Plantando em… Marte?

Lívia Veronezi
ARGO — Divulgação Científica
8 min readAug 20, 2024

Atualizações sobre o avanço de pesquisas sobre plantar em solo marciano, com o objetivo de colonizar o planeta vermelho.

Figura 1 — Personagem Mark Watney com sua plantação de batatas em Marte. Legenda: “Mas eu sou o melhor botânico neste planeta.” [1]

Introdução

No filme Perdido em Marte, o astronauta Mark Watney faz uma plantação de batatas em solo marciano para sobreviver sozinho. Apenas com a terra que já tinha no alojamento, reaproveitando seus dejetos como adubo e fazendo um sistema que produzia vapor d’água, o astronauta conseguiu passar quase 1.500 dias sendo autossuficiente, e o mais interessante de tudo isso é que plantações espaciais estão mais próximas de se tornarem realidade do que imaginamos…

No texto desta semana, vamos trazer atualizações sobre uma pesquisa extremamente nova e interessante, que começou a ocorrer também no Brasil: a plantação no solo simulado de Marte, com o objetivo de colonizar o planeta. No final terá uma surpresa, mas já vou dar um spoiler: a autora do artigo que iremos analisar respondeu algumas perguntas exclusivamente para esse post!

Mas por quê plantar em Marte?

Primeiramente, é importante esclarecer que pesquisas relacionadas à colonização de outros planetas não estão descartando a Terra e nem as pessoas que vivem nela, mas sim ultrapassando as barreiras da ciência que dizem que o limite do conhecimento está em um planeta só. Afinal, o próximo passo da evolução tecno-científica é a experiência interestelar, não é mesmo?

Em segundo lugar, a capacidade de plantar em Marte é um avanço muito significativo na ciência — tanto sobre colonização interplanetária quanto para manter a saúde do nosso próprio planeta, mas esse tópico será explorado mais à frente. Após certo período, mandar suprimentos para outro planeta acaba se tornando inviável, então a solução que os cientistas encontraram, que é mais plausível atualmente, é pesquisar como produzir o próprio alimento.

Métodos atuais

Vamos adentrar no método de plantio desenvolvido pela astrobióloga brasileira Rebeca Gonçalves — em colaboração com outros cientistas -, em seu artigo de nome “Intercropping on Mars: A promising system to optimise fresh food production in future martian colonies”, publicado em 1º de maio de 2024.

Foram simuladas condições de temperatura, pressão, composição de gases e intensidade da luz em condições de plantio possíveis de serem criadas artificialmente em Marte. O regolito — nome dado ao solo marciano — utilizado foi o MMS-1, fabricado pelo Laboratório de Propulsão a Jato (JPL) da NASA, e é a simulação mais próxima do regolito encontrado na superfície marciana.

Figura 2 — Representação do experimento e do design em [2]. Designs de plantio em A e B, em que o círculo preto simboliza a ervilha, o cinza a cenoura e o branco o tomate. Andamento dos cultivos em cada um dos vasos desenhados, em C. [2]

Em alguns vasos de planta foi adicionado regolito marciano, em outros terra normal, e em um terceiro grupo areia comum.

As espécies vegetais escolhidas foram a cenoura, a ervilha e o tomate cereja, representando 3 dos 27 potenciais candidatos de alimentos a serem incorporados num habitat espacial, conforme proposto no documento Life Support Values and Assumptions, da NASA (com base em critérios de seleção como rendimento e teor de macronutrientes necessários para complementar a dieta da tripulação).

Foram adicionadas, nos três tipos de solo, bactérias do gênero Rhizobium, que são responsáveis pela fixação do nitrogênio no solo, possibilitando a obtenção desse elemento pelas plantas e uma maior integração entre elas.

Além disso, foi feito um design experimental de plantio intercalar entre as espécies, como mostrado na imagem acima [2], a rega e adição de solução nutritiva no regolito, repondo os nutrientes que o solo marciano carece — visto que ele é bem mais pobre do que o solo terrestre.

Após esses processos, foi feita a colheita e as medições dos vegetais, cálculos e análises dos dados obtidos. [2]

Figura 3 — Resultados do plantio de tomate cereja em areia (A), regolito marciano (B) e terra normal (C). [2]

Benefícios à saúde dos astronautas

Sabia que o hábito de plantar alivia o estresse, ansiedade e depressão, de acordo com estudos de experiências que astronautas tiveram? Isso mesmo, além de trazer um efeito muito bom para a saúde do lado nutricional, cuidar de plantas pode causar impactos psicológicos e psicossociais positivos. Essas são duas das piores barreiras que os viajantes do espaço precisam enfrentar, então é uma ótima solução para manter a saúde física e mental.

Figura 4 — Astronauta Serena Auñón-Chancellor plantando couve russa vermelha e alface dragão bem a tempo do Dia de Ação de Graças. A astronauta reportou que o alface estava “delicioso!”. Fonte: ESA/Alexander Gerst, 2018. [4]

Agora explorando mais sobre a saúde física, há uma grande necessidade entre os exploradores espaciais em criar um método que conserve melhor os nutrientes dos alimentos, visto que muitos componentes importantes são perdidos no processo de desidratação — que é o método atual mais utilizado para enviar alimentos ao espaço. [2]

Resultados

Por enquanto, os resultados no regolito não foram muito animadores, visto que só o tomate teve um aumento de sua performance utilizando a estratégia dos diferentes designs de plantio, e a cenoura teve até um déficit.

Essas consequências se devem porque as bactérias do gênero Rhizobium, em sua esmagadora maioria, não conseguiram sobreviver no solo marciano, devido ao fato de ele conter muito perclorato — substância tóxica que faz mal tanto às plantas quanto aos seres humanos e às bactérias. E o problema é que, se esses microrganismos não sobrevivem, as plantas não conseguem absorver nitrogênio em quantidades suficientes, o que impacta negativamente no seu desenvolvimento.

Além disso, por consequência, a espécie vegetal que precisa de mais nutrientes — o tomate — se aproveita da competição interespecífica contra as outras plantas, que dependem mais do nitrogênio e consomem menos nutrientes — como a cenoura e a ervilha. [2]

Nos solos terrestres, houveram resultados já esperados — e positivos — acerca desse tipo de design de plantio, já usado desde a época dos Maias.

Figura 5 — Resultados da colheita. A e B são tomates, C e D são ervilhas e E e F são cenouras. Da esquerda para a direita estão os vegetais cultivados na areia, no regolito e no solo normal. [2]

Conclusão

Mesmo que os primeiros resultados não tenham sido tão satisfatórios, agora existe um caminho bem definido para que as próximas pesquisas sejam feitas.

Ficou evidente que as bactérias Rhizobium precisam de melhoramento genético, que o método de cultivo deve ser repensado, e que é necessário descobrir algum microrganismo que atue na biorremediação do perclorato do solo marciano. E esses são só alguns exemplos.

O desenvolvimento desse tipo de pesquisa é muito importante e pode possibilitar a nossa autossuficiência em Marte e, quem sabe, futuramente, em outros planetas!

Figura 6 — Comparação Terra-Marte. Fonte: NASA. [3]

Respostas de Rebeca Gonçalves, a astrobióloga brasileira pioneira nessa linha de pesquisa

Como prometido, fiz essa seção especial, pois nesta sexta-feira (5 de julho) tive a oportunidade de entrevistar a autora do artigo sobre o qual analisamos neste post, para conseguir mais informações relevantes ao tópico da saúde e explorar a fundo as questões mais pertinentes sobre o tema da agricultura espacial.

Figura 7 — Rebeca Gonçalves ao lado de seus tomates marcianos. Fonte: Instagram. [5]

1. “Quais são os principais benefícios da plantação à saúde dos astronautas?”

Rebeca contou que em diversas missões espaciais, tanto para a ISS (International Space Station) quanto em missões análogas — que ocorrem em solo terrestre que possui características extremamente semelhantes com ambientes extraterrestres, e simula todas as suas condições — os astronautas sentem uma grande falta do contato com a natureza.

A autora contou até mesmo sobre um caso de um astronauta que gostava de fazer trilhas, mas no espaço não tinha contato nenhum com a natureza, então toda vez que algum experimento com plantas ocorria na ISS, ele se aproximava e tentava participar. Além disso, colocava vídeos de florestas em um aparelho que era posicionado à sua frente, sobre a esteira na qual fazia exercícios físicos, para simular que estava fazendo uma trilha de verdade.

Tendo isso em mente, o impacto psicológico que um astronauta sofre sendo privado da natureza é extremamente relevante para a integridade de sua saúde, pois ele sente diversos sentimentos e sensações negativas, como de estar deslocado, vazio e com saudade profunda, o que pode impactar no desempenho dele na missão.

Para melhorar essa situação, experimentos como o de Rebeca estão sendo incentivados, visto que o contato com a natureza em um ambiente fora da Terra continua sendo essencial para manter a saúde humana.

2. “Por que a pesquisa sobre colonização interplanetária é tão importante quanto a ciência sobre salvar o planeta Terra e seus seres vivos?”

Essa pergunta delicada foi respondida com muita maestria pela Rebeca Gonçalves. A autora disse que nas agências espaciais, existe como se fosse um “lema de empresa”, que se resume basicamente em: uma pesquisa da área espacial sempre deve ter uma utilidade para a preservação da Terra.

No caso do artigo dela, Rebeca enfatizou que a utilidade no nosso planeta é que auxilia nas pesquisas sobre como plantar de forma efetiva em um solo já desgastado e com pobreza nutricional. Isso é muito relevante, não é? Uma parcela muito alarmante de territórios de agricultura já foi usada ao extremo, e uma pesquisa como essa possibilitaria o retorno da plantação nesse solo, além de torná-lo um sistema autossuficiente e ecologicamente saudável.

Mas não somente em pesquisas, como em missões espaciais, o sentimento de cuidar do planeta Terra floresce fortemente. A cientista contou que todos os astronautas que ela teve contato relatam a mesma história: quando vêem a Terra do espaço, passam pelo overview effect. Isso é um estado de clareza mental, uma mudança cognitiva, que ocorre nos cérebros dos astronautas ao verem um pálido ponto azul no meio de uma imensidão de “nada”, a fina camada da atmosfera terrestre contra o universo. Quando adquirem essa visão, percebem o quão frágil a Terra é em comparação à imensidão do espaço, e sentem um sentimento de urgência em cuidar do planeta. Então, quando voltam, se comprometem intensamente para que isso aconteça.

3. “Em quanto tempo acredita que poderemos ter uma plantação de verdade em Marte?”

A astrobióloga levou em conta outro panorama para responder a essa pergunta, e salientou que depende do quanto a economia do setor espacial irá crescer. Atualmente, agências não só que representam países podem realizar missões espaciais, ou seja, existem empresas privadas atuantes nesse setor e que movimentam muito dinheiro.

Como consequência, conforme o aumento do número de empresas, pesquisas e investimentos no setor espacial, mais rápida será a viagem em larga escala de pessoas a Marte, e a autora acredita fortemente que até 2040 teremos ao menos começado essa colonização. Então, nos próximos 16 anos, Rebeca acredita ser muito provável que seja feita uma plantação efetiva no planeta vermelho.

Referências

[1] Disponível em: <https://68.media.tumblr.com/23dcc552d0645f50d7d3a0409a559910/tumblr_o99zqntwRQ1tnjtx4o1_540.gif>. Acesso em: 9 jul. 2024.

[2] GONÇALVES, R. et al. Intercropping on Mars: A promising system to optimise fresh food production in future martian colonies. PloS one, v. 19, n. 5, p. e0302149–e0302149, 1 maio 2024.

[3] NASA. Mars — NASA Science. Disponível em: <https://science.nasa.gov/mars/>.

[4] NASA. Growing Plants in Space — NASA. Disponível em: <https://www.nasa.gov/exploration-research-and-technology/growing-plants-in-space/>.

[5] Instagram. Disponível em: <https://www.instagram.com/rebeca_rgoncalves/>. Acesso em: 9 jul. 2024.

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