“Guerras do Brasil.doc”

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3 min readJan 28, 2021

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Ailton Krenak em “Guerras do Brasil.doc”, de direção de Luiz Bolognesi

Um dia navegando pelo Netflix me deparei com “Guerras do Brasil.doc”, de direção de Luiz Bolognesi, roteiro dividido com Felipe Milanez, e produção partilhada com Laís Bodanzky. E ilustrações de Mauricio Negro.

“Guerras do brasil.doc” é uma série documental dividida em 5 episódios:As guerras de conquista”, “As guerras de Palmares”, “A guerra do Paraguai”, “A revolução de 1930” e a “Universidade do Crime”. Narrada por depoimentos de pesquisadores, filósofos, antropólogos, historiadores, artistas, essa produção me guiou em uma viagem de ressignificação. E o que mais me chamou a atenção, e estou falando hoje somente sobre o primeiro episódio, foi a fala do filósofo e historiador indígena Ailton Krenak, autor dos livros “Ideias para adiar o fim do mundo” e “A vida não é útil”. Ele conduz parte do episódio “As Guerras de conquista” com essas falas, em livre transcrição feita por mim:

“O Brasil não existiu. O Brasil é uma invenção. E a invenção do Brasil, ela nasce exatamente da invasão feita inicialmente pelos portugueses, depois continuada pelos holandeses, depois continuada pelos franceses, num modo sem parar onde as invasões nunca tiveram fim. Nós estamos sendo invadidos agora. […] Tinha gente aqui com história, alguns desses povos com história de 2mil anos. E, hoje, se atesta que tinham 4 mil anos, digamos assim, de compreensão de si como povos, […]. E se, os brancos tivessem educação, eles podiam ter continuado vivendo aqui no meio daqueles povos e produzido um outro tipo de experiência mas eles chegaram aqui com a má intenção de assaltar essa terra e escravizar o povo que vivia aqui. E foi o que deu errado. Então, eu digo isso, a qualquer pessoa que esteja me ouvindo falar, que se você se sente parte dessa continuidade colonialista que chegou aqui, você é um ladrão, e seu avô foi, o seu bisavô foi.

O mito de origem do Brasil é aquela descoberta, com as caravelas, aquela missa em Monte Pascoal. É um mito de origem, gente. Nós somos adultos, a gente não precisa ficar embalado com essa história, a gente pode buscar entender a nossa história com as diferentes, digamos matizes, que ela tem. E, ser capaz de entender que não teve um evento fundador do Brasil. Quando os europeus chegaram aqui eles podiam ter todos morridos de inanição, de escorbuto, ou qualquer outra pereba nesse litoral se essa gente não tivesse acolhido eles, ensinado eles a andar aqui e dado comida pra eles. Porque os caras não sabiam nem pegar caju, eles não sabiam alias que caju era comida. Eles chegaram aqui famélicos, e o Darcy Ribeiro diz que eles fediam. Quer dizer, baixou uma turma na nossa praia que estava simplesmente podre, a gente podia ter matado eles afogados […] E a falsificação ideológica que sugere que nós temos paz, é pra gente continuar mantendo a coisa funcionando. Não tem paz em lugar nenhum. É guerra em todos os lugares, o tempo todo.”

Krenak escreveu seu livro “A vida não é útil” em meio a pandemia. E em uma matéria publicada na Folha de São Paulo (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/08/para-krenak-pandemia-nos-forca-a-decidir-sobre-nossa-extincao.shtml), a jornalista e escritora Marcella Franco fala sobre o livro e o autor, e segundo ela, “Krenak aponta que o vírus serve também para lembrar a humanidade de sua arrogância” e que “[…] a pandemia não é uma situação-limite, e sim um ajuste de foco para decidirmos se apertamos ou não o botão da autoextinção.”

Eu acredito que o conhecimento e a busca pela nossa história, em uma tentativa de superar o etnocídio, o genocídio e o etnocentrismo praticados e que também praticamos, podem ser um caminho de descoberta do que somos, da nossa essência e do olhar não superior ao outro. Um olhar menos opressor.

Mas e aí, quem está disposto?

*Escrito por Cíntia Ferreira, graduanda em Arte Visuais pela UERJ, pós-graduada em Fotografia e Imagem pela IUPERJ -UCAM e membro da Sociedade Fluminense de Fotografia. Também criadora do blog https://medium.com/@amulherdepreto

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