, interferências de outros sinais biológicos, entre outros). É muito comum, para melhorar o sinal, utilizar técnicas de Inteligência Artificial (IA). Vamos mostrar algumas aplicações!

“Ratos com sede”

Em algum momento da sua vida, acredito que o leitor já ficou com preguiça de levantar do sofá/cama e ir pegar uma bebida na cozinha. Imagina se, só de pensar, um robô pegasse essa bebida para você? Seria algo sensacional! Infelizmente, essa tecnologia não existe; mas alguns cientistas já deram os primeiros passos. No artigo [2], os autores realizaram experimentos com ratos para ver se conseguiriam detectar sua vontade de tomar água. O experimento consistiu de um braço mecânico que dá água para um ratinho em duas situações diferentes: na primeira parte do teste, o ratinho tinha que apertar um sensor de força; no segundo, usava-se o sinal do sistema nervoso do roedor para controlar o braço mecânico. Um esquema desse estudo está representado abaixo.

Figura 4 — Representação do experimento em [2]. 16 canais liam os sinais cerebrais, que eram processados por algoritmos e então, por fim, eram usados na segunda parte do experimento para controlar o braço mecânico. Adaptado de [2].

Foi utilizado um sistema com 16 canais que registravam os sinais cerebrais, e então esses sinais eram processados por diversos algoritmos para tentar detectar a vontade do ratinho de ativar o braço mecânico. Os autores conseguiram realizar essa detecção com grande precisão no final do experimento!

Reabilitação pós AVC

Acidente Vascular Cerebral (AVC) é uma doença causada por interrupção do fornecimento de sangue ao cérebro, sendo a segunda maior causa de mortalidade no Brasil. Uma das possíveis sequelas é a perda parcial de movimento de algum membro, como braços e pernas. Para tentar minimizar os impactos dessas sequelas, é necessário a reabilitação do paciente. E aqui os sistemas de BCI aparecem novamente!

No estudo [3], os autores desenvolveram uma sistema BCI baseado em Movimento Imaginário (MI) para auxiliar na reabilitação de pessoas que sofreram AVC. Nesse sistema, a pessoa fica olhando para um monitor, onde aparecem instruções. Ao mesmo tempo, são captados sinais cerebrais, e treinado um algoritmo de Inteligência Artificial (IA), que controla um exoesqueleto de mão. Abaixo a representação do experimento.

Figura 5 — Experimento de [3]. Os sinais coletados da pessoa (1) pelo sistema de EEG (2) são armazenados em um dispositivo (3), que são utilizados para treinar um algoritmo de IA. A partir do comando presente no monitor (4) e dos sinais coletados, a IA aprender a detectar o movimento imaginado, controlando o exoesqueleto de mão (5). Extraído de [3].

Para verificar o resultado dessa abordagem, os autores analisaram quantos pacientes tiveram uma Diferença Clinicamente Importante Mínima (MCID), ou seja, uma melhora clínica nos movimentos. Foram usados a escala de avaliação de Fugl-Meyer (FMMA) e o Teste da Ação da Extremidade Superior (ARAT) para verificar essa melhora. Resultado: a utilização desse dispositivo aumentou o número de pacientes que alcançaram o MCID! O aumento na escala de FMMA foi de 2 vezes, e no teste ARAT foram de 4 vezes! De fato, um resultado magnifico e importante para a reabilitação dessas pessoas.

Andando novamente

Ainda no assunto de reabilitação, uma aplicação bem comum é em exoesqueletos para membros inferiores. Essa tecnologia permitira que pessoas que não conseguem mover os membros inferiores voltassem a andar. No artigo [4], os autores desenvolvem um exoesqueleto para essa tarefa.

Figura 6 — Exoesqueleto desenvolvido em [4]. Extraído de [4].

Para esse dispositivo, o treinamento dele foi semelhante ao da figura 5, o usuário recebe as instruções em uma tela enquanto possui seus sinais cerebrais registrados. Um modelo de IA é treinado com essas informações para controlar o exoesqueleto. Os 3 movimentos desse exoesqueleto são: levantar, andar e sentar. Abaixo uma representação do experimento.

Figura 7 — Movimentos realizados pelo exoesqueleto. Extraído de [4].

Esse sistema obteve resultados interessantes, o modelo acertou cerca de 80% dos movimentos imaginados!

Conclusão

No texto dessa semana, tivemos a oportunidade de conhecer uma linha de pesquisa única, que tenta melhorar a qualidade de vida de todos, principalmente daqueles com algum problema motor. O desenvolvimento dessas tecnologias podem permitir, no futuro, o controle de diversos equipamento somente pensando no movimento.

Referências

[1] Wolpaw, J. R., & Wolpaw, E. W. (2012). Brain-computer interfaces: principles and practice. Oxford University Press.

[2] A. Khorasani, R. Foodeh, V. Shalchyan and M. R. Daliri, “Brain Control of an External Device by Extracting the Highest Force-Related Contents of Local Field Potentials in Freely Moving Rats,” in IEEE Transactions on Neural Systems and Rehabilitation Engineering, vol. 26, no. 1, pp. 18–25, Jan. 2018

[3] Frolov, A. A., Mokienko, O., Lyukmanov, R., Biryukova, E., Kotov, S., Turbina, L., … Bushkova, Y. (2017). Post-stroke Rehabilitation Training with a Motor-Imagery-Based Brain-Computer Interface (BCI)-Controlled Hand Exoskeleton: A Randomized Controlled Multicenter Trial. Frontiers in Neuroscience, 11.

[4] C. Wang, X. Wu, Z. Wang and Y. Ma, “Implementation of a Brain-Computer Interface on a Lower-Limb Exoskeleton,” in IEEE Access, vol. 6, pp. 38524–38534, 2018.

--

--