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ARGO — Divulgação Científica
3 min readJul 25, 2024

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GÊMEOS DA NASA: UM ESTUDO SOBRE EFEITOS DE VIAGEM AO ESPAÇO

De março de 2015 à março de 2016, a National Aeronautics and Space Administration (NASA) realizou um experimento com os gêmeos Scott e Mark Kelly, de 50 anos, com o intuito de estudar quantitativa e qualitativamente o impacto no corpo humano causado por uma experiência de longa duração no espaço — definição empregada pela agência espacial americana quando um astronauta fica mais de seis meses fora da Terra.

Os efeitos conhecidos do ambiente do voo espacial na saúde, na fisiologia e nos processos celulares e moleculares são numerosos e incluem perda da densidade óssea, consequências para o desempenho cognitivo, alterações microbianas e alterações na regulação genética. Contudo, estudos anteriores recolheram dados muito limitados, não integraram efeitos simultâneos em múltiplos sistemas ou limitaram-se a missões de seis meses. Nesse cenário, o estudo realizado pela NASA permitiu a medição das mesmas variáveis em um astronauta numa missão de um ano e no seu gêmeo idêntico mantido num ambiente controlado na Terra.

Os irmãos Kelly são gêmeos monozigóticos, ou seja, ambos originaram-se de um mesmo zigoto, célula que se forma a partir da união do óvulo e do espermatozoide. No entanto, ao longo da vida, em razão de exposições ambientais diferentes e variações aleatórias no material genético de cada um — o que é conhecido tecnicamente pelo termo mutação — algumas mudanças se acumularam. O sequenciamento genético do DNA dos gêmeos foi realizado, com a confirmação de que haviam algumas poucas centenas de mutações individuais, o que é considerado pouco mesmo para gêmeos idênticos. Ademais, ambos os irmãos se tornaram astronautas em 1996, fato que os aproximava também do ponto de vista ambiental. Dessa forma, o estudo com os irmãos permitiu a comparação do impacto do ambiente espacial em um gêmeo com o impacto simultâneo do ambiente terrestre em um sujeito geneticamente compatível.

Scott Kelly ficou 340 dias na Estação Espacial Internacional. A ideia era que ele permanecesse fora do planeta Terra por um intervalo equivalente à duração de uma missão à Marte, o que poderia trazer respostas importantes para compreender melhor os efeitos de tais missões nos astronautas. Ambos os irmãos foram submetidos à mesma rotina de treinamento e de alimentação, de modo a minimizar variações que não se devessem exclusivamente ao ambiente (espaço x terra). Em contrapartida, Mark Kelly permaneceu no planeta Terra e se tornou um “experimento de controle”. Isso pelo fato de que todos os exames e estudos feitos em Scott foram comparados com amostras de Mark, a fim de compreender quais alterações se deviam ao efeito de uma longa exposição ao espaço.

Os gêmeos foram analisados antes, durante e após a missão. Avaliações longitudinais identificaram algumas alterações em Scott como: diminuição da massa corporal, alongamento dos telômeros — estrutura presente na extremidade dos cromossomos os quais se encurtam na medida em que envelhecemos -, instabilidade do genoma, distensão da artéria carótida e aumento da espessura da camada íntima e média dos vasos, alterações da estrutura ocular, alterações de transcrição devido processos de metilação do DNA associados ao estresse imunológico e oxidativo, modificações na microbiota gastrointestinal e algum declínio cognitivo. Dentre essas modificações, a maioria delas retornaram aos níveis basais pré missão dentro de 6 meses após o retorno à Terra. Entretanto, foram observadas mudanças persistentes, incluindo níveis de expressão de alguns genes, aumento de danos no DNA devido a inversões cromossômicas, aumento do número de telômeros curtos e função cognitiva atenuada.

A conclusão do estudo foi de que a maioria das variáveis biológicas permaneceram estáveis ou regrediram aos valores iniciais após regresso à Terra. Estes dados sugerem que a saúde humana pode ser sustentada durante uma missão espacial de 340 dias. Não obstante, o estudo trouxe informações relevantes acerca de alterações persistentes devido à exposição longa ao ambiente espacial. Isso permite a extrapolação de fatores de risco para missões mais duradouras e, portanto, devem servir como guia para contramedidas direcionadas ou monitoramento durante missões futuras.

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