Oncocercose — A Cegueira dos Rios

Uma doença negligenciada em fase avançada de eliminação

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7 min readMay 1, 2018

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Um dos principais objetivos da doebem é buscar intervenções eficazes e organizações sérias no Brasil para promover uma cultura de doação efetiva. Uma das etapas da nossa metodologia consiste na pesquisa sobre a relevância de determinado problema no Brasil.

Neste post, decidimos falar sobre a Oncorcecose. A doença está na lista de programas prioritários construída pela GiveWell, que aponta intervenções que possam trazer resultados custo-efetivos na solução do problema. Mais especificamente, a GiveWell analisa a “distribuição em massa de medicamento para controle da Oncocercose”, solução que será detalhada abaixo.

O que é a Oncorcecose?

A Oncocercose, também conhecida por “cegueira dos rios”, “mal do garimpeiro” ou “doença de Robles”, é uma doença infecto-parasitária e a segunda causa mais comum de cegueira devido a uma infecção, depois do Tracoma. Atualmente, avalia-se que a doença afete 17 milhões de pessoas de 34 países em 3 continentes (99% dos casos na África) e estima-se que a cegueira completa ainda atingirá meio milhão de pessoas até sua eliminação.

A doença é causada pela infecção por filárias Onchocerca volvulus, vermes que são transmitidos por picadas da mosca preta do gênero Simulium, comumente chamada de piúm ou borrachudo. Embora a Oncocercose não cause a morte, seus sintomas podem gerar problemas severos. De acordo com Moraes (1991), “tais alterações são, às vezes, tão severas que justificam a expressão usada para descrever o aspecto dos pacientes: “os jovens parecem velhos, e os velhos, lagartos”” (p.504). A OMS (2017) apontou que tanto os problemas nos olhos como os de pele associados à doença resultaram em queda de produtividade, impactando, portanto, na economia das regiões afetadas. Dentre outros, os sintomas da Oncocercose incluem coceira intensa, pele ressecada, inchaço dos gânglios, febre e surgimento de nódulos.

A mosca Simulium é um inseto hematófago, ou seja, que se alimenta de sangue. Na busca por alimento, transmite causadores de outras doenças além da Oncocercose, como a Leishmaniose e a Mansonelose. Uma vez que as larvas dessa mosca requerem grande quantidade de oxigênio para seu desenvolvimento, ela geralmente deposita seus ovos em rios, principalmente em partes com cachoeiras, onde a aeração na água é maior (MORAES, 1991). Assim, as áreas mais afetadas pela doença são geralmente montanhosas e/ou com rios.

Imagem da Pan American Health Organization.

Como prevenir e tratar a doença?

Uma vez que não há vacina para a doença, a prevenção se dá por: 1) uso de roupas que cobrem boa parte da pele, de repelentes e de redes em torno das camas e 2) combate ao vetor (mosca). O combate ao vetor é feito pelo uso de inseticidas organofosforados e, em regiões nas quais as larvas apresentam resistência, pelo uso de larvicidas a base de Bacillus thuringiensis subespécie israelensis — Bti (HERZOG, 1999).

Embora as estratégias de prevenção apresentem relativo sucesso, o tratamento acaba gerando o maior impacto para a eliminação da Oncocercose no mundo. O tratamento para essa doença pode ser realizado através de nodulectomia (cirurgia para a retirada dos nódulos) e quimioterapia. Segundo Herzog (1999), a quimioterapia pode ser realizada pelo uso de um desses três medicamentos: Suramina, Dietilcarbamazina e Ivermectina. Uma vez que provocava efeitos colaterais menos severos que os outros e era mais fácil de ser administrada, a Ivermectina passou a ser usada em massa no combate à Oncocercose.

O tratamento com Ivermectina é prolongado (mínimo de 8 anos) e consiste em administrações anuais ou bianuais (algumas vezes, semestrais ou até trimestrais) de doses da droga. Esse fármaco mata as microfilárias (verme jovem), mas não afeta os vermes adultos. Uma vez que as filárias (vermes adultos) podem viver por 8 a 15 anos no corpo do hospedeiro e, nesse período, continuam sua reprodução, faz-se necessário o uso contínuo e prolongado deste medicamento.

Além dos três medicamentos citados acima, um novo tratamento vem sendo desenvolvido: a administração de Doxiciclina. A Doxiciclina é um antibiótico que tem como alvo as bactérias Wolbachia, presentes na parte exterior dos vermes. Tais bactérias apresentam relação de simbiose mutualística obrigatória com os vermes e, nesse tipo de relação, um ser precisa do outro para sobreviver. Nesse sentido, a morte da bactéria pode causar morte do verme e vice-versa. Assim, uma estratégia de combate à Oncocercose é através da morte das bactérias, que embora não sejam as causadoras da doença, são fundamentais para a sobrevivência do verme adulto. Atualmente, estudos vêm buscando compreender melhor a relação entre as bactérias e as filárias e a possível interação entre os medicamentos Ivermectina e Doxiciclina para intensificar o combate à doença (ALBUQUERQUE, 2011); (ABEGUNDE, et al., 2016).

Qual é a situação da Oncocercose no Brasil?

O primeiro caso de Oncocercose humana apareceu na literatura em 1985. Ao longo do século XX, outras descobertas foram realizadas sobre a doença como sua causa, características do parasita e do vetor, formas de diagnóstico, sintomas e formas de tratamento e prevenção. Com esse avanço, novas informações sobre a situação da doença no mundo foram obtidas e, em 2013, a OMS (2017) estimou que 25 milhões de pessoas estavam infectadas, dentre as quais 300.000 estavam cegas e 800.000 sofriam de problemas de visão em decorrência da doença.

Distribuição da doença no mundo, 2013. Imagem da World Health Organization.

Apesar desses dados alarmantes, a Oncocercose era e continua sendo considerada uma “Doença Negligenciada”, assim como a Malária e a Doença de Chagas. De acordo com Valverde (2013), essas doenças são “causadas por agentes infecciosos ou parasitas e são consideradas endêmicas em populações de baixa renda” e ainda recebem pouco investimento para pesquisas, produção de medicamentos e controle.

Até a década de 1980, apesar de suas limitações, o combate ao vetor (mosca) permaneceu a principal estratégia de combate à Oncocercose. Embora a Suramina e a Dietilcarbamazina já tivessem sido desenvolvidas nesse período, seus efeitos colaterais severos e os entraves à sua aplicação mantinham a distribuição de medicamentos como estratégia secundária.

"Essas doenças são “causadas por agentes infecciosos ou parasitas e são consideradas endêmicas em populações de baixa renda” e ainda recebem pouco investimento para pesquisas, produção de medicamentos e controle."

A década de 1980 foi marcada por um avanço revolucionário no combate à Oncocercose: a descoberta da Ivermectina como medicamento capaz de matar os vermes jovens (microfilaricida). Após a realização de testes com humanos infectados, verificou-se que esse medicamento tinha alta tolerância e que um único tratamento prevenia a infecção por 4 a 6 meses. Essas descobertas acerca da Ivermectina representaram uma quebra de paradigma nas estratégias de combate à doença e, por matar os vermes ainda jovens , esse medicamento reduz o risco de surgirem sintomas severos (causados por esses vermes) e reduziam o potencial de propagação da doença (CUPP, et al., 2011).

A Ivermectina passou a ser distribuída em focos na África numa estratégia de medicação anual e, verificado o sucesso inicial, em 1986, testes com distribuição semestral passaram a ser realizados na América. Comprovado o sucesso do medicamento nos testes, a Companhia Merck reconheceu a importância da Ivermectina na terapia contra a Oncocercose e, em 1987, ela anunciou seus planos de doar Mectizan® (Ivermectina) pelo tempo que for necessário. Segundo Cupp, Sauerbrey e Richards (2011), esse gesto não teve precedentes na história da medicina tropical e ofereceu a possibilidade de controle da doença.

Diante desse cenário, a Organização Pan-Americana da Saúde (PAHO) fundou, em 1991, o Programa de Eliminação da Oncocercose para as Américas (OEPA), que passou a atuar como coordenador e centro técnico de uma coalizão internacional (GUSTAVSEN, et al., 2011); (CUPP, et al., 2011). O projeto inicial do OEPA era a eliminação da doença da região em 2007 e, apesar dessa meta não ter sido atingida, diversos avanços significativos foram feitos. Após o tratamento com Ivermectina e o combate ao vetor com inseticidas, a doença foi eliminada na Colômbia (2013), no Equador (2014), no México (2015) e na Guatemala (2016). Dos três focos da doença na Venezuela, a doença foi eliminada em 2 deles. O foco em que a Oncocercose ainda não foi eliminada na Venezuela é contíguo ao brasileiro e a eliminação de um requer a eliminação do outro (SAUERBREY, et al., 2018).

Os dois últimos focos localizam-se na área indígena Yanomami, território extremamente isolado e de difícil acesso, aspectos que dificultam a entrega dos medicamentos. Além disso, os Yanomamis têm hábito seminômade, o que oferece barreiras à manutenção de um tratamento regular (GUSTAVSEN, et al., 2011). Dados apontam que, atualmente, há 30.561 pessoas em áreas de risco, sendo 15.086 na Venezuela e 15.475 no Brasil. Embora haja essa divisão estatística, os focos são fisicamente um só e sua eliminação requer esforços conjuntos dos dois países.

Nesse sentido, os governos brasileiro e venezuelano aproveitaram a ocasião da 67ª sessão da Assembleia Mundial da Saúde, realizada em Genebra, na Suíça, em 2014, e firmaram um acordo se comprometendo a fortalecer e integrar ações para eliminação da doença na fronteira entre os países (ROCHA, 2015). A partir desse comprometimento e do fortalecimento no combate à doença, a PAHO renovou seu prazo para a eliminação da doença para 2022. De acordo com dados do Ministério da Saúde (2012), entre 2000 e 2016 não foram detectados novos casos da doença no Brasil, fazendo crescer as esperanças de sua eliminação no país nos próximos anos.

E aí?

Conforme apresentado acima, a Oncocercose no Brasil encontra-se em fase de eliminação, ou seja, embora ele seja um problema relevante, ele está praticamente solucionado. Nesse sentido, nós da doebem optamos por não prosseguir com essa análise, entendendo que nossa recomendação não geraria impacto sobre a situação atual do combate à doença no Brasil.

Uma vez que a Oncocercose ainda afeta milhões de pessoas, principalmente na África, caso você tenha interesse em doar para organizações que a combatem, sugerimos que você visite o site da The Carter Center, organização responsável pelo gerenciamento dos recursos para essa causa.

Nós, da doebem, acreditamos que a vontade de fazer o bem, aliada ao conhecimento de causas efetivas, proporcionará um real impacto positivo em nosso país. Por isso buscamos as melhores oportunidades de doação no Brasil com base em evidências científicas, tornando assim o processo de doação fácil, seguro e eficiente. Visite www.doebem.org.br e comece a doar.

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