Optogenética: O Interruptor do Cérebro.

Romina Horianski
ARGO — Divulgação Científica
5 min readOct 15, 2020

Você sabia que é possível ligar e desligar neurônios de uma forma precisa? Confira como isso ocorre e quais são suas aplicações, aqui!

Fonte: MIT McGovern Institute, Julie Pryor, Charles Jennings, Sputnik Animation, and Ed Boyden

A complexidade do cérebro

O cérebro é composto por uma circuitaria densa de peças interconectadas, os neurônios, que interagem entre si através de espaços chamados de “sinapses” por sinais elétricos. Além disso, os neurônios (células desse tecido) não constituem apenas um tipo celular - existem diversos tipos de células neuronais, cada um com funções, propriedades químico-elétricas, número de interações e formatos diferentes.

Para quem ainda não se impressionou, eis aqui mais uma feature desse órgão: essas células reagem e respondem de forma diferente a irregularidades na saúde do sistema nervoso, ainda mais dependendo do local, dentro do órgão, em que elas se encontram. Vale lembrar que, diferentes áreas do cérebro possuem perfis específicos de população celular e do espaço que a circunda, implicando em inúmeras possibilidades de abordagens para análise e terapia.

O resultado?

É difícil saber como a interação desses neurônios resulta em sensações, decisões, emoções e movimentos. Mais do que isso, como a falta de funcionamento de uma célula resulta em desordens ou doenças no sistema nervoso.

Para se ter acesso a essas informações (em teoria), duas abordagens são importantes: (i) a ativação de uma célula específica para verificar com quem ela interage e (ii) a sua inibição para analisar qual seu papel e suas implicações em um estado cerebral saudável ou doentio. É nesse contexto que o pesquisador Edward S. Boyden do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e colaboradores entraram em ação.

Ligar e desligar uma célula

Isso é o que a optogenética faz. Desenvolvida por Boyden e seu grupo, a tecnologia consiste em um grupo de moléculas (adaptadas), com a estrutura de um canal, chamadas de “opsoninas microbianas” que se dirigem e permanecem na membrana do neurônio. Estas moléculas, inicialmente, são geradas dentro das células que recebem instruções genéticas para essa produção, via inserção de genes específicos. Após isso, essas “opsoninas microbianas” se dirigem à membrana plasmática e, ao reagir com a luz, deixam passar cargas elétricas (para dentro ou fora da célula, dependendo da molécula) através da estrutura celular. Isso ativa ou inativa a célula, uma vez que o neurônio tanto responde a quanto gera estímulos elétricos, sendo estes processos as bases do seu funcionamento.

Um exemplo dessa tecnologia pode ser visto na figura abaixo. Nela, um neurônio que expressava a molécula opsonina em sua superfície foi submetido a pulsos de luz (traços azuis, na figura) durante um tempo, durante o qual foram verificados picos de corrente elétrica transmembranal (entre o exterior e interior da célula). Vale lembrar que a luz possui um espectro de comprimentos de onda diferentes e, portanto, diversas cores podem, em tese, ser obtidas, a depender da molécula utilizada.

Imagem de um exemplo de opsonina, chamada de Channelrhodopsin-2, mediando picos de corrente elétrica gerados por emissão de luz em um neurônio, ativando-o. Fonte (adaptado de): Edward S. Boyden, 2011.

Uma grande vantagem dessa ferramenta é que, após anos de trabalho para aprimorá-la, pode ser aplicada em cérebros in vivo (isto é, dentro de um organismo vivo) sem provocar morte às células, nem reações imunes que afetem o funcionamento normal do tecido. Esta capacidade abre espaço para um futuro com o uso da optogenética de modo translacional (para aplicação na saúde humana), como tratamento via estímulo neural em condições clínicas.

Mas como colocar a molécula dentro do neurônio?

Basicamente, é usado um sistema de delivery (como o iFood) que entrega o material (no caso, o código ou a mensagem genética que contém as instruções para síntese da molécula) dentro da célula. O motoboy é o vírus, que é modificado geneticamente pra esse papel. O material vem de um laboratório de pesquisa (uma vez que ainda não é habilitado para uso clínico, apenas para uso experimental). O endereço de entrega é o neurônio (ou algum subconjunto) específico alvo.

A pergunta que não quer calar é: como o vírus sabe aonde precisa se dirigir? E a resposta para isso é a seguinte: eles têm, em sua superfície, estruturas que somente são reconhecidas por determinados tipos de neurônios ou ainda podem conter bloqueadores de síntese dessas moléculas que são liberados apenas em determinados tipos de células. Legal, né?

Aplicação é o que gostamos

Todos sabemos da complexidade cerebral. Sabemos, também, da grande quantidade de indivíduos que apresentam desordens neurais, sejam estas psiquiátricas, motoras ou senis. Encontrar uma forma de mapear a interação de determinados grupos celulares é essencial para o melhor entendimento de alguma condição neural e para a criação de fármacos mais específicos e com menos efeitos colaterais.

Uma das metas é entender como o cérebro computa emoções e decisões humanas, área de profundo interesse para Boyden, pois, de certo modo, são a essência do ser humano. A outra é que essa tecnologia chegue às clínicas, de forma a ser uma terapia contra doenças neurais. Por exemplo: pacientes com desordens em que há um grupo de neurônios hiperativos, como em surtos epiléticos ou na doença de Parkinson, poderiam ser submetidos à tratamentos que silenciassem a atividade desses neurônios específicos, cancelando os sintomas de uma forma rápida.

O que temos pela frente

As pesquisas são promissoras e têm, como próximos objetivos, a otimização da ferramenta para aumentar seu potencial de uso, desenvolvendo moléculas mais sensíveis à luz, sensíveis a outros comprimentos de onda e que sejam capazes de medir alterações da corrente elétrica. Isso permitiria o controle da atividade de células específicas em tempo real e até mesmo o controle de certos comportamentos, como movimentos, tudo a partir de tecnologias de engenharia molecular (como indução de mutações ou modificações que melhorem suas funções).

Aliado a isso, Boyden tem como alvo a integração da optogenética com a tecnologia de microscopia de expansão (também desenvolvida pelo seu grupo, no MIT). Esta consiste em ampliar a imagem microscópica a níveis assustadores (resolução de 30 nanômetros - tamanho menor que uma nanopartícula - ou até menores resoluções) utilizando um polímero que expande tecidos biológicos. Assim, pode-se obter o mapeamento e o rastreamento das atividades das células neuronais em áreas maiores. Mas esse assunto fica pra próxima.

Quer saber mais? Assista a este vídeo:

Referências:

Boyden ES. A history of optogenetics: the development of tools for controlling brain circuits with light. F1000 Biol Rep. 2011;3:11. doi:10.3410/B3–11

Boyden ES. Optogenetics: using light to control the brain. Cerebrum. 2011;2011:16.

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