O INVERNO DE 2020–2021 NOS BALCÃS

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4 min readJan 20, 2021

— Em março de 2020, como resposta temporária ao surgimento da pandemia provocada pela COVID-19, foi construído em Lipa, perto da cidade de Bihac, na Bósnia e Herzegovina, um campo de refugiados sob o pretexto de evitar a propagação do novo coronavírus e para retirar as pessoas das ruas de um país que tem cerca de 2000 pessoas refugiadas em situação de sem abrigo.

— Este campo, onde centenas de pessoas foram forçadas a ficar, nunca teve condições que garantissem as suas necessidades básicas: nunca teve água canalizada ou eletricidade, nem condições de segurança e higiene que impedissem a transmissão do vírus.

— Com a evolução da pandemia e o ambiente cada vez mais hostil, registou-se um aumento da violência contra os residentes do campo e trabalhadores humanitários. A par disto, o discurso político passou a retratar os migrantes, refugiados e requerentes de asilo no país como uma ameaça à segurança, um fardo económico e os principais responsáveis pela propagação do vírus.

— Em outubro, após protestos da comunidade local, o campo de Bira, situado também na cidade de Bihac, foi encerrado. Os seus residentes foram transferidos forçosamente para o campo de Lipa, que se mantinha sem condições ou capacidade para acolher tantas pessoas. 87 crianças não acompanhadas foram transferidas para o campo de Borici, na mesma cidade.

— Com a chegada do inverno, o campo de Lipa, gerido pela OIM, tornou-se um lugar ainda mais perigoso para as 1400 pessoas que acolhia, expostas a baixas temperaturas e mau tempo, sem água corrente, eletricidade, aquecimento ou acesso a serviços básicos.

— No dia 23 de dezembro de 2020, o campo de Lipa foi destruído por um incêndio, deixando os seus residentes novamente nas ruas e sem qualquer apoio ou acesso a cuidados básicos de saúde, medicamentos, e sujeitos a temperaturas negativas, ventos fortes e neve.

— Após o incêndio, as pessoas que viviam no campo deveriam ter sido transportadas para uma antiga instalação militar na cidade de Bradina, mas, por falta de acordo entre as autoridades locais das duas cidades, o transporte não se concretizou. Restaram os escombros do campo, as florestas envolventes e edifícios abandonados como opção de abrigo, onde já tantos outros se refugiavam.

— Milhares de pessoas, incluindo mulheres e crianças, encontram agora refúgio nas florestas, onde montaram abrigos improvisados que não as protegem do frio, da chuva, do vento, da neve. Como consequência começaram a aumentar os casos de infeções respiratórias e de pele. Muitas pessoas não possuem roupa quente adequada para o inverno rigoroso da Bósnia, por vezes nem meias ou sapatos fechados, ou sacos-cama e outros agasalhos.

— Após fortes críticas pela sua inação e por ter deixado milhares de pessoas sujeitas ao frio extremo que se faz sentir, as autoridades da Bósnia disponibilizaram 20 tendas para acolher cerca de 900 pessoas no antigo campo de Lipa, recusando um pedido da OIM para as instalar num centro de acolhimento numa fábrica abandonada, e deixando a promessa de novas infraestruturas serem construídas assim que as condições meteorológicas o permitirem.

— Neste campo improvisado, muitas pessoas fazem a sua higiene ao ar livre e esperam — alguns descalços, na neve — pela sua vez para comer. A distribuição de comida é imprevisível: varia entre uma a duas por dia — por vezes, nenhuma. Na maior parte das vezes não é suficiente e muitos não conseguem fazer uma única refeição diária.

— No início do ano, as autoridades da Bósnia e Herzegovina comprometeram-se com o alojamento “rápido” destas pessoas em Bihac. Porém, passadas duas semanas, as instalações mantêm-se fechadas e não há previsão para a sua abertura. Também não se prevê a reabertura do campo de Bira, uma vez que os habitantes da cidade têm pressionado as autoridades locais, organizando vigílias para impedir esta reabertura.

— A ONU alerta para esta nova crise humanitária, pela falta de resposta e opções de abrigo para milhares de pessoas migrantes, refugiados e requerentes de asilo no país. No seu comunicado, pede uma aprovação “sem demora de uma estratégia global e um plano dirigido para melhorar e proteger os direitos humanos das pessoas em movimento, incluindo o mínimo essencial dos padrões de saúde, alojamento, proteção social e educação”.

📷 Fotos de Marko Djurica, Elisa Oddone, Vincent Haiges e Julian Busch.

[Esta é a primeira parte de uma série de artigos que iremos publicar, em parceria com a Refugees Welcome Portugal, acerca da situação migratória na fronteira dos Balcãs.]

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