Medidas não farmacológicas que ajudam na recuperação de enfermos

Nesta publicação, vamos entender algumas dores dos enfermos no meio hospitalar e como iniciativas não medicamentosas ajudam na reabilitação.

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Figura 1. Reabilitação médica por meios não medicamentosos. Fonte autoral com ícones do Flaticon.

Destaques

• A palhaçoterapia se mostrou eficiente na amenização de sintomas de doenças agudas e crônicas.

• A musicoterapia é uma atividade clínica regulamentada na área da saúde e que age diretamente no sistema nervoso simpático, ajudando o paciente em respostas psicológicas e fisiológicas.

• Os brinquedos e a contação de histórias fazem parte da Terapia do Riso, que segundo pesquisa influenciou positivamente 61% dos entrevistados quanto a melhoria da aceitação dos cuidados de enfermagem.

Contextualização

Uma enfermidade por si só já pode trazer muitos malefícios ao indivíduo, desde alterações físicas até psicológicas — momento crítico ao ser humano. A estadia em um ambiente hospitalar, muitas vezes caracterizado pela ociosidade e morosidade, compromete a recuperação de uma pessoa enferma, tanto no sentido de resposta clínica quanto até mesmo aceitação/crença de que aquele procedimento médico possa ser útil de alguma forma. O paciente podendo estar em quadros crônicos ou agudos (doenças de curso acelerado que levam o paciente a internação) desenvolve também outros sintomas que atrapalham em sua recuperação, tais como estresse, depressão, ansiedade, desânimo, angústia e medo. A ruptura social é extremamente nociva devido à interrupção de planos, estagnação e vivência exclusiva da doença, cenário que altera completamente a zona de conforto e afeta crianças, adolescentes, adultos e idosos.

Outro detalhe que afeta a recuperação de um enfermo é a qualidade da relação médico-paciente. Atualmente percebe-se um relacionamento com os profissionais da saúde muitas vezes técnico e impessoal [1–3], com pouco envolvimento afetivo, o que não conforta a pessoa em fragilidade emocional. Há a necessidade de adaptar e melhorar a relação médico-paciente a uma condição mais humanizada [1-3], propondo-se novas políticas de saúde, mudanças nos currículos de formação médica, iniciando-se um processo de humanização no ambiente hospitalar por meio da criação de projetos multidisciplinares, por exemplo, visando fortalecer a capacidade de enfrentamento da doença e da situação de hospitalização por parte do enfermo.

Diante desse contexto é perceptível que só a atuação de fármacos muitas vezes não é suficiente para a recuperação de um indivíduo, embora a longo prazo a anomalia por si só pode ser erradicada, o ser humano é muito complexo e outros danos podem se perpetuar após a hospitalização. Para lidar com tal variável, meios não farmacológicos passam a ser bem vistos, uma vez que se retira a dependência de uma droga, tornando a pessoa mais autônoma, e possibilita a criação de um ambiente confortável. Há muitos projetos multidisciplinares que atuam nesta vertente, cuja meta é acelerar ou mesmo estabilizar o processo de recuperação clínica, projetos como palhaçoterapia, musicoterapia, brinquedotecas e contação de histórias.

Projetos multidisciplinares como alternativas terapêuticas

Projetos multidisciplinares tais como atividades lúdicas, músicas, brinquedoteca e palhaços, entre outros, fazem com que o período de enfermidade seja amenizado de forma mais prazerosa, gerando estímulos físicos e psíquicos ao comportamento do paciente no meio hospitalar, além de ocupar o tempo e a mente da pessoa [1].

A seguir será discutido como esses projetos multidisciplinares no âmbito hospitalar podem trazer melhora ao quadro clínico do paciente, tendo destaque para o desencadeamento da liberação de endorfina (hormônio do bem estar) no organismo, que é capaz de gerar alívio à dor e uma resposta positiva ao tratamento médico.

Palhaçoterapia

Os palhaços auxiliam no processo de recuperação dos pacientes, tornando-o mais ameno, tanto para os próprios pacientes quanto para familiares e a equipe médica. Um artigo intitulado Effectiveness of hospital clowns for symptom management in paediatrics: systematic review of randomised and non-randomised controlled trials (Eficácia dos palhaços do hospital para o manejo dos sintomas em pediatria: revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados e não randomizados) [4], publicado no The British Medical Journal, mostra que a interação com palhaços durante a internação ajuda a amenizar os sintomas de doenças crônicas e agudas em crianças e adolescentes, melhorando o bem-estar psicológico e as respostas emocionais.

O estudo, realizado por pesquisadores da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, traz uma revisão sistemática da literatura sobre os palhaços que se apresentam em hospitais como medida não farmacológica para auxiliar no tratamento de crianças e adolescentes. No total, foram analisados 24 estudos sobre o tema, sendo 13 ensaios clínicos randomizados e 11 estudos experimentais não randomizados [5].

A medida não farmacológica se mostrou eficiente em reduzir o conjunto de sintomas apresentados durante a hospitalização e positivo para a recuperação dos pacientes. A interação com os palhaços — tanto em procedimentos médicos quanto em internações em decorrência de condições crônicas — ajuda no manejo de sintomas durante a hospitalização.

Figura 2. Palhaçoterapia em ação. Fonte [6]

Musicoterapia

A música é um recurso utilizado para propiciar momentos de bem-estar e relaxamento, diminuindo ansiedade, dor pós-operatória e tempo de internação, melhorando o humor e a receptividade a cuidados médicos. A música age diretamente no sistema nervoso simpático (parte responsável, por exemplo, pela dilatação de pupilas, relaxação dos brônquios e aceleração dos batimentos cardíacos), diminuindo sua atividade, de forma que o paciente não só se beneficia de respostas psicológicas como fisiológicas, com diminuição da pressão arterial, frequência cardíaca e respiratória.

O potencial terapêutico de sons e canções é tão alto que hoje a musicoterapia é uma atividade clínica regulamentada na área da saúde [1]. A música também ativa o hipocampo, estrutura do cérebro responsável pela memória, o que a torna grande aliada no tratamento de doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer.

Figura 3. Musicoterapia executada por profissional da saúde. Fonte [7]

Brinquedoteca

A recreação traz positividade no ato de enfrentar o sofrimento e contribui para diminuição dos efeitos negativos da hospitalização. Pesquisas concluíram que brincar é um recurso viável para enfrentar o processo de internação, pois traz diversão e auxilia no tratamento médico [8]. Diante dessas constatações já se observa espaços com brinquedos em hospitais/clínicas médicas para proporcionar maior conforto aos enfermos.

O ato de brincar favorece a comunicação com a criança preparando-a para enfrentar novas situações, minimizando as experiências traumáticas. O meio de comunicação entre o profissional da saúde e a criança é melhorado, construindo a imagem de que o âmbito hospitalar é acolhedor [9].

Figura 4. Brinquedoteca em ambiente hospitalar. Fonte [10]

Contação de Histórias

A contação de histórias é outra iniciativa não medicamentosa que busca melhorar o processo de recuperação da pessoa doente. Alguns estudos identificaram que uma das respostas não-verbais da criança hospitalizada é o sorriso [1] e o ato da contação de histórias desencadeia isso, além de estimular a criatividade.

Figura 5. Voluntário lendo livro para a criança. Fonte [11]

Estudos científicos comprovaram já há algumas décadas que o sorriso e outras manifestações faciais de expressão de sentimentos favorecem a autopercepção e a diminuição do medo frente a eventos adversos [12].

O riso aumenta a secreção de endorfina, relaxando as artérias, melhorando a circulação e beneficiando a resposta imunológica perante vírus e bactérias. Além disso, também estimula adrenalina, aumentando a oxigenação dos tecidos, causando aumento na capacidade do paciente de resistir à dor.

Pesquisadores também realizaram um estudo onde analisaram por meio de questionários (resultados na figura 6) o acompanhamento das crianças internadas em um hospital do litoral norte de São Paulo e a resposta da criança frente à terapia do riso [13]. Concluíram que a terapia do riso deixa a criança mais feliz, e que a contação de histórias e a visita de palhaços durante o período de internação das crianças torna o dia mais alegre, influenciando positivamente 61% dos entrevistados. Estimulando o humor, houve melhora na aceitação dos cuidados da enfermagem e melhora na resposta das crianças à dor.

Figura 6. Terapia do riso e melhoria da aceitação dos cuidados de enfermagem. Fonte [13]

Conclusão

As iniciativas não medicamentosas descritas ao longo da publicação são tendências que vêm sendo aplicadas e adotadas nos ambientes hospitalares. Percebeu-se que, além de toda a medicina necessária para tratar um enfermo, há também a necessidade da humanização do processo e nada melhor do que superar um estado de fragilização dando risadas, distraindo-se, exercitando criatividade e desenvolvendo tantos outros efeitos parelhos ao hormônio da endorfina.

Muitas instituições voluntárias desenvolvem tais projetos multidisciplinares nos hospitais, mas já há discussões na literatura acerca da possibilidade de mudanças nos currículos das áreas da saúde, o que desencadearia maior sensibilidade para com pacientes, melhorando a qualidade de vida dos mesmo e impulsionando reabilitações mais interessantes.

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Referências

[1] MONARI, C; PAIS, L; MUGNOL, K. Sorrir: alternativa terapêutica. Pesquisa e Ação V5 N3, 2019.

[2] Caprara, Andrea, & Franco, Anamélia Lins e Silva. (1999). A Relação paciente-médico: para uma humanização da prática médica. Cadernos de Saúde Pública, 15(3), 647–654. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1999000300023.

[3] Goulart, Bárbara Niegia Garcia de, & Chiari, Brasília Maria. (2010). Humanização das práticas do profissional de saúde: contribuições para reflexão. Ciência & Saúde Coletiva, 15(1), 255–268. https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000100031.

[4] Lopes-Júnior, L. C., Bomfim, E., Olson, K., Neves, E. T., Silveira, D., Nunes, M., Nascimento, L. C., Pereira-da-Silva, G., & Lima, R. (2020). Effectiveness of hospital clowns for symptom management in paediatrics: systematic review of randomised and non-randomised controlled trials. BMJ (Clinical research ed.), 371, m4290. https://doi.org/10.1136/bmj.m4290.

[5] https://jornal.usp.br/ciencias/palhacos-que-atuam-em-hospitais-ajudam-na-recuperacao-de-pacientes-pediatricos/. Acessado em 30/01/2021

[6] https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2014/05/1451664-dr-miojo-leva-alegria-aos-pacientes-da-uti-da-santa-casa.shtml. Acessado em 02/02/2021

[7] https://www.letras.mus.br/blog/o-que-e-musicoterapia/. Acessado em 01/02/2021

[8] ARAÚJO, P. C. B.; DANTAS, M. M. C.; OLIVEIRA, D. R.; RODRIGUES, G. R. C.; OLIVEIRA, L. C. B.; MAIA, E. M. C. Playing in the process of infantile hospitalization: analysis of the academic production. Journal of Nursing UFPE OnLine, Recife (PE). v. 6, n. 4, p. 891–899, 2012.

[9] FRANCISCHINELLI, A; ALMEIDA, F; FERNANDES, D, MITIKO, S. Uso rotineiro do brinquedo terapêutico na assistência a crianças hospitalizadas: percepção de enfermeiros. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 18–23,2012

[10] https://playtable.com.br/blog/brinquedotecas-em-ambiente-hospitalar-por-que-investir. Acessado em 01/02/2021

[11]https://www.acidadeon.com/ribeiraopreto/bairros/centro/NOT,0,0,1337875,historias+para+curar+por+dentro.aspx. Acessado em 01/02/2021

[12] DUNCAN, J; LAIRD, J. Positive and reverse placebo effects as a function of differences in cuesused in self-perception. Journal of Personality and Social Psychology, v. 39, n. 6, p. 1024–1036, 1980.

[13] GARCIA, D; SILVA, J; VAZ, A; FILOCOMO, F; FILIPINI, S. A influência da terapia do riso no tratamento do paciente pediátrico. XII Enc. Latino Americ. IC. Paraíba/2008

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