Tecnologias contra a fome

Nesta publicação, vamos entender como algumas tendências tecnológicas prometem mudar o panorama da fome que assola o planeta Terra.

Higor Souza Cunha
ARGO — Divulgação Científica
7 min readFeb 25, 2021

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Figura 1. Brasil e a sua luta contra a fome. Fonte [1]

Destaques

Tecnologia baseada em piscicultura intensiva já é adotada como política pública em mais de 10 estados brasileiros e tem como objetivo tirar as famílias da linha da pobreza.

Plataforma para o cultivo de verduras e legumes em locais inviáveis para colheita usa 75% menos espaço e 90% menos água do que uma parcela de agricultura tradicional do mesmo tamanho.

Refrigerador baseado em resfriamento evaporativo mantém alimentos frescos em locais sem eletricidade consistente, necessitando apenas de água.

Contextualização

O conceito de saúde é muito amplo e costuma tanger problemas sociais que assolam os países. O problema da fome no planeta é uma questão que envolve diretamente a saúde e o bem estar do indivíduo, e em tempos calamitosos, como o atual caracterizado pela pandemia da Covid-19, as dimensões tendem a ser ainda maiores. A falta de alimento, mesmo com o avanço tecnológico, social e econômico, ainda é uma realidade muito presente na vida de milhares de pessoas espalhadas pelo mundo inteiro e esse problema só aumenta com o passar dos anos.

Segundo relatório publicado pela ONU [2] no primeiro semestre de 2020, cerca de 690 milhões de pessoas passaram fome em 2019, aproximadamente 60 milhões de pessoas a mais que em 2015. Devido à crise mundial causada pela pandemia da Covid-19, a ONU previu que 130 milhões de pessoas chegariam à fome crônica até o final de 2020. Altos custos e baixo poder aquisitivo também significam que bilhões não podem comer de maneira saudável ou nutritiva. As pessoas passando fome são mais numerosas na Ásia, mas esse número aumenta rapidamente na África também. No contexto brasileiro, a insegurança alimentar grave é um problema grande, caracterizado pela redução quantitativa de alimentos até entre as crianças, ou seja, ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos entre todos os moradores de um domicílio. Segundo dados divulgados pelo IBGE [3], nos últimos cinco anos aumentou em cerca de 3 milhões o número de pessoas sem acesso regular à alimentação básica, chegando a, pelo menos, cerca de 10,3 milhões o contingente nesta situação.

Diante desse contexto muitas tecnologias estão sendo desenvolvidas para minar o crescimento da fome no mundo. Apesar de existirem políticas públicas e assistencialistas que buscam atuar em tal problema social, inovações destinadas à agricultura familiar são emergentes, muito pela necessidade de promover autonomia aos grupos que não desfrutam de elevado poder aquisitivo e que assim consigam se tornar autossuficientes.

A seguir serão apresentadas algumas dessas tecnologias que estão ajudando muitas pessoas em situações de vulnerabilidade a combaterem a fome.

Sistema Integrado de Produção de Alimentos

Lançado em 2012, o Sistema Integrado de Produção de Alimentos é uma tecnologia social desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) que visa dar opção de alimentação para as comunidades rurais e periféricas [4].

Trata-se de uma tecnologia que utiliza a água e os subprodutos de um modelo de piscicultura intensiva (relativa à criação de peixes em tanques para alimentação) em pequenos espaços para organizar módulos que garantam a segurança alimentar em comunidades rurais — e até mesmo em áreas urbanas. Tal sistema de produção de alimentos vem sendo adotado por milhares de famílias, principalmente da região Nordeste, para evitar a fome. Segundo o zootecnista Luiz Carlos Guilherme, pesquisador da Embrapa Meio-Norte, no Piauí, que desenvolveu a tecnologia [4]:

“O objetivo principal é tirar as famílias da linha da pobreza, permitindo que tenham um aumento de até 300% na diversidade de alimentos para consumo próprio. […] o excedente e a sua comercialização podem vir como consequência”

De acordo com o pesquisador cerca de 4,5 mil famílias em mais de 10 estados brasileiros já adotam o pacote de tecnologia modular que é apropriado para áreas entre 100 e 1,5 mil metros quadrados. São 15 módulos propostos (ver Figura 2) que podem ser utilizados pelas famílias segundo seu interesse.

Figura 2. Infográfico do Sistema Integrado de Produção de Alimentos. Fonte [4]

A tecnologia já é adotada como política pública em cidades, assentamentos rurais e comunidades quilombolas e indígenas, e o investimento feito pelo Estado é de aproximadamente R$ 15 mil por família. Um terço desse valor é para custear as instalações necessárias como o tanque de peixes e outras estruturas; os dois terços restantes são divididos igualmente para o custeio no primeiro ano de rações e insumos e de assistência técnica, monitoramento e viagens. A partir dos seis ou sete meses, ela já começa a ter autonomia na produção de alimentos e se encarrega da ração dos animais.

Entre os vários reconhecimentos recebidos pela tecnologia, está o Prêmio Celso Furtado de Desenvolvimento Regional, concedido pelo Ministério da Integração Nacional em 2017.

Uso de Inteligência Artificial e tecnologia Mobile

Diante do contexto alarmante envolvendo a fome no mundo, há algumas soluções capazes de controlar o desperdício, acompanhar o crescimento de plantações e o desenvolvimento de pragas, bem como detectar sinais de escassez de alimentos no mundo.

O uso de Big Data e Machine Learning (Aprendizado de Máquina) está presente no Nutrition Early Warning System (Sistema de Alerta de Nutrição Precoce), sistema criado pelo Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT), organização de pesquisa e desenvolvimento sem fins lucrativos dedicada a reduzir a pobreza e a fome, na Colômbia. Trata-se de uma solução que busca detectar sinais precoces de escassez de alimentos, como quebra de safra, secas e aumento dos preços dos alimentos [5].

Em termos da saúde das produções agrícolas o aplicativo Guia InNat, solução desenvolvida pela unidade de Agrobiologia da Embrapa, ajuda a identificar os insetos que destroem as lavouras [5]. A ferramenta armazena fotos e pequenos textos, destacando as características dos insetos, do que se alimentam, além de informações sobre cada grupo de inimigos naturais e suas funções na natureza. A ideia é ajudar os agricultores a detectar rapidamente doenças e elaborar o melhor plano de ação.

Figura 3. Aplicativo Guia InNat. Fonte [6]

Startups

Em Outubro de 2019, o Vale do Silício, nos EUA, sediou um evento cujo foco foi a fome [7]. Ao longo de cinco dias, especialistas em inovação e desenvolvimento global trabalharam com startups em suas inovações propostas para combater a miséria, sob iniciativa do Programa Mundial de Alimentos da ONU. Dentre os vários projetos desenvolvidos duas startups se destacaram: H2Grow e Fenik.

A H2Grow, startup de agricultura hidropônica, desenvolveu uma plataforma para o cultivo de verduras e legumes em locais tecnicamente inviáveis para colheita, pois seu sistema não precisa de solo e usa 75% menos espaço e 90% menos água do que uma parcela de agricultura tradicional do mesmo tamanho. Atualmente opera em 8 países e teve sucesso no cultivo de alimentos até no Deserto do Saara. A hidroponia é uma técnica de cultivo sem solo que permite o crescimento de plantas em áreas áridas ou periurbanas (área que se localiza para além dos subúrbios de uma cidade). Ela usa menos água e menos espaço, enquanto produz safras em taxas de crescimento 100% mais rápidas do que a agricultura tradicional. A planta fica na solução nutritiva, geralmente em calhas especiais para esse cultivo, apoiadas em orifícios, onde recebem a solução nutritiva pelas raízes como mostra a Figura 4.

Figura 4. Ilustração da Hidroponia. Adaptado de [8]

A Fenik, startup de refrigeração, inventou o Yuma 60L, refrigerador cuja função é manter os alimentos frescos em locais sem eletricidade consistente. Tudo o que é necessário para funcionar e manter os alimentos frescos é a água, pois o sistema usa resfriamento evaporativo, um processo natural que remove o calor de uma superfície onde a evaporação está ocorrendo. Segundo a empresa, seu refrigerador permite que os alimentos durem de três a cinco vezes o tempo que durariam sem esfriar.

Figura 5. Guia para a utilização do Yuma 60L, que envolve a abertura (“OPEN”), a montagem (“ASSEMBLE”), preenchimento com água (“FILL”) e por fim a inserção do alimento (“FOOD”). Fonte [9]

Conclusão

Ao longo desta publicação foram vistas algumas tecnologias que estão sendo desenvolvidas para minar o problema da fome, desde inovações voltadas para o melhor desempenho da agricultura familiar até soluções que visam atender indivíduos em condições inapropriadas para manipulação de alimento, como em locais inférteis ou desprovido de eletricidade.

A tendência é que cada vez mais pessoas consigam se tornar autossuficientes, de forma que a qualidade alimentar e nutricional seja garantida a todos, o que se deve muito aos investimentos em pesquisa e aos esforços em utilizar a tecnologia para mitigar problemas sociais. A luta pelo combate à fome é grande, mas nota-se um futuro promissor para tal problema que compromete tantas vidas diariamente.

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Referências

[1] https://fianbrasil.org.br/entidades-propoem-medidas-para-garantir-o-direito-a-alimentacao-e-combater-a-fome-em-tempos-de-coronavirus/. Acessado em 22/02/2021.

[2]https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/acabar-com-fome-ate-2030-e-incerteza-alerta-relatorio-onu. Acessado em 21/02/2021.

[3] https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/09/17/fome-no-brasil-em-5-anos-cresce-em-3-milhoes-o-no-de-pessoas-em-situacao-de-inseguranca-alimentar-grave-diz-ibge.ghtml. Acessado em 23/02/2021.

[4]https://revistapesquisa.fapesp.br/sistema-contra-a-fome/. Acessado em 21/02/2021.

[5]https://www.portaldbo.com.br/inteligencia-artificial-no-combate-a-fome/#:~:text=Outro%20exemplo%20de%20tecnologia%20no,big%20data%20e%20machine%20learning.&text=A%20partir%20dos%20dados%20colhidos,e%20alarmar%20as%20crises%20iminentes. Acessado em 21/02/2021.

[6]https://ciorganicos.com.br/sustentabilidade/aplicativo-auxilia-na-identificacao-de-inimigos-naturais-de-pragas-agricolas/. Acessado em 23/02/2021.

[7]https://canaltech.com.br/inovacao/startups-propoem-inovacoes-tecnologicas-para-amenizar-a-situacao-da-fome-mundial-153365/. Acessado em 22/02/2021.

[8] https://lifestyle.r7.com/hidroponia-permite-cultivo-com-menos-agrotoxico-06032020. Acessado em 22/02/2021.

[9] https://www.designworldonline.com/fenik-coolers-dont-use-electricity-or-ice/. Acessado em 22/02/2021.

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