Doping: o que você precisa saber sobre essa prática

Com os atletas russos disputando as olimpíadas de Tóquio representados pela sigla ROC (Comitê Olímpico Russo), o mundo viu o desenrolar de um dos maiores escândalos de dopagem da história — mas afinal, o que é o doping?

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O doping representa uma dopagem — ou seja, a utilização de substâncias ou métodos ilícitos com a intenção de melhorar o desempenho dos atletas, gerando aperfeiçoamentos que podem envolver força, resistência, ganho ou perda de massa, agilidade e outros, adicionando em seu rendimento algo que não seria possível através de meios lícitos e naturais [1].

Como muitas vezes representa um perigo para a saúde do atleta e uma concorrência desleal, essa prática é algo fortemente investigado pelo COI (Comitê Olímpico Internacional) e pelos Comitês Olímpicos de cada país. Mas você sabe especificamente o que é considerado doping? Se não, vem conferir!

A história do doping

Existem relatos do uso de substâncias para aprimorar o desempenho de atletas desde o século III a.C.: o consumo de estimulantes, como bebidas ou cogumelos para evitar a fadiga e aumentar a disposição, e de testículos de animais para aumentar a força e massa muscular, era algo permitido para otimizar a performance do atleta durante as olimpíadas e outras competições [2]. Esses atletas ainda não sabiam, mas já estavam utilizando anabolizantes: era devido à alta concentração de testosterona, um hormônio esteroide anabolizante que atua no crescimento de células e de tecidos, que a ingestão de testículos ajudava nesse aumento da massa muscular [3].

Entretanto, com o desenvolvimento da medicina moderna e dos produtos farmacêuticos, o doping passou a ser mais frequente e invasivo — estricnina (um estimulante extremamente tóxico), coquetéis de anabolizantes e drogas sintéticas passaram a se tornar uma realidade no esporte [4]. Os estimulantes ajudavam a dar mais energia e a evitar lesões e dores, enquanto os anabolizantes interferiam no crescimento muscular e os calmantes ajudavam a reduzir o nervosismo e aumentar o foco. A partir desse desenvolvimento, o abuso da dopagem buscando resultados sobre-humanos virou até mesmo uma questão política, principalmente durante a guerra fria.

Um exemplo dessa questão foi o da Alemanha Oriental: o país passou por um esquema gigantesco de doping forçado, principalmente com o uso de anabolizantes em mulheres que participavam de provas de peso e resistência [2][4]. Andreas Krieger, presente na imagem abaixo, é um dos atletas que foi dopado sem saber durante todo seu treinamento e competição.

Foto de Andreas Krieger nas Olimpíadas de 1986, atleta alemão trans que foi submetido à dopagem sem seu consentimento [5]

Apesar de o COI já ter criado em 1967 uma Comissão Médica, que passou a aplicar testes nos atletas e puni-los em alguns casos, os inúmeros escândalos que vieram à tona nos anos 80 fizeram com que os comitês olímpicos se reunissem e criassem a WADA (World Anti-Doping Agency ou Agência Mundial Antidoping, no português) em 1999. A partir desse momento, seria responsabilidade desse órgão lidar com o crescente problema [2][6].

WADA e a Lista Proibida

A WADA tem a função de lutar contra o doping em diversas frentes: desde orientar os atletas sobre os efeitos negativos dessa prática para a saúde, até padronizar o que é permitido ou não, antes ou durante competições. Além disso, essa agência também é responsável por fazer análise de em quais esportes e países as violações são mais comuns [6]. Entre os esportes, o uso da dopagem é mais comum no atletismo e nas provas que envolvem peso e resistência física.

Este gráfico mostra a quantidade de Anti-Doping Rule Violations (Violações de regras antidoping) em cada esporte, reportados pela WADA [7].

Uma das coisas mais importantes orientadas pelo WADA é a Lista Proibida, que é sempre atualizada e contém 2 categorias de proibição [8]:

1) Proibidas em Competição: substância que não devem ser usadas desde o dia anterior à competição, até o final dela;

2) Proibidas a qualquer tempo: aquelas que são proibidas dentro e fora do período de competição. Os agentes anabolizantes, fatores de crescimento, miméticos e moduladores metabólicos entram nessa categoria.

Existem 3 tipos de substâncias que podem estar em uma dessas duas categorias: Especificadas (lista de fármacos específicos que podem ser utilizados pelo atleta sem a intenção de melhora no desempenho, mas que ainda assim precisam ter seu uso fiscalizado), Não especificadas (uma lista mais geral, que inclui todos os derivados de um composto, como anabolizantes, hormônios de crescimento e estimulantes) e Substâncias de abuso (drogas que são utilizadas de maneira abusiva pela sociedade, como álcool, cocaína, heroína, MDMA, THC, narcóticos, etc).

Outra coisa interessante na lista de proibições da WADA é o Programa de monitoramento — nele, encontram-se a cafeína (presente no café e outros alimentos) e nicotina (cigarro), que são exemplos de coisas que podem ser consumidas por outros motivos que não esportivos, mas cuja concentração no organismo de atletas é fiscalizada, por atuarem como estimulantes ou relaxantes. O motivo da fiscalização da cafeína é que esta pode otimizar o uso de glicogênio muscular, além de dar mais energia, atenção e interferir no ritmo cardíaco.

Além de todas os compostos que a WADA controla, também existem os Métodos proibidos, como Manipulação do sangue ou seus componentes (inclui a administração ou reintrodução de sangue ou elementos sanguíneos). O aumento no número de hemácias, por exemplo, pode melhorar o transporte de oxigênio e reduzir a sensação de cansaço em altas altitudes ou temperaturas [10], Manipulação química ou física (como alteração de amostras coletadas ou injeções que não por motivo médico) e Dopagem Genética (alteração do genoma ou da expressão de genes e uso de células geneticamente modificadas) [8].

Os efeitos colaterais

Além de ser algo que fere gravemente o espírito e a ética esportiva, o doping também pode representar um dano irreversível para a saúde dos atletas, podendo causar a falência de órgãos ou o óbito de quem abusa desses procedimentos. Os efeitos colaterais podem ser fisiológicos ou até psicológicos e o risco varia de acordo com a substância/método e com a frequência que se é utilizado.

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Um exemplo muito conhecido é o dos anabolizantes, que podem sobrecarregar o fígado, aumentar a agressividade, diminuir os testículos e produção de esperma em homens e desregular o ciclo menstrual em mulheres. Em crianças e adolescentes, o uso desse tipo de dopagem também pode causar atrofia de crescimento e interrupção da puberdade.

Os hormônios peptídeos e fatores de crescimento vão além — como podem interferir na pressão arterial e na concentração de elementos no sangue, esses compostos podem levar à hipertensão, derrame, problemas cardíacos, embolia pulmonar, anemia e leucemia. Palpitações, perda de visão e artrite também podem ser relacionados a esses fármacos.

No caso dos estimulantes e as substâncias de abuso, mesmo que o uso de alguns seja visto pela sociedade como algo normal, também existem muitos efeitos colaterais preocupantes atrelados a eles: sobrecarga ou até falência do fígado, arritmias, hipertensão, dores de cabeça, distúrbios do sono e dependência são apenas alguns exemplos gerais do que o consumo desenfreado pode causar, principalmente em atletas que estão sob estresse físico e psicológico [9].

Por esses e outros motivos, o doping deve ser combatido, buscando um jogo limpo e cada vez mais livre de riscos para aqueles que competem. A fiscalização e punição de países que utilizam essa técnica como uma forma de trapacear e conquistar medalhas devem sim continuar e precisam serem levadas a sério, afinal, essas ações contribuem para o aumento do respeito que temos pelos atletas e pelas competições — que não deveriam perder sua oportunidade de brilhar por questões políticas. O espírito esportivo é e sempre estará ligado ao prazer de competir pelo que se gosta, e não apenas por uma medalha.

Indicações de vídeos e documentários

Pôster do documentário “Ícaro”, uma das indicações de documentário deste post [11]

Gostou do tema e quer entender mais sobre? Além de curtir e compartilhar este texto nas redes sociais, você também pode ler um pouco mais sobre o assunto em nossas referências e se entreter com filmes, vídeos curtos e documentários.

A primeira indicação é de dois vídeos curtinhos presentes no site do Comitê Olímpico do Brasil e que contam um pouco sobre a história do doping ao longo dos Jogos Olímpicos. Ambos os vídeos podem ser vistos pelo link a seguir: https://www.cob.org.br/pt/videos/historia-do-doping/

A segunda indicação é o documentário Ícaro (ou Icarus, em seu título original). Ganhador do Oscar e disponível na Netflix, este curta se inicia com o desejo de um ciclista de fazer um experimento: competir sob o efeito de dopagem — entretanto, ele acaba entrando em contato com um cientista russo, responsável por burlar as leis antidoping em seu país, e acompanhando o início do escândalo do doping na Rússia.

Por último, a série documental “Losers”, também disponível na Netflix, dá um ponto de vista diferente sobre o que é o fracasso, o sentimento de perder uma competição dentro do esporte e quão grande é a pressão por ganhar e ser perfeito, mesmo quando tudo que você queria, era praticar o esporte que ama.

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Referências

[1] ABDC (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem). Perguntas e Respostas: “Dopagem”. Disponível em: http://antigo.abcd.gov.br/perguntas-e-respostas/238-dopagem#:~:text=Dopagem%20(doping%20em%20ingl%C3%AAs)%20%C3%A9,o%20desempenho%20esportivo%20do%20atleta

[2] Thieme, Detlef, and Peter Hemmersbach, eds. Doping in sports. Vol. 195. Springer Science & Business Media, 2009.

[3] Silva, Paulo Rodrigo Pedroso da, Ricardo Danielski, and Mauro Antônio Czepielewski. “Esteróides anabolizantes no esporte.” Revista Brasileira de Medicina do Esporte 8 (2002): 235–243.

[4] “A história do doping nos esportes olímpicos”. Portal PEBMED. 5 de agosto de 2016. Disponível em: https://pebmed.com.br/a-historia-do-doping-nos-esportes-olimpicos/

[5] https://zh.rbsdirect.com.br/imagesrc/20265551.jpg?w=700

[6] Bowers, Larry D. “The international antidoping system and why it works.” (2009): 1456–1461.

[7]https://www.wada-ama.org/sites/default/files/resources/files/2017_adrv_report.pdf

[8] WADA/ABCD. “Lista Proibida”, versão em Português do Brasil. 01 de janeiro de 2021. Disponível em: https://issuu.com/cob47/docs/lista_proibida_pt_-_abcd?fr=sNWNlNDI2NDU4Mjg

[9] ABCD. “Efeitos colaterais da dopagem”. 27 de agosto de 2020. Disponível em: https://www.gov.br/abcd/pt-br/composicao/atletas/efeitos-colaterais-da-dopagem

[10] American College of Sports Medicine, and Posicionamento Oficial. “O uso do doping sanguíneo como recurso ergogênico.” Rev Bras Med Esporte 5.5 (1999): 194–201.

[11] http://www.artecines.com.br/critica-icaro-netflix/

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