Ventiladores pulmonares além do trivial

Veja um pouco mais afundo como funcionam os tão famosos ventiladores pulmonares e iniciativas nacionais para diminuir seu custo na pandemia

INSPIRE. Fonte: Projeto INSPIRE

Destaques

- Ventiladores pulmonares são dispositivos médico-hospitalares usados no tratamento de pacientes com insuficiência respiratória

- São essenciais para reduzir a mortalidade da Covid-19, já que nos casos graves a doença compromete o sistema respiratório

- Podem ser invasivos ou não invasivos, os dois tipos já foram explorados no Brasil durante a pandemia da Covid-19

- Não funcionam de forma exatamente igual à nossa respiração espontânea

- Podem funcionar de forma 100% controlada: as transições entre fases inspiratória e expiratória são feitas em tempos estabelecidos

- Podem funcionar de forma assistido-controlada: paciente faz um pequeno esforço respiratório

- Além do INSPIRE, iniciativa da POLI-USP, outras diversas iniciativas surgiram pelo Brasil para o desenvolvimento de ventiladores pulmonares

- O Elmo é um capacete de suporte ventilatório não invasivo desenvolvido no Ceará

O que são

Ventiladores pulmonares (ou ventiladores mecânicos) são dispositivos médico-hospitalares usados no tratamento de pacientes com insuficiência respiratória. Eles oferecem suporte ventilatório deslocando artificialmente o ar para o interior dos pulmões, dessa forma facilitando as trocas gasosas necessárias para o correto funcionamento do organismo e aliviando o trabalho da musculatura envolvida nos processos de inspiração e expiração, tudo isso com um controle preciso, na maioria dos casos, de parâmetros como frequência respiratória e pressão máxima inspiratória e expiratória.

Quando são usados

O suporte ventilatório pode ser aplicado em diferentes situações, nos casos mais leves ele é não invasivo, onde uma máscara é usada para aplicar uma pressão positiva nas vias aéreas, o que causa a entrada do ar para os pulmões. Já nos casos mais graves, nos quais não se consegue respirar sozinho, o suporte é invasivo, nestes casos um tubo é introduzido no nariz, na boca ou em uma cânula na garganta, oferecendo acesso direto ao pulmão do paciente. O tipo invasivo de suporte é uma medida mais drástica e, no geral, é evitada pela equipe médica, já que pode causar complicações como atrofia do diafragma, lesão das vias aéreas e pneumonia.

Importância na pandemia

Os ventiladores pulmonares têm ganhado fama com a pandemia da Covid-19, eles vêm tendo cada vez mais espaço na mídia. Esse é o caso do INSPIRE, um ventilador pulmonar de baixo custo criado por pesquisadores da Escola Politécnica da USP. Mas essa fama repentina não veio por acaso, esses dispositivos são essenciais para o tratamento de pacientes que evoluem para o quadro grave da Covid-19, os quais têm sua capacidade respiratória prejudicada pela doença e não conseguem respirar espontaneamente de forma eficiente. Além disso, a alta taxa de transmissão da Covid-19 fez com que a demanda por ventiladores pulmonares explodisse em 2020, dessa forma, iniciativas como o INSPIRE foram importantes no mundo todo para criar alternativas mais baratas de equipamentos de altíssimo custo. Mas, afinal, o que faz de um ventilador pulmonar algo tão caro? Nos próximos parágrafos vamos dissecar e analisar o seu funcionamento de diferentes pontos de vista.

Como funcionam

Em linhas gerais, a função do ventilador pulmonar é garantir que uma pessoa com algum tipo de insuficiência respiratória mantenha um fluxo de ar entrando e saindo do seu pulmão, de acordo com o que aconteceria caso estivesse respirando espontaneamente. Os equipamentos que promovem o suporte respiratório são construídos de forma a mimetizar o modo como o sistema respiratório humano geralmente funciona, mas isso não é uma tarefa simples. Como tudo no corpo humano, o controle do sistema respiratório funciona de forma analógica (i.e. de forma contínua, sem estados muito bem definidos) e bastante complexa, o que dificulta a tarefa de reproduzí-lo de forma artificial, já que para isso precisamos de estados bem definidos.

Na figura abaixo você pode ver a comparação entre o fluxo de ar nos pulmões durante a respiração espontânea e durante a Ventilação Mecânica (VM):

Fluxo de ar. Fonte: Ventilação mecânica: princípios, análise gráfica e modalidades ventilatórias

Na ventilação espontânea (primeiro gráfico), a curva do fluxo de ar no pulmão em função do tempo tem valores pouco definidos, é difícil determinar um limiar exato de transição entre duas fases diferentes da respiração, especialmente se você considerar que um ciclo inspiração-expiração dificilmente é igual a outro, ninguém leva exatamente o mesmo tempo para inspirar em todas as inspirações ao longo do dia. No segundo gráfico, no qual vemos a curva do fluxo de ar no pulmão em função do tempo para o caso da ventilação controlada, os valores e estágios da respiração são bem mais definidos, isso acontece exatamente porque não é conveniente copiar exatamente o que acontece na ventilação espontânea. Veja abaixo como essa curva se relaciona com o ciclo ventilatório:

Fases do ciclo respiratório. Fonte: Ventilação mecânica: princípios, análise gráfica e modalidades ventilatórias
  1. Fase inspiratória: fluxo de ar para dentro dos pulmões
  2. Mudança de fase (ciclagem): transição entre fases inspiratória e expiratória
  3. Fase expiratória: fluxo de ar para fora dos pulmões
  4. Mudança de fase (disparo): transição entre fases expiratória e inspiratória

Dessa forma os gatilhos que levam às mudanças de fase são bem definidos, eles podem ser o tempo de inspiração (TI) e tempo de expiração (TE), ou um determinado valor de pressão ou fluxo detectado pelos sensores do dispositivo, existem diversas formas de controlar o acionamento de cada ciclo/fase, isso depende do modo de operação do dispositivo.

Quando os disparos do ventilador são acionados pelo tempo, o modo de operação é dito controlado. Já quando eles são acionados de acordo com a pressão ou o fluxo detectados nos sensores, o modo de operação é assistido-controlado, nesse caso ainda existe um pequeno esforço respiratório do paciente para dar início ao ciclo respiratório. A partir do disparo a ventilação ocorre por volume controlado ou pressão controlada, sendo que essas variáveis estabelecidas pela equipe médica determinam os limites do resto do ciclo e quando ocorrerá a ciclagem (passagem da fase inspiratória para a expiratória).

INSPIRE

Os aspectos construtivos de cada ventilador pulmonar variam bastante de acordo com o fabricante e a faixa de preço. Nas iniciativas que surgiram por demanda da pandemia da Covid-19 o mais comum são dispositivos que automatizam um ressuscitador manual (também conhecido como AMBU).

AMBU. Fonte: TECNOMEDI

O INSPIRE, por exemplo, utiliza esse método. O projeto mecânico do INSPIRE é composto por duas partes: a bomba e o gabinete. A bomba é o dispositivo mecânico que pressiona o ressuscitador manual gerando o fluxo de ar usado no suporte respiratório. O gabinete é onde ficam os demais elementos do equipamento, como sensores, atuadores e acessórios. Veja como ele é por dentro:

Outras iniciativas

Além do INSPIRE, essa revisão narrativa feita por pesquisadores de diversas universidades nordestinas encontrou outras 19 iniciativas envolvendo desenvolvimento de dispositivos para suporte respiratório no contexto da pandemia da Covid-19 aqui no Brasil.

O Elmo, por exemplo, é uma dessas iniciativas. Foi desenvolvido no Ceará, numa parceria envolvendo o governo, universidades, fundações e a indústria. A proposta do Elmo é ser um equipamento de baixo custo para suporte ventilatório não invasivo:

Elmo. Fonte: Governo do Estado do Ceará

Outra iniciativa é o Eolo, desenvolvido por profissionais de Vitória da Conquista-BA, em resposta a um desafio internacional lançado pelo Hospital Geral de Montreal, no Canadá:

Por fim

Iniciativas como o INSPIRE, o Elmo e o Eolo mostram a capacidade que o Brasil tem de produzir e aplicar ciência para responder aos desafios enfrentados pela sociedade, e isso em todas as regiões do país, nessa revisão narrativa você pode encontrar projetos como esses desenvolvidos de Norte a Sul. Divulgue e prestigie esse tipo de iniciativa, isso é fundamental para que elas continuem aparecendo.

Esse texto é apenas um recorte de um assunto bem mais amplo, você pode se aprofundar no funcionamento de ventiladores pulmonares em geral, no funcionamento do INSPIRE ou dos outros projetos nos links das referências.

Referências

--

--