E se seu relógio detectasse a Covid-19 antes do sintoma aparecer?

Você sabia que dispositivos portáteis inteligentes (os chamados “wearables”) podem ser nossos aliados no combate à Covid-19 e a outras doenças infecciosas? Confira no texto como isso é possível!

Fonte: Artur Łuczka/Unsplash

Após diversos meses acompanhando o desfecho da pandemia por todo o mundo, todos podemos chegar a uma conclusão: a detecção precoce é essencial para diminuir o espalhamento de doenças infecciosas na população. Interessantemente, no mês de Novembro deste ano, a revista inglesa Lancet publicou um estudo de revisão e metanálise que contava com diversos estudos epidemiológicos de doenças respiratórias infecciosas ao longo dos últimos anos, incluindo a Covid-19 (Muge Cevik et al., 2020).

Segundo a análise realizada pelo estudo, os pacientes com Covid-19 tendem a ser mais infectantes na primeira semana da doença, que coincide com o maior pico de quantidade de partículas virais na pessoa (o que aumentaria a infectividade de um espirro, por exemplo). Além disso, os pesquisadores apontaram diversos estudos que estimam picos semelhantes de carga viral dias antes do início dos sintomas da doença, picos os quais poderiam justificar a possibilidade de um indivíduo poder infectar outro, sem mesmo ter sintomas da doença, além de justificar a necessidade de isolamento imediato ao aparecimento dos sintomas.

Detectores na frente da batalha

Durante esse longa pandemia, os métodos de detecção foram imprescindíveis na tentativa de controlar o avanço do novo Coronavírus e as duas abordagens ainda estão sendo muito utilizadas pelos sistemas de saúde:

  1. PCR (Reação em Cadeia da Polimerase), no qual o vírus pode ser detectado a partir da coleta de fluidos nasais ou saliva. A presença de infecção pelo vírus é realizada analisando a presença de seu material genético nas amostras;
  2. Testes Sorológicos ou Testes Rápidos, nos quais um paciente com sintomas gripais pode confirmar o diagnóstico através da observação da presença de partículas que reconhecem o vírus (os anticorpos específicos) a partir da análise de amostras sanguíneas durante e após algumas semanas da infecção.

Esses testes, embora tenham sido (e continuam sendo) importantes para a detecção do vírus, apresentam algumas limitações, como:

  • apresentam custos altos para serem implementados rotineiramente e correm risco de escassez de reagentes importantes para a execução do exame, especialmente por muitos desses reagentes terem de ser importados;
  • possuem maior sensibilidade para detectar a presença do vírus somente em pacientes que já possuem os sintomas;

Um espaço para os “Wearables”

Nesse cenário, a detecção anterior ao aparecimento dos sintomas pode ser útil na tentativa de diminuir a transmissão da Covid-19, já que aproximadamente 50% dos indivíduos infectados são assintomáticos, porém potenciais transmissores (Muge Cevik et al., 2020). Coincidentemente, também no mês de Novembro deste ano, a revista Nature - uma das mais renomadas no contexto científico - publicou o estudo realizado por uma parceria de pesquisadores da Universidade de Stanford e da Universidade de Case Western, no qual dispositivos portáveis, como os relógios inteligentes (ou, se preferir, smartwatches), foram avaliados para detectar alterações fisiológicas no início da infecção, antes do aparecimento de sintomas (Mishra et al., 2020).

Esses dispositivos, que medem continuamente sinais vitais, já têm sido utilizados para detectar, por exemplo, outras infecções virais respiratórias, incluindo aquelas que não apresentam sintomas, analisando a frequência cardíaca e temperatura superficial. No entanto, neste estudo, avaliaram sua capacidade de prever a presença da Covid-19 ainda antes dos sintomas aparecerem, identificando potenciais casos de doença em uma detecção da infecção e rastreamento de potenciais transmissões, tudo em tempo real. Vale ressaltar que dezenas de milhões de pessoas utilizam esses aparelhos com o intuito de medir os parâmetros fisiológicos já citados, além de parâmetros de atividade física e de padrão de sono, ressaltando seu potencial impacto em saúde pública (Witt, D et al., 2019).

No estudo, 81% dos pacientes avaliados tiveram alterações em suas frequências cardíacas, no número de passos diários e no tempo de sono. Além disso, foram detectadas alterações nos parâmetros fisiológicos em 88% dos pacientes anteriormente ou no início do aparecimento dos sintomas. Após diversas análises durante um intervalo de tempo prévio ao aparecimento de sintomas do grupo de estudo (também chamado de análise retrospectiva), os dados demonstraram que cerca de 63% dos casos de Covid-19 poderiam ser detectados antes do início dos sintomas tomando-se como base elevações extremas da frequência cardíaca de repouso (relativo ao valor normal do indivíduo).

Com os dados obtidos a partir dos smartwatches, o grupo desenvolveu algoritmos para detectar alterações significativas no indivíduo no transcorrer de vários meses.

Figura ilustrativa do desenho de estudo, do grupo de estudo e dos dados. No grupo de estudo, constam pacientes: doentes e positivos para Covid-19 (vermelho), positivos para outras doenças (amarelo), doentes sem diagnóstico confirmado (cinza escuro) e não doentes mas com alto risco de exposição (cinza claro). Os dados dos dispositivos (“smartwatch”) e os sintomas (“symptom diary & medical records”) dos pacientes eram inseridos no aplicativo MyPHD. Os dados coletados eram padrões de frequência cardíaca (“heart rate”), passos (“steps”) e sono (“sleep”). Fonte: Mishra, T., Wang, M., Metwally, A.A. et al. Pre-symptomatic detection of COVID-19 from smartwatch data. Nat Biomed Eng (2020).

O presente e o futuro

Um fato importante que ocorreu na NBA, neste ano, foi a utilização de um anel com tecnologia de sensoreamento de temperatura por parte dos atletas, na intenção de diminuir transmissões da Covid-19 através da detecção de alterações na temperatura do corpo e na frequência cardíaca, entre outras métricas. Tal tecnologia, portanto, teve um papel importante no retorno aos jogos da temporada.

O uso destes aparelhos deve aumentar nos próximos meses, principalmente devido às diminuições dos preços dos mesmos em canais de compra, tornando-os fontes importantes de dados, com potencial poder de detecção. É importante ressaltar que o estudo realizado pelos pesquisadores não contou com um número grande de pacientes e que ainda está em fase de testes para aprovação do FDA (Food and Drug Administration), a agência federal americana análoga à Anvisa no Brasil.

Apesar disso, o futuro dos relógios inteligentes parece ser bem promissor e prático, já que conta com uma coleta de dados em tempo real, além de ser uma tecnologia em constante aprimoramento. Sua associação com ferramentas de IOT (internet of things) poderá potencializar o uso clínico dos dados obtidos neles.

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