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{do meu caderno de campo}

Bruna Coelho
{do meu caderno de campo}
2 min readAug 1, 2020

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Uma das coisas que tenho aprendido na caminhada em pesquisa é sobre a importância do caderno de campo como instrumento de coleta de dados. E o que eu mais gosto nele é a encantadora função de registrar e catalogar o presente. Como um instantâneo do cotidiano da pesquisa.

Porém eu descobri nele mais que um lugar onde anoto dados ou o andamento daquilo que faço. Ao longo do tempo entendi o quanto é útil para registrar as inquietações despertadas em mim pelo campo de pesquisa.

Em algum momento algumas dessas inquietações tornam-se material de pesquisa porque se ancoram em teorias. Mas há aqueles momentos quando se revelam extremamente pessoais, quando se revelam um retrato de mim. São palavras para além do campo de pesquisa. São sobre a minha vida, e na maioria das vezes elas estão escondidas nas notas de campo, nas bordas do papel.

Mas eu tenho descoberto algo novo. Essas notas não cabem neste caderno, como não cabem no meu caderno de devocional, como não cabem em nenhum caderno que eu tenha e use. Eles são limitados para dar contas das palavras que nem mesmo eu consigo pegar, embora nem por isso tenha deixado de tentar.

Por isso sabia que a mudança de cidade devido à pandemia encheria meus cadernos de palavras. Eu sabia que veria a mim mesma em muito daquilo que escreveria; eu sabia que veria cada parte de mim melhor do que jamais vi, do bom e do ruim, do que gosto e do que não gosto. Eu sabia que nasceria um eu lírico disso tudo.

Eu sabia que isso me faria ver uma mostra da sociedade brasileira em tamanho compacto e palpável em vários de seus aspectos na tessitura do meu próprio cotidiano familiar. Eu sabia que isso mexeria comigo de várias formas.

Talvez por isso as palavras deixaram o limite do meu caderno de campo, agora elas me cercam em cada nota que escrevo, em cada rua que transito, em cada estrada onde caminho, em cada rosto que encontro, em cada voz que escuto. Porque a realidade não cabe em notas de papel.

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Bruna Coelho
{do meu caderno de campo}

Sou carne, osso, pele e gordura | Sou sonhos, desejos, medo e ternura.