Os planos de saúde estão cada vez mais caros. O que fazer?

Otavio Corrêa
ARGO — Divulgação Científica
5 min readOct 9, 2021

Profissional convidado:

Nascido em Belém do Pará, Alexandre Calandrini é formado em medicina pela Escola Paulista de Medicina (EPM/UNIFESP), fez residência em Medicina de Familia e Comunidade e hoje é coordenador médico na health-tech Sami.

Mulher fazendo teste de pressão arterial.
Photo by Hush Naidoo Jade Photography on Unsplash.

O que é o sistema de saúde suplementar?

“Saúde suplementar é o conjunto de ações e serviços desenvolvidos por operadoras de planos e seguros privados de assistência médica à saúde e que não têm vínculo com o Sistema Único de Saúde (SUS)” [1].

No Brasil, quem regula e fiscaliza essas atividades é a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). E apesar de ser suplementar, esse sistema atende mais de 47 milhões de brasileiros, que são beneficiários de planos de assistência médica, segundo dados de março da ANS.

O principal desafio da saúde suplementar no Brasil

Os custos do setor, que estão cada vez mais altos e são repassados ao consumidor final dos planos de saúde. Em maio de 2019, as operadoras foram autorizadas a aumentar as mensalidades de planos individuais em até 7.3%, sendo a inflação acumulada no período de 2.4%.

Figura 1 — Reajuste de planos individuais permitido pela ANS, inflação e Variação de Custo Médico-Hospitalar (VHCM) por período. Dados obtidos na plataforma IESSdata e portal da ANS.

Na figura 1, a Variação de Custo Médico-Hospitalar (VHCM) expressa a variação do custo médio por beneficiário da operadora em um período médio de 12 meses, uma espécie de índice de inflação da área da saúde. Segundo as operadoras, ela é a principal explicação dos altos reajustes de planos individuais (e também de planos coletivos) nos últimos anos [2].

Por consequência, a viabilidade dos planos é colocada em cheque a médio e longo prazo: com reajustes muito maiores que a inflação registrada no período, a mensalidade dos planos tende a superar gradativamente o poder de compra do associado. Por fim, cada vez mais pessoas tendem a abandonar o sistema suplementar e retornar ao SUS, desaquecendo o mercado privado de saúde e também sobrecarregando o sistema público.

Por que o aumento dos custos na saúde?

Segundo Alexandre, os principais motivos são resultado da prática de saúde fragmentada, no que diz respeito à trajetória do paciente, e muito especializada, com relação aos profissionais de saúde.

“Uma dor de cabeça que é direcionada a um neurologista e uma dor nas costas que é direcionada ao ortopedista” fazem o sistema ficar muito oneroso, dado que um médico que centraliza a jornada do paciente poderia resolver a maior parte desses problemas de saúde com um custo muito mais razoável, diz Alexandre.

Tubos de ensaio contento sangue a ser analisado.

Além disso, verifica-se na literatura que o uso indiscriminado de pronto-socorro e realização excessiva de exames (1), falta de medicina preventiva (2) e fraudes (3) são os principais atores no aumento do VCMH:

  1. Episódios agudos de doença vinculados ao uso indiscriminado do serviço de pronto-socorro, além da realização excessiva de exames complementares. Por exemplo, entre 2014 e 2015 houve aumento de 25,2% na realização de ressonância magnética e 21% de tomografia computadorizada [3];
  2. Foco no tratamento da doença e não na sua prevenção através de praticas de medicina preventiva. Segundo a ANS, entre 80% e 85% dos problemas de saúde podem ser solucionados com atenção primária [2]; e
  3. Práticas fraudulentas, envolvendo os beneficiários e operadoras, afetam a saúde financeira do sistema suplementar. Por exemplo, alguém que tem problemas de saúde preexistentes, mas não mencionou isso quando aderiu ao plano de saúde. Algumas semana após assinar o contrato, esse beneficiário passa por um procedimento de saúde muito caro que não seria custeado pela sua mensalidade. Um marco legal seria necessário para mitigar casos como esse [2].

Uma solução: atenção primária e medicina preventiva

Um dos planos de ação para redução de custos se baseia em uma forte mudança de paradigma no sistema complementar: transformar uma estrutura altamente fragmentada e especializada em outra mais centrada no paciente e baseada em atenção primária.

E o que é atenção primária afinal? A atenção primária é porta de entrada do sistema de saúde, e pode resolver de 80% a 90% dos problemas de saúde do paciente [2]. São os seus pilares:

  • Acesso — ser completamente acessível pelo paciente;
  • Continuidade — estabelecer um relacionamento de longo prazo entre paciente e equipe de saúde;
  • Integralidade — atender o paciente como um todo; e
  • Coordenação — conversar com outras partes do sistema de saúde para redirecionar problemas de saúde que a atenção primária não pode resolver.
Uma adolescente afro-americana e seus pais consultam uma médica caucasiana.
Photo by National Cancer Institute on Unsplash.

Esse atributo do sistema de saúde é exercido por médicos generalistas (o clínico geral e o médico de família, por exemplo) junto de uma equipe médica, que sabem tratar muito bem problemas de saúde comuns.

Vale dizer que esse modelo gera melhores desfechos ao paciente, justamente pelo acompanhamento contínuo, e é muito menos oneroso, dado o redirecionamento à profissionais especializados e pedido exames sofisticados só quando há real necessidade, aponta Alexandre.

Uma segunda mudança de paradigmas a ser discutida é do tratamento de doenças à prevenção delas. E aí entra a medicina preventiva, que tem quatro vertentes:

  • Prevenção primária: fazer esportes e se alimentar bem, por exemplo;
  • Prevenção secundária: tratamento de doenças em estágio assintomático;
  • Prevenção terciária: prevenir ou mitigar complicações de uma doença preexistente com um tratamento adequado;
  • Prevenção quaternária: contra excesso de medicina.

Vantagens e desafios

Por fim, as vantagens da atenção primária e medicina preventiva são:

  • Redução de custos;
  • Redução do tempo gasto pelo paciente no sistema de saúde e redução do desgaste sofrido pelo paciente;
  • Melhoria dos resultados em termos de hospitalizações pelo acompanhamento contínuo; e
  • Proximidade e sensibilidade do médico ao paciente.

Já os desafios são:

  • Resistência de outros jogadores do sistema de saúde como, por exemplo, laboratórios que perderão receita com a menor realização de exames; e
  • Resistência cultural por parte dos pacientes.

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Curiosidades

Afinal, o que é médico de família? É a mesma coisa que clínico geral?

O termo “clínico geral” é comumente atribuído ao médico que completa 6 anos de estudos em medicina mas não fez residência ou ainda não tem especialidade na saúde. Já o médico de família, que também estuda medicina durante 6 anos, faz residência médica em Medicina de Família e Comunidade, no contexto do sistema público, e é especializado em ser um generalista.

Referências

[1] Saúde suplementar: o que é e como funciona

[2] Quais são os principais desafios da saúde suplementar no Brasil?

[3] Custos em saúde suplementar: um desafio para sua empresal

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