O DESASTRE HUMANITÁRIO NA ETIÓPIA

Ana Ferreira
documentar a urgência
4 min readFeb 15, 2021
Fotografia de Marwan Ali/AP Photo.

— O primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed Ali, que venceu o Nobel da Paz em 2019 “pelos seus esforços para alcançar a paz e cooperação internacional, e pela sua iniciativa decisiva para resolver o conflito fronteiriço com a Eritreia”, lançou uma ofensiva contra a Frente de Libertação do Povo Tigré (TPLF). A TPLF lidera essa região separatista do norte da Etiópia, onde vivem 6% dos mais de 100 milhões de habitantes do país, e está a desafiar a autoridade do Governo Federal há longos meses.

— As tensões entre o partido regional TPLF e o governo tinham-se vindo a intensificar no seguimento do adiamento indefinido das eleições nacionais e regionais, devido à pandemia da COVID-19. O TPLF acusou o Governo central de ser mandatário e ilegítimo e em setembro organizou as suas próprias eleições.

— No dia 4 de novembro, foi anunciada uma ofensiva contra o TFLP responsável pelo governo de Tigré, em resposta a um ataque a uma base militar federal perto de Mekele, atribuída pelo primeiro-ministro à TPLF (que nega envolvimento no ataque). O conflito escalou e internacionalizou-se quando as autoridades Tigrés dispararam foguetes contra a capital da Eritreia, acusando este país vizinho de auxílio ao exército federal etíope. No final de novembro, as forças federais etíopes capturaram a capital da província Tigré, Mekele, mas o TPLF continua a lutar, não parecendo assim haver fim à vista destes confrontos.

— Tigré é uma região marcada pela vulnerabilidade, tendo sido afetada por vários desastres humanitários que resultaram numa grande concentração de refugiados e deslocados internos. Há milhares de eritreus refugiados em Tigré que necessitam de proteção e assistência. Muito antes da crise atual, os campos de refugiados existentes no norte árido de Tigré estavam já superlotados e com falta de comida e água. A ajuda humanitária é urgente e essencial, mas tem sido seriamente comprometida com o escalar das tensões.

Fotografia de Marwan Ali/AP Photo.

— As comunicações telefónicas, a internet, os serviços bancários, de saúde, de água, de transporte e o acesso a bens de primeira necessidade e a medicamentos foram interrompidos e as restrições e viagens para Tigré impedem o apoio a 2,3 milhões de crianças, muitas delas menores desacompanhados, e a cerca de 200 mil deslocados internos da Eritreia, que fogem à perseguição do Presidente Isaias Afwerki.

— Os hospitais e centros de cuidados de saúde primários nas zonas de conflito ativo, e em redor destas, além de se verem a braços com a pandemia da COVID-19, precisam cada vez mais de material médico e apoio para cuidar dos feridos, bem como de camas, colchões, cobertores e lençóis hospitalares, reporta o Comité Internacional da Cruz Vermelha (ICRC). No início de Novembro, todos os trabalhadores humanitários foram afastados e impedidos de prestar ajuda em Tigré. Só passado um mês, no início de dezembro, o governo etípe garantiu à ONU que iria permitir a chegada de ajuda humanitária às milhões de pessoas que vivem em Tigré e algumas organizações como a Cruz Vermelha já tiveram acesso à capital da região.

— Centenas de civis e combatentes foram mortos, milhares de pessoas na Etiópia ficaram desalojadas e, de acordo com os últimos registos, 40 mil refugiaram-se no Sudão (número que a ONU estima que chegue aos 200 mil), onde vivem atualmente quase 1 milhão de refugiados da Eritreia. A taxa média diária de entrada no país é atualmente de 4000 pessoas.

— No leste do Sudão, estão já várias organizações humanitárias, com o apoio das autoridades sudanesas e comunidades locais, a construir abrigos temporários e procurar responder às necessidades prioritárias, que incluem alojamento, comida, água, cuidados médicos, transporte para zonas seguras, bem como apoio na procura e contacto das famílias que entretanto foram separadas. Dada a rápida deterioração da situação e o ritmo de chegada de novos refugiados, que tem ultrapassado a capacidade dos grupos de ajuda, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), declarou uma emergência de Nível 2.

— Esta situação pode remeter milhões de pessoas a uma situação de vulnerabilidade e a um estatuto de deslocados ou refugiados durante anos, obrigando-os a viver em locais sobrelotados, sem condições sanitárias dignas e sujeitos a surtos de doenças.

Fotografia de Ingebjorg Karstad.

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