Além do sangue: doar para fazer viver

Em 2002, o diagnóstico de leucemia fez com que Janaina precisasse de um transplante de medula óssea. A irmã, Tayná, foi a doadora

ana
doareviver
5 min readMay 29, 2020

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Janaina [direita] e a irmã, Tayná [esquerda], no quarto onde ficou internada / Foto: Arquivo Pessoal

Dia 26 de maio de 2020. A voz de um menino travesso ecoa pela casa enquanto Janaina de Souza da Silva extrai da memória as lembranças de quando, no auge dos seus 12 anos, foi salva pela irmã mais nova por intermédio de um dos gestos mais simples que existem, segundo ela. Após o diagnóstico de leucemia, doença em que os glóbulos brancos perdem a função de defesa e passam a se produzir de maneira descontrolada, o transplante de medula óssea se estabeleceu como a melhor entre as opções de tratamento.

Na época, Janaina só percebeu a dimensão do que estava acontecendo com o próprio corpo ao observar os pais, que demonstravam, além de susto, imensa preocupação. “Eu não senti muito impacto, porque ainda era muito criança. Tinha entre 10 e 11 anos quando recebi o diagnóstico. É uma fase muito infantil ainda. Mas o que mais eu senti foi a reação dos meus familiares”, explica a auxiliar administrativa. De imediato, toda família realizou a testagem de compatibilidade para avaliar a possibilidade de um transplante. A irmã do meio, Tayná, apresentou o melhor resultado.

Meses antecederam o procedimento. Janaina fez diversos exames e realizou tratamentos com outros medicamentos, enquanto o transplante não ocorria. Neste período, Tayná de Souza da Silva já estava determinada a ajudar a irmã. “Eu tinha apenas 10 anos de idade, mas já tinha ideia da minha missão para com a minha irmã mais velha. E de pronto abracei a causa com amor”, ressalta a doadora, que atualmente exerce a advocacia.

O Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), popularmente conhecido por Clínicas, é uma instituição pública e universitária, ligada ao Ministério da Educação e à Universidade Federal do Rio Grande do Sul / Foto: CCom-HCPA

Naquele tempo, conforme conta Janaina, poucos lugares da região realizavam o procedimento cirúrgico. A família tubaronense precisou se deslocar para Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, diversas vezes, onde tanto o tratamento de Janaina quanto o procedimento de doação foram realizados. Em 2002, no dia marcado para o transplante, Tayná, atualmente com 28 anos, foi a primeira a dar entrada no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) para a retirada da medula que, mais tarde, daria início à cura da irmã. “O procedimento foi bem tranquilo. Eu tive todo o amparo dos médicos e apoio da família. Minha família foi orientada de todos os riscos e cuidados necessários antes e após o transplante”, conta a doadora.

Algumas horas depois, Tayná já estava no apartamento que a família alugou nas proximidades do hospital. Mesmo com o tratamento garantido pelo sistema público de saúde brasileiro e a possibilidade de se instalar em um albergue para pacientes da cidade, os pais das meninas decidiram por investir em um lugar mais privado. Ainda assim, os demais custos foram cobertos pelo SUS. Depois de alguns dias internada, Janaina também recebeu alta. “Eu fiquei morando perto do hospital durante três meses, porque eu teria que ficar próxima do hospital caso acontecesse alguma coisa”, relembra a receptora, hoje com 30 anos.

Após o transplante, em decorrência da baixa imunidade, Janaina precisou voltar para o hospital por alguns dias. Uma pneumonia, doença inflamatória aguda que compromete os espaços aéreos dos pulmões, colocou em risco a efetividade do procedimento e fez com que a menina precisasse de cuidados intensivos. A recuperação, no entanto, foi rápida. Três meses depois a família voltou para Tubarão e as idas para Porto Alegre se tornaram quinzenais. No retorno, Janaina reencontrou desejos simples, comuns para uma menina de 12 anos. “Após a alta do transplante, eu estava muito ansiosa, porque eu queria ter a minha vida normal de volta. O mais difícil foi a parte da internação. Eu não queria. Eu queria ficar em casa, brincar, ficar com as minhas irmãs”.

Procedimento de doação de medula óssea / Foto: Reprodução

Mais do que sangue: os frutos da doação

O menino travesso e repleto de energia citado no início da reportagem é um dos resultados do ato de generosidade da irmã, como ressalta Janaina. O transplante lhe deu outra grande alegria: ser mãe. “Eu sou imensamente grata a ela por ela ter salvado a minha vida, pois é por isso que hoje estou aqui com a minha família e com o meu filhinho”, diz a receptora com alegria. Depois do transplante, o sangue de Janaina também passou a ser o mesmo da irmã, transitando do O+ para o A+.

18 anos após o transplante, Janaina carrega apenas a lembrança do ato corajoso da irmã e, também, da família. Na época, o pai e a mãe foram advertidos sobre as chances que Janaina tinha e precisaram tomar a decisão de, não só permitir o transplante, mas também a doação de Tayná. “Os médicos deixaram bem claro pra minha família que eu poderia fazer o tratamento e viver cinco anos só fazendo o tratamento, normal. Mas, poderia ser que após esses cinco anos, a doença voltasse mais agressiva e eu não resistisse. Com o transplante, eu teria uma garantia. Agora só existe 1% de chance da doença voltar”, revela.

Hoje, curada, Janaina faz o apelo para que outras pessoas sejam doadoras. “Eu não posso ser doadora por ter recibido o transplante, mas quem puder que faça, porque é um gesto divino”, aconselha. Tayná, que segue cadastrada para novas doações, ressalta: “é um ato nobre que pode salvar vidas. Poder salvar a vida de alguém é algo inexplicável. A sensação de amor e de ser abençoada é muito gratificante. Deus nos deu essa possibilidade de doar, então eu penso que devemos aproveitar e fazer o bem”, finaliza a doadora em tom alegre.

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