#3 — A Distribuição de Papéis

Jairo B. Filho
Diário de um Game Designer
4 min readFeb 7, 2018

Bem… a partir do que coloquei nos artigos anteriores — sobre a Experiência e o papel da Diversão em jogos narrativos, sigo adiante este singelo diário entrando no processo de modelagem do projeto. O processo que equivaleria à segunda das bem conhecidas Três Perguntas:

“Como Ele Permite Que Isso Aconteça”?

Se você já tem a experiência que você deseja transmitir bastante clara, assim como o seu teor (entre fruição, ou diversão), é hora de delimitar mais detalhes de seu jogo — a começar pelos Papéis que o constituem.

“Ora, Jairo… se é um RPG, é lógico que deve haver papéis nele, certo?”

Você está certo, caro leitor. Ainda que eu prefira o termo “Jogos Narrativos” para definir nosso hobby, a essência dele ainda está na sigla “RPG” — Role-Playing Game, ou “Jogo de Interpretação de Papéis”. Mas, ao mencionar isto, você provavelmente pensou em papéis para os jogadores criarem e adotarem: os “Personagens”, correto?

Quando eu me refiro a definir os Papéis, quis dizer que dois pontos precisam ser colocados: os Personagens, e o Plot. E vamos explorar cada um destes pontos.

“É Hora de Agir!”

Ao escrever seu jogo, comece sempre pelo que os jogadores podem fazer, sobre como eles podem ou não interagir em suas linhas. Não pense nisso de forma definitiva, contudo: delimite isso de forma resumida e, principalmente, comportamental (deixe o contexto de restrições e ações quando entrar, de fato, no campo das Regras, que buscarei explorar mais adiante).

Você pode fazer isso atribuindo um objetivo comum a todos eles, algo que pode instigá-los à união, por mais breve que seja.

Em Mouse Guard, os jogadores atuam como membros da secular Guarda — organização responsável pela proteção dos Territórios construídos pelos Ratos.

Você pode também colocá-los em um lugar-comum, os unindo em um ponto mais profundo que apenas o cumprimento de um objetivo.

No jogo Caçada ao Colosso, os jogadores se unem para constituir, juntos, o papel de Herói — eles interpretarão suas Facetas para enfrentar o grande perigo de seu mundo.

Você também não precisa focar na união dos jogadores, e sim em sua individualidade. Em seus próprios conflitos, ocasionando também nas intrigas e contendas que podem, sim, resultar em histórias muito interessantes.

Em Vampiro: a Máscara, os jogadores assumem o papel de Vampiros, divididos entre disputas e intrigas com seus semelhantes e seus próprios problemas pessoais, representdos pela Besta.

“O Mundo Precisa de Você!”

Aqui você pode notar um processo interessante, caro leitor: enqunto você pensa nos papéis atribuídos aos jogadores, o mundo acaba se desenhando em volta deles. Seja pelas necessidades que o mundo apresenta em relação aos heróis, seja pelas brechas onde os protagonistas se adaptam para construir e executar seus planos, o plot toma forma em volta deles. Cabe a você apenas dilapidar um pouco mais este cenário, se assim desejar.

No aclamado Apocalypse World, o cenário é uma terra devastada por um miterioso evento, o Psychic Maelstrom. E ninguém sabe a respeito dele, do que realmente aconteceu (cabe aos Mestres essa responsabilidade).

No entanto, se você deseja trabalhar mais em seu cenário, precisa tomar dois cuidados essenciais. O primeiro deles é não trabalhar demais nele (deixando, assim, lacunas para que os jogadores possam trabalhar).

Lenda dos Cinco Anéis: cenário muito rico, mas com pouquíssimas brechas de ação (e você as encontra somente com uma pesquisa minuciosa no Wikia do jogo!)

O segundo ponto é um tanto óbvio, mas que julgo válido sempre lembrar: ponha os Personagens no centro desse cenário. Independente de qual seja o seu papel, trabalhe num contexto em que os holofotes não saiam deles, nem por um instante. Se o jogo trabalha criando uma história, não faz sentido que seus protagonistas fiquem de fora da ação, correto?

Em Este Corpo Mortal, os Personagens lidarão com Magia. Esta é a única certeza, já que o grupo desenvolve o cenário antes de jogar.

Um Terceiro Ponto…?

Sim, é verdade. Um terceiro ponto poderia ser colocado aqui, no que toca à concepção e distribuição de papéis — o Foco Narrativo. Mas não é algo que pretendo abordar agora, porque significa cair de cabeça no planejamento do jogo.

Então, por ora, eu digo a vocês que o desenho dos Papéis propostos pelo jogo é algo fundamental: para os jogadores que estão vão conhecer um jogo, é comum que tomem isso como seu “cartão de visitas”, uma prévia do que verão ao jogá-lo. É pelos papéis que a experiência, bem como seu tom, são apresentados. Lembrem-se disso quando escrever um cenário, ou jogo… ou, quem sabe, quando se depararem com um também.

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Jairo B. Filho
Diário de um Game Designer

Game Designer independente, fundador do selo Jogos à Lá Carte e entusiasta de pesquisas e boas conversas.