A VIOLÊNCIA E AS VÍTIMAS DO DAESH EM MOÇAMBIQUE

Desde 2017 que a província de Cabo Delgado no Norte de Moçambique se debate com uma crescente violência armada ligada ao DAESH, provocando uma crise humanitária que já resultou em 2000 mortes e 500 000 pessoas deslocadas. Cabo Delgado reúne as condições económicas, sociais e religiosas para o surgimento dos Insurgentes responsáveis pelos ataques.

Mariana Morais
documentar a urgência
4 min readDec 10, 2020

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— Em Junho, um ataque muito violento perto de uma zona de exploração de gás culminou em várias vítimas das forças de segurança. Em Agosto, o DAESH chegou a controlar o porto de Mocímboa da Praia, mostrando nas suas redes de comunicação imagens do local, de agentes das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique mortos, e de armas e munições capturadas. Em Setembro, reivindicaram mais um ataque armado a um posto militar no qual morreram pelo menos 10 pessoas.

Foto de MARCO LONGARI.

— Outro ataque, do início de Novembro, a uma cidade de 30 000 habitantes marcou um avanço nesta estratégia de terror. Numa das aldeias atacadas, Muatide, mais de 50 pessoas foram decapitadas num campo de futebol. Noutras aldeias relatos incluíam crianças com menos de 15 anos decapitadas. No distrito de Muidumbe, o relato, feito pelos jornalistas que se viram obrigados a fugir para as matas, é de muitos corpos abandonados e crianças sozinhas, perdidas no campo. O controlo do distrito só foi recuperado pelas forças de segurança moçambicanas ao final de duas semanas.

— Só em Agosto, o Governo Moçambicano admitiu pela primeira vez a gravidade da situação, tendo entretanto pedido apoio internacional quer para o combate militar, quer para programas de apoio ao desenvolvimento para reduzir a vulnerabilidade das populações que se juntam aos insurgentes. Em Novembro, as polícias da Tanzânia e Moçambique anunciaram operações conjuntas contra os rebeldes que atacam Cabo Delgado e que têm atravessado a fronteira para território tanzaniano.

Foto de MARCO LONGARI.

— São cerca de 500 000 as pessoas que se viram obrigadas a fugir ao longo destes 3 anos, apesar dos números oficiais do governo falarem em 37 000. 56% são crianças, 25% jovens adultas e 19% rapazes. Há mais homens que mulheres a serem assassinados e muitos rapazes são raptados para, supõe-se, que lhes seja incutido o radicalismo e se tornem a próxima geração de insurgentes.

— Não existe uma instituição que recolha estas pessoas ou que as evacue dos locais de conflito. Fogem com os seus próprios meios, a pé, depois de dias sem comer e sem beber, a dormir ao relento no mato. Outras fogem de barco, tendo no início de Novembro, ocorrido um naufrágio que matou mais de 40 pessoas, a maioria crianças. Grande parte dos deslocados concentra-se em Nampula, Pemba, Niassa, Zambézia, Sofala, Ihambane e no Sul de Cabo Delgado.

Foto de MARCO LONGARI.

— A assistência humanitária só chega a 28 000 pessoas, sendo garantida pelo Centro Nacional Operativo de Emergência ativado pelo Governo e pelo Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas (PAM). Consiste numa cesta básica mensal de 2 quilos de feijão, 10 quilos de arroz e um litro de óleo por pessoa.

— Em Nampula, algumas pessoas são acolhidas por famílias na cidade, em casas muito precárias onde chegam a ser 50 ou 60. A estas pessoas a ajuda humanitária não chega. Outras ficam no Centro de Reassentamento Definitivo de Corane, uma antiga produção de algodão que foi dividida em lotes de 20 por 30 metros onde instalaram 230 tendas que alojam 5 pessoas cada.

— Apesar de tudo, este é um porto seguro para pessoas que assistiram à morte violenta dos seus familiares. Há muitas pessoas a não conseguir dormir e muitas crianças separadas das suas famílias, sem qualquer tipo de apoio.

Foto de MARCO LONGARI.

“Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada. (…) Andam bambolentos como se caminhar fosse seu único serviço desde que nasceram. Vão para lá de nenhuma parte, dando o vindo por não ido, à espera do adiante. Fogem da guerra, dessa guerra que contaminara toda a sua terra. Vão na ilusão de, mais além, haver um refúgio tranquilo.”
Mia Couto, Terra Sonâmbula

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