Vacinação — impacto em epidemias

Nesse texto, veremos como as curvas epidemiológicas são afetadas por vacinas

Destaques

  • Vacinação consegue reduzir o pico de infectados em uma epidemia;
  • Mesmo vacinas com eficácia média ainda são capazes de reduzir o pico de infectados;
  • Início da vacinação tem um efeito muito grande na propagação da doença;
  • É preferível começar a vacinação mais cedo com uma vacina de menor eficácia do que esperar uma outra de maior eficácia.

No dia 17 de janeiro de 2021, em São Paulo, foi aplicada a primeira dose da vacina CoronaVac [1], logo após sua aprovação pela Anvisa. Esse é um grande passo para vencermos a pandemia da Covid-19, entretanto, muitas pessoas acharam que sua eficácia de 50.4% é baixa. No texto de hoje, vamos analisar o impacto das vacinas em modelos epidemiológicos.

Modelos Epidemiológicos

Em um texto anterior, explicamos a importância dos modelos epidemiológicos: esses modelos matemáticos podem ajudar a prever como uma epidemia pode ser desenvolver, a quantos casos e mortes podem chegar, além do volume de recursos necessários. Vamos utilizar o modelo SIR (Suscetível, Infectado, Recuperado) como base para nossas análises.

Modelo SIR

Nesse modelo, as pessoas podem estar em 3 estados distintos: Suscetível (que pode ser infectado), Infectado (teve contato com o vírus e adquiriu a doença) e Recuperado (se recuperou da doença). Esse modelo, inicialmente, não considera o efeito da vacinação. Para isso, vamos adicionar um novo estado: Imunizado (a pessoa que tomou vacina e adquiriu imunidade). Um ponto importante a ser discutido aqui é que não há ainda conclusões sobre a imunidade adquirida após o contato com o vírus (que, no caso, seria o estado Recuperado), então todas as pessoas (Suscetíveis, Infectadas e Recuperadas) devem tomar a vacina. Um diagrama representando esse modelo está apresentado abaixo:

Figura 1 — Os 4 possíveis estados do Modelo SIR com Vacina.

Nesse modelo, vamos considerar a eficiência global da vacina, sem adicionar mortes e nascimentos. Para as simulações, usaremos uma população de 101 indivíduos ao todo, iniciando com 100 suscetíveis e apenas 1 infectado. Usando β = 0.3 (taxa de contágio) e γ = 0.1 (taxa de recuperação), obtemos as seguintes curvas:

Figura 2 — Modelo SIR sem vacinação.

Onde S representa o número de indivíduos suscetíveis, I, o número de indivíduos infectados e R, o número de indivíduos recuperados da doença. Podemos observar que há um pico de quase 30 indivíduos infectados (curva vermelha) durante esse período. Vamos usar esse pico para comparar com as outras simulações.

Adicionando Vacinação

Agora vamos adicionar uma nova taxa, a taxa de vacinação v. Para a primeira simulação, vamos considerar v = 0.02, uma taxa bem menor que a taxa de contaminação (β) e de recuperação (γ). Vamos considerar uma eficiência de 100% nessa vacinação e visualizar como fica a simulação com essa mudança:

Figura 3 — Modelo SIR com Vacinação. Eficiência global de 100%.

Agora temos uma nova curva verde, esta representa o número de pessoas vacinadas. Nota-se que, nessa simulação, estariam sendo vacinados todos os indivíduos, até mesmo os infectados e os recuperados, sendo isto, inclusive, o recomendado [2]. Vamos analisar a curva vermelha (infectados): o pico agora é próximo de 10, bem menor do que no modelo sem vacinação. No entanto, aqui consideramos uma eficiência global de 100%, algo bem difícil de se obter. O que aconteceria se a eficiência global fosse menor?

Com base nisso, podemos utilizar a eficiência da CoronaVac (50.4%) para a simulação. O resultado é o seguinte:

Figura 4 — Modelo SIR com Vacinação. Eficiência global de 50.4%.

Nessa simulação, vemos que, apesar de ser uma vacina de menor eficiência, consegue ainda reduzir o número de infectados: o pico de infectados foi inferior a 20 casos. Agora vamos usar a eficiência global de outra vacina: a AstraZeneca, com sua eficácia global de 70.4%. O resultado segue abaixo:

Figura 5 — Modelo SIR com Vacinação. Eficiência global de 70.4%.

O pico, nesse caso, foi um pouco superior a 10 casos, mostrando novamente que a vacina não precisa possuir uma eficiência de 100% para reduzir, consideravelmente, o número de casos. Baseado nesses resultados, o leitor pode ficar com a seguinte dúvida: para que utilizar uma vacina de eficiência de 50.4% se há uma de 70.4%? Veremos agora a resposta.

Inicio da Vacinação

Nas nossas análises, a vacinação iniciou-se com a doença já instalada. Esse cenário é pouco provável que ocorra na prática, então uma análise que faremos agora é adicionando um atraso no início da vacinação. Duas simulações serão feitas: atraso de 10 unidades de tempo para a vacina de 50.4% e atraso de 15 unidades de tempo para a vacina de 70.4%. Vamos para a primeira:

Figura 6 — Modelo SIR com Vacinação. Eficiência global de 50.4% e atraso de 10 unidades.

Aqui vemos o atraso de 10 unidades na curva verde, ela inicia com valor igual a 0 e começa a subir só no instante 10. Vemos que esse atraso reduz o pico para um pouco acima de 20 casos, comparando com os 30 sem vacinação, mas esse pico é maior do que a vacinação sem atraso. Vemos então a importância de se começar o mais cedo possível a vacinação. Vamos para a segunda simulação:

Figura 7— Modelo SIR com Vacinação. Eficiência global de 70.4% e atraso de 15 unidades.

Novamente, aqui vemos o atraso agora de 15 unidades de tempo, pela curva verde, mas com uma vacina de maior eficácia. Vemos que o pico se comportou de forma semelhante ao caso anterior. Vamos comparar a curva de infectados dessas duas últimas simulações:

Figura 8 — Comparativo entre as curvas de infectados das 2 últimas simulações.

Percebe-se então que as duas curvas são muito semelhantes, mesmo com uma diferença de 20% de eficácia! Isso mostra que a vacinação deve começar o mais cedo possível, apesar da vacina ser de menor eficácia.

No texto de hoje, estudamos um pouco a influência da vacinação. Usando o modelo SIR, vimos que a vacinação, ainda que em vacinas com menor eficácia, reduz significativamente o pico de infectados numa epidemia, e esse efeito é maior quanto mais cedo se inicia a vacinação. Utilizamos a eficiência de duas vacinas nas simulações: a CoronaVac e a AstraZeneca.

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Referências

[1] Logo após aprovação da Anvisa, governo de SP aplica em enfermeira a 1ª dose de vacina contra Covid-19 no Brasil | São Paulo | G1 (globo.com)

[2] Quem já teve Covid-19 precisará tomar vacina? (cnnbrasil.com.br)

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